As Minhas Línguas
Língua estufada
Língua de boi
Língua-de sogra
Língua-de gato (ou gata)
Conforme o gosto
Língua de bacalhau
Língua ao molho Madeira
Lingua de Boi a Périgueux com trufas negras e creme de batatas (três chique)
Linguado 16+
CALIGRAFIA
Molda-se o papel de seda
à escrita ondulante
das mãos;
no desenho amante
de cada traço,
cada letra é um laço
apertado,
soletrado pelos lábios
sábios de amar;
cada sílaba nascente,
que desliza, urgente,
é um afago por dar,
e as palavras
são linhas fechadas,
promessas consumadas
num beijo silente,
certezas desenhadas
a tinta permanente.
VIGÍLIA
Em quieta
inquietação
percorre-me,
insuspeita,
a razão secreta
das noites afloradas
em mãos entrelaçadas:
vibrante lume
em que foste meu
verbo sublime
e eu,
tua conjugação.
MEDO
sombra insurrecta,
negro veneno subtil
na ponta da seta,
fulminante pergunta
alimentando o medo,
um espesso enredo
inútil
destilando assombros
que a razão inquieta
logo amplifica,
e no eco do penedo
mortifica,
edificando escombros.
CERTIDÃO DE ÓBITO
Num cego ceifar,
sem pestanejar,
a mão ágil
rasura sem pena
a palavra frágil
de um embrionário poema
trespassando o verso
antes do berço:
indefesa, foi-se,
sob o golpe da foice.
BEIJO
São tantas
as cores
que despertas
em mim,
são flores
abertas,
um suave cetim
um toque intenso
ardente
imenso;
e o instante,
que assim
se demora,
é do tempo que pára
infinito –
agora.
Bel Canto
Cristalina e límpida
é a melodia que oiço,
água corrente incontida
sulcando o incessante verso
que me toca, mas não alcanço.
E essa voz murmurante
perpassando o que sinto,
preenche-me a cada instante
com um timbre absoluto
que não sei dizer, mas escuto.
FUTURO
A folha jaz
ao Inverno exposta,
seiva morta
de uma Primavera esgotada
extinta e incapaz
de acordar a madrugada.
Na quietude fria
da noite chegada
aceita a estação vazia
serenamente calada:
e o que inspira então,
é uma perspectiva aberta,
um tempo que se liberta
da própria prisão.
Escrito a 23.02.10
RAIZ
Cavo fundo
com vigor,
rigor e método,
mas sem nunca alcançar
o lugar
onde assenta
a verdade que cimenta,
este dizer
e escrever
que me alimenta
a dor
de ser sílaba exposta
à corrosão do mundo.
Vox Poética IV
DESÂNIMO
Promete-me tudo, anjo,
eu já nada vejo
no escuro cárcere envolto
estou cego, não me revolto
no dormente sentir
em que me sinto ir
pela estrada do desalento
onde sopra o vento
do infortúnio maior
e grita sangrenta
em ferida aberta
a minha dor.