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Tópico |
Luso-Poemas |
Publicado: 10/03/2025 19:50 Atualizado: 10/03/2025 23:37 |
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 PONTO A PONTO, UM CONTO - cap. I
Capítulo I
Quem passava pela ruela estreita de calçamento de pedras pé de moleque, comuns nas cidadezinhas interioranas brasileiras, reparava numa única janela da casa estilo colonial de cinco pequenos cômodos, entreaberta, quase uma fresta, abertura regulada apenas por uma correntezinha presa às duas bandas de madeira carcomida pelo tempo. Ainda assim, se conseguia captar um mínimo de ar, claridade, e a gente; a intimidade daquele eremita citadino contemporâneo. Cotovelos sobre a mesa, uma das mãos apoiando a cabeça e a outra como se também pensativa, burilando a pena sobre o papel almaço contendo já algumas anotações, versos ou pensamentos soltos para talvez se juntar as tantas outras amassadas em bolotas quais jaziam espalhadas pelo chão, pois foram jogadas a esmo em direção à lixeirinha de canto da escrivaninha e errado dado o estágio adiantado duma miopia já que ele recusava o uso dos óculos. Avistava-se, nas duas parede laterais, prateleiras apinhadas até o alto teto ripado com livros e rolete de papéis de mau aspeto, sujos ou amarelados, bolorentos, empoeirados e com sinais visíveis de terem sido recentemente atacados por traças e cupins, contrastando com a saleta de leitura lúgubre que também servia de ambiente para as pequenas refeições quando assim as fizesse, um ser desleixado contumaz. Por mais que a espessa barba cobrisse aquele rosto, apesar de sisudo e afinalado, podia-se notar que sua idade, aparentemente, não o fazia um homem demasiadamente longevo; mãos firmes e sem rugas profundas o que firmava quem tivesse a oportunidade de observá-lo mais aproximado.
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Tópico |
Alemtagus |
Publicado: 10/03/2025 21:05 Atualizado: 12/03/2025 14:48 |
Membro de honra
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - cap. II
Capítulo II
Lá fora, desviando o olhar dos que por ali se passeavam, um pequeno engraxate, de ar arisco, manhoso, tentava imaginar o que ia para lá daquela velha janela e que segredos se guardavam por lá... tesouros, seguramente. Na distração nem dava pelos encontrões dos despreocupados que percorriam a rua numa pressa estonteante e quase desumana. O Sol, implacável, que não se importava com quem ali andasse, parecia ter uma consideração especial pelo miúdo, abraçando-o com suavidade paternal. Tudo parecia um quadro pintado em movimento. Ao lado da ruela estendia-se a boulevard - chamavam-lhe os ditos da alta sociedade - ladeada de plátanos e alguns chorões, podados quase de mês a mês, que mantinham intacta a sombra sobre a calçada portuguesa, ainda do século anterior, e os pequenos lagos com repuxos de água fresca.
(Alemtagus)
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Tópico |
Rogério Beça |
Publicado: 12/03/2025 13:01 Atualizado: 12/03/2025 14:48 |
Usuário desde: 06/11/2007
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. III
Capítulo III
Num assomo de falsa coragem, o rapazola vestido de olhar amendoado, roupas gastas e leves, abeirou o queixo liso do parapeito patinado. Era magrito e moreno. O perfume a bolor agrediu-o e, no meio dum espirro, riu de nervoso para dentro. O quase breu encheu-lhe os olhos. Espiou a rua à espera duma repreensão oriunda de qualquer lado, mas, não surgindo manteve-se fiel ao coração e viu pela primeira vez o ancião lá dentro. O medo quase o conquistou. Quase fugiu. Mas aquela figura barbuda e de ar cansado, lá lhe acordou o outro lado da coragem – a curiosidade. Como os gatos que morrem à sua mercê, Maio (assim se chamava o garoto) cruzou o olhar com o mais vivido, que decidira olhar para a janela para determinar a hora do dia.
(Rogério Beça)
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Tópico |
senhoralua |
Publicado: 12/03/2025 15:22 Atualizado: 12/03/2025 21:36 |
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. IV
Capítulo IV
O ancião topou com os olhos castanhos e recheados de curiosidade do garoto. Recordou-se de si. De seus tempos de moleque que corria pela região. Reparou nos cambitos magrelos e nas pernas compridas. Sorriu.
Como se fosse um convite, pelo menos foi o que o pequeno entendeu. Então, aproximou-se da janela e fez a pergunta que tanto ansiava:
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Tópico |
A.Maria |
Publicado: 12/03/2025 17:24 Atualizado: 12/03/2025 18:29 |
Super Participativo
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. V
Capítulo V
O pai observava a coragem do filho, mas logo o repreendeu, sem que Maio pudesse soltar a voz, e rapidamente sentou ao lado do pai engraxate. Esse é o melhor ponto da cidade e muito ouvia histórias de terror daquele senhor, o menino assustado olhou de lado e o senhor sorriu calado de cabeça baixa.
(A.Maria)
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Tópico |
ZeSilveiraDoBrasil |
Publicado: 12/03/2025 19:25 Atualizado: 12/03/2025 20:21 |
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap.VI
Capítulo VI
Maio não havia se intimidado, atitude normal de um moleque de rua, retornara esgueirando-se pela parede da casa até chegar novamente a mesma janela e, nas pontas dos pés mas agora em cima da caixeta de engraxate para ter mais altura e melhor visibilidade, a despeito do que seu pai tentará amendrontá-lo, debruçou-se no parapeito, e se pôs a revirar o ambiente, até onde dava, com seus olhos miúdos e espertos, foi quando o eremita contemporâneo afastara com os pés alguns compêndios; fora professor por várias décadas, e eram estes talvez livros desprezados dos últimos resumos de suas teorias. Maio, atento, viu ele levantar-se com certa dificuldade, caminhar para o cômodo ao lado, o quarto. Demorou alguns minutos e quando retornou arrastando os chinelos pelos ladrilhos d'água da sala, trazia na mão um livro cuja capa mostrava-se bastante danificada, despencada, quase desmontando-se, mas, mostrava claramente que se tratava a de um menino ajoelhado num astro celeste. Era o livro do Pequeno príncipe. Absorto por tantas descoberta apenas através daquela fresta da janela não percebeu a aproximação do ancião que frente a frente e, antes que balbuciasse qualquer palavra lhe repetiu a pergunta que ansiava: - Que queres daqui? - Sabes ler?
(ZéSilveira)
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Tópico |
Alpha |
Publicado: 13/03/2025 13:54 Atualizado: 13/03/2025 14:01 |
Membro de honra
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO
Capitulo VII
Perante tal interrogação o rapaz ficou embasbacado pois a sua escola era apenas a que a rua lhe tinha ensinado. Passou as mãos várias vezes pelo cabelo que já há muito tempo não sabia o que era o toque das tesouras do barbeiro. Deixou o local sem dar resposta ao ancião e foi procurar o seu “compincha “das traquinices, de seu nome Martim, mais conhecido por (meco). Depois do amigo estar a par da situação engendraram um plano para tentar desvendar tudo o que continha e se passava na "casa" do eremita e o modo de viver do mesmo. Esperaram pela noite para levar a cabo os seus intentos. A noite estava escura e muito fria mas a curiosidade que os movia não os fez vacilar.
(Alpha)
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Tópico |
Beatrix |
Publicado: 13/03/2025 15:31 Atualizado: 13/03/2025 15:52 |
Colaborador
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO- Cap.VIII
Capítulo VIII . Maio e Meco dirigiram-se à mesma janela. Havia uma réstia de luz que emanava da casa. Mais uma sombra, talvez. Tinham levado a caixa, puseram-se em cima dela, e olharam para dentro: o homem continuava na mesma posição onde Maio o encontrara horas antes. Ficaram os dois pendurados na janela, a olhar o homem estranho que, até de noite, na penumbra, estava ali. Não saía dali? O que lhe levava tanto tempo a fazer? Finalmente, e depois de largos minutos em silêncio, o homem ancião “eremita” levantou a cabeça e olhou os dois pequenos, pendurados à sua janela. Os pequenos assustaram-se e caíram da caixa. O homem dirigiu-se à janela, espreitou e disse: “Mas querem entrar ou vão ficar aí estendidos no chão? Estou farto que me ocupem a janela e me estraguem a luz.”
(Beatrix)
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Tópico |
Aline Lima |
Publicado: 16/03/2025 04:49 Atualizado: 16/03/2025 04:49 |
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Localidade: Brasília- Brasil
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO Capitulo IX
Capítulo IX
Maio e Meco aceitaram o convite em silêncio, como se temessem que o encanto se quebrasse ou que a coragem sumisse caso falassem. A porta rangeu suavemente ao ser aberta, como se a casa respirasse depois de anos. Os dois cruzaram a soleira com os pés hesitantes e os olhos arregalados. O ar estava impregnado com o cheiro de papel antigo, misturado ao som do assoalho protestando sob os chinelos do homem. Dentro da sala, os móveis pareciam esquecidos há décadas, mas a escrivaninha estava viva. Os meninos ficaram impressionados com a estante repleta de livros, que ocupava boa parte do ambiente. O homem caminhou até a escrivaninha, puxou uma cadeira e apontou com a cabeça para os bancos baixos do outro lado. Sentou-se e ajeitou sobre a mesa um exemplar de O Pequeno Príncipe, ao lado de uma xícara solitária. — Meu nome é Lúcio. Desfaçam essas caras de assustados e sentem-se. Maio sentia o coração disparar. Meco, desconfiado, segurou o braço do amigo e cochichou: — Você não acha que ele tem algo... estranho? Mas a atenção de Maio estava no livro aberto sobre a escrivaninha. As letras e ilustrações pareciam girar devagar, como se o convidassem a tocar nas páginas. O homem acompanhou o olhar do menino e disse, quase num sussurro: — Este livro... não é bem o que parece. Acha que os planetas dele acabam onde termina o papel? Os garotos se entreolharam, confusos. — Hoje vocês têm um privilégio, algo que poucos terão a chance de ver. Mas, como tudo na vida, nada vem sem um preço. Cada escolha tem seu custo. Ele se levantou e puxou da estante um envelope envelhecido, lacrado com cera vermelha. O selo trazia um símbolo estranho, como uma espiral cruzada por um traço inclinado, quase como uma bússola que perdeu o norte. Nos olhos do homem, havia algo que os garotos não conseguiam nomear. Era um olhar estático, meio perdido, mas com algo mais, talvez um segredo que só seria compreendido muito tempo depois. — Só abram se estiverem prontos.
(Aline Lima).
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HorrorisCausa |
Publicado: 16/03/2025 09:07 Atualizado: 16/03/2025 10:53 |
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Localidade: Porto
Mensagens: 3787
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO Cap. X
Capítulo X
E, se ao olhar para o relógio, poderia-se dizer o instante, quase quatro décadas antes no patamar com duas mochilas a carregar nas costas, enquanto limpava os pés no capacho cinzento, demasiado cinzento, demasiado cheio de palavras para dizer "adeus" e, foi.se embora sem olhar para trás. O perfume aguentou-se uns tempos por ali. Passado un tempo desapareceu, sobrou um retrato pousado que com o tempo desapareceu. Tudo se passou em silêncio ou qualquer sentimento do género calado. Era feriado, um dia com demasiado sol, demasiado calor,com demasiada luz. Na calçada ouvia-se o som das sapatilhas que calçava a bater no chão desgastado a combinar com as solas demasiado gastas. Não estavam com pressa, estavam decididas, como se tivessem já decidido o seu destino. Ao longe, os céus conspiravam em tons do capacho e a luz do dia...
(HC)
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Tópico |
idália |
Publicado: 18/03/2025 16:03 Atualizado: 18/03/2025 20:20 |
Membro de honra
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. XI
Capítulo XI
Prolongavam os ecos dos acontecimentos que marcariam a sua trajetória. Porque havia o instante. O relógio tinha marcado o instante. Naquele dia, há quase quatro décadas, ele partira sem olhar para trás, abandonando um lar cheio de despedidas não ditas. A luz intensa daquele feriado, o calor sufocante e o som das sapatilhas gastas sobre a calçada ainda eram tão vívidos quanto o perfume que, por algum tempo, se manteve no ambiente. Mas o que procurava Lúcio naquele dia? Ele nunca contou a ninguém, mas aquele momento fora a sua escolha mais ousada e assustadora. Ele fora levado até à casa de um homem estranho, tal como Maio e Meco tinham sido levados até à sua própria casa. Esse homem, um guardião de segredos, apresentou-lhe o mesmo livro e o mesmo mapa. Naquela época, Lúcio era apenas um jovem sonhador, determinado a escapar de uma vida comum e a descobrir aquilo que um mundo desconhecido teria para oferecer. Ao abrir o mapa, Lúcio embarcou numa jornada que mudou tudo. Explorou mundos que refletiam os seus medos e as suas ambições. Contudo, nem todas as escolhas que fez foram sábias. Houve momentos em que ele cedeu à curiosidade sem pensar nas consequências, o que trouxe perdas e cicatrizes que ele carregava até hoje. Nunca conseguiu voltar ao que deixara para trás, e o retrato que um dia fora pousado sobre o móvel desapareceu junto com o tempo, assim como as palavras que ele nunca pronunciou. Agora, ao olhar Maio e Meco diante dele, Lúcio via neles uma nova oportunidade. Talvez eles pudessem fazer escolhas diferentes, aprender com os seus erros e encontrar aquilo que ele não tinha conseguido. O olhar estático, perdido, mas ao mesmo tempo carregado de um segredo profundo, refletia o peso da sua experiência e a esperança de redenção.
( idália )
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KaiiqueNascimentto |
Publicado: 30/03/2025 20:55 Atualizado: 30/03/2025 20:55 |
Da casa!
Usuário desde: 23/09/2014
Localidade: Francisco Morato - SP
Mensagens: 309
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 Capítulo XII
Capítulo XII
Maio encarou o envelope envelhecido. Seu coração pulsava forte, como se aquela espiral no selo o puxasse para dentro de algo que ele ainda não compreendia. Meco, ao seu lado, respirava rápido. O céu lá fora começava a se tingir de tons alaranjados, e a luz filtrada pela janela tornava o ambiente ainda mais irreal.
Lúcio continuava sentado, observando-os com uma expectativa silenciosa. Não havia pressão em seu olhar, apenas um convite. Mas havia também um peso ali, uma advertência não dita.
Maio deslizou os dedos sobre a cera vermelha do selo. A textura irregular lhe trouxe a sensação de um labirinto invisível. Ele olhou para Meco, que lhe devolveu um olhar hesitante.
— E se for uma armadilha? — Meco murmurou, engolindo em seco.
Lúcio soltou um riso curto, cansado.
— Tudo é uma armadilha, menino. A vida é feita de portas que só podemos abrir sem saber o que há do outro lado. A pergunta é: vocês querem ver?
Maio sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Ele queria. Queria mais do que qualquer coisa. Desde o primeiro instante em que seus olhos pousaram naquela janela, soube que precisava descobrir o que estava por trás dela. Com um suspiro profundo, ele quebrou o selo de cera e retirou de dentro do envelope um pedaço de papel amarelado. Nele, havia um mapa desenhado à mão.
O mapa não retratava ruas conhecidas, nem cidades. Era um emaranhado de linhas e símbolos estranhos, como se indicasse caminhos não percorridos por gente comum. Mas o que fez Maio prender a respiração foi o pequeno X marcado bem no centro. Sobre ele, um nome estava rabiscado em letras tremidas: "Maio".
Seu estômago revirou. Ele virou o papel, mas não havia nada do outro lado. Meco arregalou os olhos.
— Como seu nome está aí? Como isso é possível?
Lúcio apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos. O silêncio que se seguiu foi quase ensurdecedor.
— Porque este mapa pertence a você, Maio. Ele sempre pertenceu.
O menino sentiu o chão tremer sob seus pés, como se a realidade estivesse se fragmentando. O mapa parecia antigo, muito mais velho do que ele poderia imaginar. E, ainda assim, seu nome estava ali, desenhado antes mesmo de ele nascer.
Lúcio se levantou, pegou o livro do Pequeno Príncipe e o abriu em uma página marcada. Uma folha fina, quase transparente, caiu de dentro do livro. Ele a apanhou e a ergueu na direção da luz.
— Existe um lugar... — sua voz soou como um eco distante. — Um lugar que só aparece para aqueles que estão prontos. E o seu nome estar no mapa significa que a hora chegou.
Maio engoliu em seco. O mundo que ele conhecia parecia pequeno demais agora. Ele olhou para Meco, esperando que o amigo tivesse alguma resposta, alguma reação que o fizesse voltar à realidade. Mas tudo que viu foi o reflexo do mesmo medo e fascínio que sentia.
A escolha estava diante deles. E, naquele momento, Maio soube que não havia volta.
De repente, um som grave e distante ecoou pela casa. Como um trovão abafado vindo de dentro das paredes. Os meninos se entreolharam assustados. Lúcio virou-se rápido para a porta.
— Ele chegou... — murmurou.
Antes que qualquer um pudesse perguntar algo, a porta rangeu sozinha. Uma figura alta e esguia apareceu na soleira. Seu rosto estava oculto sob um capuz negro, mas seus olhos brilhavam como brasas. Ele deu um passo para dentro e sua voz cortou o silêncio como uma lâmina afiada:
— Lúcio, você deveria saber que não podia esconder isso deles.
O ar da sala pareceu ficar mais pesado. Lúcio fechou os olhos por um instante, como se esperasse por aquele momento havia muito tempo. Quando voltou a abri-los, sua expressão era de pura determinação.
— Maio, Meco, corram!
Mas a porta atrás deles se fechou com um estrondo.
A figura misteriosa ergueu uma das mãos, e um vento frio percorreu a sala, espalhando papéis e poeira pelo chão. Ele deu mais um passo à frente.
— Vocês precisam entender... O mapa não é um convite. É uma armadilha. E agora é tarde demais.
Lúcio encarou a figura com raiva contida.
— Tavess, eu sabia que você viria. Mas não antes que eles descobrissem por si mesmos.
Tavess soltou um riso baixo, quase divertido.
— Oh, Lúcio... Sempre achando que tem controle sobre o destino. — Ele virou-se para Maio e Meco. — Vocês querem saber a verdade? Então venham comigo. Mas saibam: depois dessa escolha, não haverá caminho de volta.
O silêncio pairou no ar, tenso como a corda de um arco prestes a disparar.
Maio olhou para Meco, para Lúcio e, finalmente, para Tavess.
E então, ele tomou sua decisão.
(Kaique Nascimento)
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Tópico |
HorrorisCausa |
Publicado: 05/04/2025 14:15 Atualizado: 05/04/2025 14:19 |
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 Re: Capítulo XIII
Fez-se lembrar os sítios por onde andou, um pouco das noites escondido entre pedaços de cartão, agachado na sombra. Aos dez ou onze anos a compor sonhos , mesmo em dias de frio, com a camisa a secar do lado de fora ,numa corda improvisada com seu tronco nu esperançado. De tal modo que nos seus dez ou onze anos rasgou o que já tinha sido escrito para voltar ao princípio, compreender os mundos que lhes chamou de sangue, olhar e gesto. Qual a história desta lua? Qual a história deste sol?, desta pedra? deste sinal? Com estes pensamentos , Lúcio , agarra a mão de Maio , agarra a mão de Meco, assegura que o livro, o tal livro estava contigo e,passaram a desfilada, a caminho...
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Aline Lima |
Publicado: 22/04/2025 01:51 Atualizado: 22/04/2025 01:51 |
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 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO
Capítulo XIV
Correram. Saíram pela porta e não chegaram à rua, como seria de esperar, mas num campo que parecia não ter fim. Verde por todos os lados. Um silêncio quase vivo. Folhas altas roçavam os tornozelos como se soubessem quem passava. Não disseram nada, mas sabiam, como por instinto, que deviam proteger o livro. Era quase um acordo orgânico entre os três. Não um segredo, mas um pacto. O chão parecia ter pressa. E eles também. Atravessaram o campo com o vento na cara e a infância nos pés. Havia beleza, sim, mas uma beleza que não distraía, apenas empurrava adiante. Só que, quando pararam, ofegantes, com os olhos buscando algo novo, estavam de volta. A mesma casa. O mesmo lugar. Tavess, ali, à porta. Como se o caminho fosse apenas um contorno em torno de si. Lúcio em silêncio e atento, como se escutasse algo que os outros não podiam ouvir. Talvez o som de quando o passado bate palma. — Sabe o que carrega? — perguntou Tavess, apontando para o livro. Maio assentiu, mas Meco desviou o olhar. Lúcio não respondeu. Apenas fez um gesto para Maio abrir o livro. Estava em branco. Seus olhos brilharam. Não era susto. Era confirmação. Lúcio sorriu. Um riso gasto, mas inteiro. — Agora vocês escrevem. — O quê? — Maio parecia querer entender com pressa. — O resto. Tavess deu um passo à frente, mas Lúcio o conteve com o gesto simples de uma mão sobre a outra. — Já não é mais contigo. Tavess recuou. Mas algo se torceu nele — e não no corpo. No tempo. Um estalo, talvez. Um erro que se corrige por dentro. E então, a casa gemeu. O chão se abriu. Sem grito, sem aviso. O mundo o engoliu como um bocejo. Maio segurou firme na mão de Lúcio. Meco chorava sem som. Mas nenhum deles correu. Ficaram ali, a olhar o buraco. O livro ainda em branco. Mas agora, com espaço para tudo.
Aline Lima.
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