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DE NADA

 
Sigo caminho por entre urtigas punhais e lanças
Cansado de lutas e retóricas
Como um animal ferido
Arrasto pelo chão a vontade de um dia ter sol

Mas um sol de verdade!

Leio nas entrelinhas das estrelas a palavra esquecida
Que não inventei
Para falar de amor
Para falar de mim

De tanta viagem perdi-me nesta estrada
Que a lado nenhum me conduziu
Descrente das cores banais que reduzem
O lusco-fusco da cegueira
À simples condição de ignorância…

Limito-me a dizer tudo o que não sei
Da forma que não quero
Para tentar agradar
Ao desespero
O sonho é um circo
O mundo o público assistente
Eu o palhaço pobre
À deriva no mar de uma alucinação naufragada
Num batel de ideais esquecidos
Nos apêndices da frustração

De que adianta procurar novos sois?

A vida cai
A história rui
O ontem é hoje!

Se daqui por diante uma lua trovejar
Dentro das veias de um girassol
É porque o céu morre na cadência dos dias
Como um bêbado delinquente
Que atira pedras ao mundo
Para se assemelhar a gente!

Se por acaso descubro uma Ursa Maior
Nas palavras que desconheço
É porque o cântico lançado pelo ventre da terra
Aos moribundos
São inaudíveis sons nos meus ouvidos surdos

Se me encontrar em algum lugar
É porque descobri
Que nunca estive em parte alguma
Dentro ou fora de mim.

As metas que traço são rodilhas
Esquecidas nas janelas partidas
À espera que o sol as seque ou amarrote
O vento as atire ao lixo

Ah que a perdição de uma ambição
Seja o delírio de um fanático
Num jogo de futebol!

Se por acaso morrer
Apregoem aos quatro vento que dentro da vida
Que deixei esquecida algures num buraco do tempo
Existi
Para dizer que não fui eu
Que não tive nem quis
A benesse da falsidade que me serviram ao jantar!

Dentro de mim o grito da vontade
Acelera o sangue
Porque eu também tenho sangue
E raiva
E ódio
E fúria!
Dentro de tudo o que não é racional
Há um escondido desgaste lapidado na pedra puída
Que ninguém ousou colocar ao pescoço
Porque o lodo das crenças
Ocultou aos olhos dos vivos
A anarquia consumada dos corpos vencidos
Pelas aparências

Por isso se existi
Foi somente porque haveria de morrer!


António Casado
5 Setembro 2007







 
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antóniocasado
 
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