Prosas Poéticas : 

Na insustentabilidade da metáfora

 
Poderia dizer-vos quem fui, quem quero ser, mas nesta hora, neste momento em que escrevo, existe o agora e agora nada mais sou que as letras que aqui deixo, neste canto de casa, nesta esquina de folha branca transformada num écran frio e incapaz de vos fazer chegar o meu perfume, de vos mostrar as lágrimas nas manchas marcadas pela tinta esborratada no papel, de vos fazer sentir a macieza do papel de seda, de vos fazer chegar o som das folhas a passar entre os dedos, uma atrás da outra, com as letras voltadas para a mão esquerda porque só assim ficarão organizadas para meter no envelope.
Aqui, neste grão de areia onda me sento, sou o que ficou do poema que o poeta me dedicou. Li-o e reli-o, virei-o e virei-me do avesso e a ele de pernas para o ar, para ver se lhe interpretava todas as metáforas. Parei na última... e não consegui!...
Com as mãos a tremer deixei cair o poema ao rio, lá em baixo, na parte em que as escarpas são intransponíveis. Lá se foi o poema com a metáfora virgem, onde a minha alma não foi capaz de entrar.
Fugiu-me com o que resta de mim, metido numa metáfora que a água do rio esborratou e que jaz algures no fundo do mar, envolto em algas verdes, embalado por cada balancear das ondulações até que um dia saia, agarrado a um remo de um pescador.
Ficarei, na insustentabilidade da derradeira metáfora, à espera, para me sentar numa sílaba do poema!



Quisera eu ser poeta
Quisera eu ser pintor
Escrever telas e pintar poemas
Escrever, pintar, pintar,escrever
A humanidade com muita cor

 
Autor
adelaidemonteiro
 
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