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PONTO A PONTO, UM CONTO

Publicado por Luso-Poemas em 10-Mar-2025 19:40 (496 leituras)

PONTO A PONTO, UM CONTO

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No âmbito das comemorações do 19º aniversário do LP, damos continuidade às atividades com uma nova experiência coletiva, onde cada fio da narrativa será tecido a muitas mãos. De 7 de março a 1 de junho, convidamos todos a embarcar na construção de um conto compartilhado, um mosaico de palavras que se entrelaçam no ritmo de cada participante.
A proposta é simples, mas o resultado promete surpreender: cada autor acrescenta um trecho à história, respeitando o fluxo da narrativa e a continuidade do que já foi escrito. Para que o fio condutor se mantenha vivo, é preciso aguardar que outro luso-poeta participe antes de voltar a contribuir.
Para participar, clique em 'Comentar' e adicione o seu “ponto” à trama. Assim, pouco a pouco, ponto a ponto, um conto nascerá, moldado pela diversidade de vozes, estilos e imaginação que fazem deste espaço um verdadeiro lar para as palavras.
Esperamos por vocês nessa jornada literária, onde cada linha escrita é um convite para a próxima, e a criatividade se torna um elo invisível entre quem escreve e quem lê.


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Enviado por Tópico
Luso-Poemas
Publicado: 10/03/2025 19:50  Atualizado: 10/03/2025 23:37
Administrador
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Mensagens: 295
 PONTO A PONTO, UM CONTO - cap. I
Capítulo I

Quem passava pela ruela estreita de calçamento de pedras pé de moleque, comuns nas cidadezinhas interioranas brasileiras, reparava numa única janela da casa estilo colonial de cinco pequenos cômodos, entreaberta, quase uma fresta, abertura regulada apenas por uma correntezinha presa às duas bandas de madeira carcomida pelo tempo. Ainda assim, se conseguia captar um mínimo de ar, claridade, e a gente; a intimidade daquele eremita citadino contemporâneo. Cotovelos sobre a mesa, uma das mãos apoiando a cabeça e a outra como se também pensativa, burilando a pena sobre o papel almaço contendo já algumas anotações, versos ou pensamentos soltos para talvez se juntar as tantas outras amassadas em bolotas quais jaziam espalhadas pelo chão, pois foram jogadas a esmo em direção à lixeirinha de canto da escrivaninha e errado dado o estágio adiantado duma miopia já que ele recusava o uso dos óculos. Avistava-se, nas duas parede laterais, prateleiras apinhadas até o alto teto ripado com livros e rolete de papéis de mau aspeto, sujos ou amarelados, bolorentos, empoeirados e com sinais visíveis de terem sido recentemente atacados por traças e cupins, contrastando com a saleta de leitura lúgubre que também servia de ambiente para as pequenas refeições quando assim as fizesse, um ser desleixado contumaz. Por mais que a espessa barba cobrisse aquele rosto, apesar de sisudo e afinalado, podia-se notar que sua idade, aparentemente, não o fazia um homem demasiadamente longevo; mãos firmes e sem rugas profundas o que firmava quem tivesse a oportunidade de observá-lo mais aproximado.


Enviado por Tópico
Rogério Beça
Publicado: 12/03/2025 13:01  Atualizado: 12/03/2025 14:48
Usuário desde: 06/11/2007
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Mensagens: 2199
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. III
Capítulo III

Num assomo de falsa coragem, o rapazola vestido de olhar amendoado, roupas gastas e leves, abeirou o queixo liso do parapeito patinado. Era magrito e moreno. O perfume a bolor agrediu-o e, no meio dum espirro, riu de nervoso para dentro. O quase breu encheu-lhe os olhos.
Espiou a rua à espera duma repreensão oriunda de qualquer lado, mas, não surgindo manteve-se fiel ao coração e viu pela primeira vez o ancião lá dentro. O medo quase o conquistou. Quase fugiu. Mas aquela figura barbuda e de ar cansado, lá lhe acordou o outro lado da coragem – a curiosidade.
Como os gatos que morrem à sua mercê, Maio (assim se chamava o garoto) cruzou o olhar com o mais vivido, que decidira olhar para a janela para determinar a hora do dia.

(Rogério Beça)



Enviado por Tópico
ZeSilveiraDoBrasil
Publicado: 12/03/2025 19:25  Atualizado: 12/03/2025 20:21
Administrador
Usuário desde: 22/11/2018
Localidade: RIO - Brasil
Mensagens: 2441
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap.VI
Capítulo VI

Maio não havia se intimidado, atitude normal de um moleque de rua, retornara esgueirando-se pela parede da casa até chegar novamente a mesma janela e, nas pontas dos pés mas agora em cima da caixeta de engraxate para ter mais altura e melhor visibilidade, a despeito do que seu pai tentará amendrontá-lo, debruçou-se no parapeito, e se pôs a revirar o ambiente, até onde dava, com seus olhos miúdos e espertos, foi quando o eremita contemporâneo afastara com os pés alguns compêndios; fora professor por várias décadas, e eram estes talvez livros desprezados dos últimos resumos de suas teorias. Maio, atento, viu ele levantar-se com certa dificuldade, caminhar para o cômodo ao lado, o quarto. Demorou alguns minutos e quando retornou arrastando os chinelos pelos ladrilhos d'água da sala, trazia na mão um livro cuja capa mostrava-se bastante danificada, despencada, quase desmontando-se, mas, mostrava claramente que se tratava a de um menino ajoelhado num astro celeste. Era o livro do Pequeno príncipe. Absorto por tantas descoberta apenas através daquela fresta da janela não percebeu a aproximação do ancião que frente a frente e, antes que balbuciasse qualquer palavra lhe repetiu a pergunta que ansiava:
- Que queres daqui?
- Sabes ler?

(ZéSilveira)

Enviado por Tópico
Alpha
Publicado: 13/03/2025 13:54  Atualizado: 13/03/2025 14:01
Membro de honra
Usuário desde: 14/04/2015
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Mensagens: 2146
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO
Capitulo VII

Perante tal interrogação o rapaz ficou embasbacado pois a sua escola era apenas a que a rua lhe tinha ensinado. Passou as mãos várias vezes pelo cabelo que já há muito tempo não sabia o que era o toque das tesouras do barbeiro. Deixou o local sem dar resposta ao ancião e foi procurar o seu “compincha “das traquinices, de seu nome Martim, mais conhecido por (meco). Depois do amigo estar a par da situação engendraram um plano para tentar desvendar tudo o que continha e se passava na "casa" do eremita e o modo de viver do mesmo. Esperaram pela noite para levar a cabo os seus intentos. A noite estava escura e muito fria mas a curiosidade que os movia não os fez vacilar.

(Alpha)

Enviado por Tópico
Beatrix
Publicado: 13/03/2025 15:31  Atualizado: 13/03/2025 15:52
Da casa!
Usuário desde: 23/05/2024
Localidade:
Mensagens: 457
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO- Cap.VIII
Capítulo VIII
.
Maio e Meco dirigiram-se à mesma janela. Havia uma réstia de luz que emanava da casa. Mais uma sombra, talvez. Tinham levado a caixa, puseram-se em cima dela, e olharam para dentro: o homem continuava na mesma posição onde Maio o encontrara horas antes.
Ficaram os dois pendurados na janela, a olhar o homem estranho que, até de noite, na penumbra, estava ali. Não saía dali? O que lhe levava tanto tempo a fazer?
Finalmente, e depois de largos minutos em silêncio, o homem ancião “eremita” levantou a cabeça e olhou os dois pequenos, pendurados à sua janela. Os pequenos assustaram-se e caíram da caixa.
O homem dirigiu-se à janela, espreitou e disse:
“Mas querem entrar ou vão ficar aí estendidos no chão? Estou farto que me ocupem a janela e me estraguem a luz.”

(Beatrix)

Enviado por Tópico
Aline Lima
Publicado: 16/03/2025 04:49  Atualizado: 16/03/2025 04:49
Administrador
Usuário desde: 02/04/2012
Localidade: Brasília- Brasil
Mensagens: 764
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO Capitulo IX
Capítulo IX

Maio e Meco aceitaram o convite em silêncio, como se temessem que o encanto se quebrasse ou que a coragem sumisse caso falassem.
A porta rangeu suavemente ao ser aberta, como se a casa respirasse depois de anos. Os dois cruzaram a soleira com os pés hesitantes e os olhos arregalados. O ar estava impregnado com o cheiro de papel antigo, misturado ao som do assoalho protestando sob os chinelos do homem.
Dentro da sala, os móveis pareciam esquecidos há décadas, mas a escrivaninha estava viva. Os meninos ficaram impressionados com a estante repleta de livros, que ocupava boa parte do ambiente.
O homem caminhou até a escrivaninha, puxou uma cadeira e apontou com a cabeça para os bancos baixos do outro lado. Sentou-se e ajeitou sobre a mesa um exemplar de O Pequeno Príncipe, ao lado de uma xícara solitária.
— Meu nome é Lúcio. Desfaçam essas caras de assustados e sentem-se.
Maio sentia o coração disparar. Meco, desconfiado, segurou o braço do amigo e cochichou:
— Você não acha que ele tem algo... estranho?
Mas a atenção de Maio estava no livro aberto sobre a escrivaninha. As letras e ilustrações pareciam girar devagar, como se o convidassem a tocar nas páginas.
O homem acompanhou o olhar do menino e disse, quase num sussurro:
— Este livro... não é bem o que parece. Acha que os planetas dele acabam onde termina o papel?
Os garotos se entreolharam, confusos.
— Hoje vocês têm um privilégio, algo que poucos terão a chance de ver. Mas, como tudo na vida, nada vem sem um preço. Cada escolha tem seu custo.
Ele se levantou e puxou da estante um envelope envelhecido, lacrado com cera vermelha. O selo trazia um símbolo estranho, como uma espiral cruzada por um traço inclinado, quase como uma bússola que perdeu o norte.
Nos olhos do homem, havia algo que os garotos não conseguiam nomear. Era um olhar estático, meio perdido, mas com algo mais, talvez um segredo que só seria compreendido muito tempo depois.
— Só abram se estiverem prontos.

(Aline Lima).


Enviado por Tópico
idália
Publicado: 18/03/2025 16:03  Atualizado: 18/03/2025 20:20
Membro de honra
Usuário desde: 08/06/2023
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Mensagens: 465
 Re: PONTO A PONTO, UM CONTO - Cap. XI
Capítulo XI

Prolongavam os ecos dos acontecimentos que marcariam a sua trajetória. Porque havia o instante. O relógio tinha marcado o instante.
Naquele dia, há quase quatro décadas, ele partira sem olhar para trás, abandonando um lar cheio de despedidas não ditas. A luz intensa daquele feriado, o calor sufocante e o som das sapatilhas gastas sobre a calçada ainda eram tão vívidos quanto o perfume que, por algum tempo, se manteve no ambiente.
Mas o que procurava Lúcio naquele dia? Ele nunca contou a ninguém, mas aquele momento fora a sua escolha mais ousada e assustadora. Ele fora levado até à casa de um homem estranho, tal como Maio e Meco tinham sido levados até à sua própria casa. Esse homem, um guardião de segredos, apresentou-lhe o mesmo livro e o mesmo mapa. Naquela época, Lúcio era apenas um jovem sonhador, determinado a escapar de uma vida comum e a descobrir aquilo que um mundo desconhecido teria para oferecer.
Ao abrir o mapa, Lúcio embarcou numa jornada que mudou tudo. Explorou mundos que refletiam os seus medos e as suas ambições. Contudo, nem todas as escolhas que fez foram sábias. Houve momentos em que ele cedeu à curiosidade sem pensar nas consequências, o que trouxe perdas e cicatrizes que ele carregava até hoje. Nunca conseguiu voltar ao que deixara para trás, e o retrato que um dia fora pousado sobre o móvel desapareceu junto com o tempo, assim como as palavras que ele nunca pronunciou.
Agora, ao olhar Maio e Meco diante dele, Lúcio via neles uma nova oportunidade. Talvez eles pudessem fazer escolhas diferentes, aprender com os seus erros e encontrar aquilo que ele não tinha conseguido. O olhar estático, perdido, mas ao mesmo tempo carregado de um segredo profundo, refletia o peso da sua experiência e a esperança de redenção.


( idália )

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