Prosas Poéticas : 

Faltam orvalhos

 
[size=medium]Secam-se-me as palavras como se seca o Planalto neste Agosto que não nos dá noites amenas de orvalho. O vento sopra na solidão dos cabeços, seca-se a água nas fontes, esgota-se nos poços para manter frescos os pequenos oásis. Mais um balde, um cegonho que chia em seus madeiros a friccionarem-se, um motor ronca, a água brota do poço apertada nas mangueiras. Pouco depois, engasgado com o combustível, o motor deixa de respirar, a água deixa de correr, os feijoeiros choram de sede.
Vais-te tramar comigo se por tua culpa a horta se me seca!
Puxa a corda para dar à ignição, por instantes parece que irá recomeçar, mas num desânimo de vida gasta, vai-se abaixo, os braços deixam de ter força, o motor vence. Pragueja, mas em vão.
Malvado dum raio, rebento-te esse monte de metal cinzento se me obrigas a puxar a corda do balde para tirar a água do poço para que eu continue a atender aos pedidos de socorro que a horta me está fazendo.

Faltam-me as noites húmidas que me tragam orvalho aos lameiros e neles me fiquem marcados os passos, me molhem os sapatos, me refresquem e me mostrem o caminho de regresso a casa sem que para isso, outros sinais deixe que não sejam aqueles que os pés marcaram,quando de manhãzinha, antes do nascer do sol, caminho pelos campos.

Faltam-lhe as pernas que sejam capazes de seguir a vontade de caminhar, faltam-lhe os caminhos que se façam curtos, faltam-lhe as mãos fortes que ponham o motor a tirar água do poço, falta-lhe a esperança de voltar a plantar horta, faltam-lhe as melodias a aflorarem aos lábios, falta-lhe a voz para cantar as canções que vai treinando para que ao menos a letra lhe fique na memória.

Falta-me o aroma da Primavera fresca num Outono em que a folha me vai caindo...
Falta-me a música dos dias de festa…
Faltam-me os chilreios da longínqua infância!

Faltam-te orvalhos que te refresquem a pele seca, os olhos baços, o corpo hirto!


Quisera eu ser poeta
Quisera eu ser pintor
Escrever telas e pintar poemas
Escrever, pintar, pintar,escrever
A humanidade com muita cor

 
Autor
adelaidemonteiro
 
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