SONETO AO ENTARDECER
O pôr-do-sol me lembra Exupery,
Meu corpo chora, minha alma sorri;
Nobres lições de uma sábia raposa
Nas quais o meu pensamento repousa.
Eu tive em minha sossegada vida
Dias de felicidade garantida,
Recostada sob um ipê amarelo;
Lendo à luz de um ocaso muito belo.
Na minha vã memória, quantos príncipes!
Todos me trazendo desejos livres,
Dando-me rosas, fazendo-me única.
Sempre silente,ao entardecer, sem súplica,
Vejo o pôr-do-sol, sinto-o em plenitude,
Criando em mim eterna juventude.
(Luciene Lima Prado)
SERIGUELA
Eu quero o gosto da minha terra,
A simplicidade que nada me cobra.
O alimento futuro, que a gente enterra,
Cultivamo-lo com fé de sobra.
Eu quero da canção a beleza regional,
Que outras vogas não entendo.
Minha janela tem perfume floral,
Minha cerca de quiabento é sem remendo.
Não venha cantar outros mundos,
Não creio na Lua do outro lado.
A minha Lua nasce nos fundos
Do meu quintal estrelado.
(Luciene Lima Prado)
O APAGADOR
Tive um apagador especial,
Inventado num outono ao pôr-do-sol,
Ao som da melodia do rouxinol;
Feito para apagar o bem e o mal.
Em alguns segundos que traziam eras,
Fiz desaparecer o que fiz de bom
Se isso não me trazia agradável tom;
O mal fiz sumir em primaveras.
As coisas boas se apagam facilmente,
As ruins contêm tinta permanente,
Ao serem apagadas deixam sinais.
Não era, então, uma invenção perfeita
Que tudo na vida apaga ou endireita,
Tampouco suavizou meus vendavais.
(Luciene Lima Prado)
INCÓGNITA
O meu pranto não tem o gosto salgado;
Quem o prova somente o sente amargo,
De enredo denso a La Woolf ou Clarice,
A esperar doridamente a velhice.
Eu quero em desenredos me implodir,
Causar em mim bem mais que frenesi,
Trazer a mim as flores que não tenho
Devagar desfazer este meu cenho.
Não choro de tristeza sob esta noite,
Presta atenção que sou o próprio lamento
Que amarga sem dó até o passivo vento.
Vou embora e deixo as vozes se trancando,
Atravessando Orlando e Macabea,
Manchando o poema que em mim estréia.
(Luciene LIma Prado)
DE OLHOS FECHADOS
Basta para mim o descanso,
Tudo mais é desperdício.
Sinto meu corpo ranço
Preso neste caminho difícil.
Porque tudo me cansa,
Mesmo tua carícia.
Já não tenho a palavra mansa
Que me dava o tom de malícia.
Quero descansar neste banco,
Nesta praça cheia de lírios.
No descanso eu me tranco,
Livre de mais martírios.
(Luciene Lima Prado)
DESPEDIDA POÉTICA
Por esta minha inspiração desfigurada,
Desfaço-me da poesia e quebra-se o encanto;
Já não sou poeta.
Se um dia o fui, foi por engano
Desses versos que nos iludem.
Das rimas sonoras que no fundo são antagônicas,
Despeço-me e escolho as macieiras como trégua.
E as linhas em branco continuarão cheias
Dos versos que jamais farei.
(Luciene Lima Prado)
DA PERFEIÇÃO HUMANA
No silêncio acha-se perfeição humana.
O que não é dito nada contamina,
Torna-se o bem uma coisa tão fina,
Facilmente o sorriso do peito emana.
É perfeito o indivíduo que se cala.
No paraíso dos lábios fechados,
Os verdadeiros frutos coletados,
O silêncio que nutre o ser e o embala.
Vem, aproxima-te e nada me diz.
A fala desencanta e tudo denigre,
É feroz e mata tal qual um tigre.
Com poucas palavras se é feliz,
E, mais ainda, se nada pronuncia;
Pois assim, no mundo, a paz principia
DA PERFEIÇÃO HUMANA
No silêncio acha-se perfeição humana.
O que não é dito nada contamina,
Torna-se o bem uma coisa tão fina,
Facilmente o sorriso do peito emana.
É perfeito o indivíduo que se cala.
No paraíso dos lábios fechados,
Os verdadeiros frutos coletados,
O silêncio que nutre o ser e o embala.
Vem, aproxima-te e nada me diz.
A fala desencanta e tudo denigre,
É feroz e mata tal qual um tigre.
Com poucas palavras se é feliz,
E, mais ainda, se nada pronuncia;
Pois assim, no mundo, a paz principia
(Luciene Lima Prado)
VOLÚPIA
A felicidade que em nós dimana,
Com gosto agradável que não acaba,
Parece água pura de cascata
A correr ao fundo de uma cabana.
Há de nos cobrir todo este prazer,
Em inúmeras gotas e sabores,
Pintados com as mais bonitas cores
Do “azulecer” ao esperado “enluecer”.
Mas paremos por um breve intervalo,
Que alegria em excesso também nos cansa
(Como já me entediou a velha França).
Então, nos delírios que tenho e embalo,
A felicidade virá... (outra vez)
Para nos levar em grande embriaguez.
(Luciene Lima Prado)
INSETO
Eu sou uma metamorfose de Kafka,
No suor da minha existência estática;
Rastejo através do entulho que sou,
Talvez um papel rasgado por Poe.
Proveniente de um fingido flerte,
Personagem descartado de Goethe;
Mesclo minha peçonha ao teu papel,
Tu que me lês com teu nocivo fel.
Vivo a partir do que me transformei,
Daquilo que não faz parte da lei
E do asco que por mim agora tenho.
Esfarela-me por misericórdia,
Que meu traço viscoso de discórdia
Já se encontra desprovido de engenho.
(Luciene Lima Prado)
SEU CORAÇÃO NÃO TEM JANELAS
Seu coração não tem janelas
Para deixar entrar o amor,
Frio, nunca recebe calor;
Nada a entrar e sair por elas.
Esse coração, pode-se supor,
Enche-se de vãs querelas;
Seu coração não tem janelas
Para deixar entrar o amor.
Inúteis são as aquarelas
Pintadas em seu peito incolor,
Suas veias, quem, por elas,
Passará sem sentir dor?
Seu coração não tem janelas!
(Luciene Lima Prado)