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Carta de amor

 
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Alcanena, 1 de Fevereiro de 2021
Querida,
Poderia dizer que as vinte e quatro horas que já passaram desde que saíste eram uma eternidade, que eras a razão pela qual vivia, que a palavra “amo-te” não teria significado sem ti. Poderia dizê-lo, e nada seria mentira. A verdade é que, quando toca ao amor, fico sem palavras, escolho as já demasiado repetidas para encher um texto que culmina num exemplo máximo de expressões usadas, demasiados “adoro-te”, enfim, numa carta igual às demais. Como poderia a minha carta ser igual às outras, se tu não o és? Não dá, não funciona.
O problema é mesmo esse. As palavras. Já estou aqui há 3 horas e ainda nem dez linhas consegui escrever. Quando tento ser fiel ao que sinto, usando palavras, fico no branco. Se bem que talvez uma carta completamente em branco seria mais sincera que tudo o que possa escrever. Sinto que com cada palavra que escrevo, deturpo ainda mais o que realmente quero transmitir. Arruíno a mensagem, escrevendo-a.
Isto tudo porque o sentimento que me une a ti não foi feito para ser escrito, explicado. Se já existia antes da palavra, não faz sentido que seja totalmente explicado verbalmente. Há livros que tentam fazê-lo em mais de 100 páginas. Eu, eu fico por esta minha definição. “Podes amá-la se quiseres dormir com essa pessoa, mas só a Amas se quiseres acordar com ela”.
E em 4 horas e 17 linhas desde o começo da carta, ainda não disse nada que não saibas. Vês o que me fazes? Faço o primeiro parágrafo explicando uma maneira de não fazer a carta, explico no segundo qual o problema de a escrever e completo o terceiro dizendo que o amor não pode ser explicado. Resumindo, durante um sexto de um dia completo, escrevo uma carta de amor demonstrando que é impossível escrevê-la.
Talvez deva voltar ao tema central desta carta. Tu. Por esta altura não te vejo há 30 horas e fico desesperado ao pensar o quanto podes demorar, se estarás com tantas saudades como eu, se me estarás a escrever uma carta em que passas debruçada grande parte do teu dia. Demasiadas dúvidas, demasiadas coisas em que pensar, mas que me ajudam a esquecer-te, se bem que por apenas alguns segundos. Vejo dois ou três episódios de uma ou outra série, esperando um toque de telemóvel ou um comentário no Facebook. Irónico não é? Com tantas tecnologias e novidades, ainda uso a escrita e o papel para me expressar. Como dizes: “Só eu para fazer isso”.
Faz agora 39 horas desde a última vez que te vi. Contudo, com tanta fotografia que coloquei na mesa-de-cabeceira, devo-te ter visto em mais de uma centena de ocasiões. Mas nenhuma imagem me fará sentir melhor do que quando atravessares a porta do aeroporto e finalmente caíres em meus braços, renovando-me completamente, curando-me deste estado de debilidade mórbida.
Tomei agora o pequeno-almoço. Uma torrada com manteiga e um sumo de laranja. Podes não acreditar, mas quando a torrada saiu, um impulso fez com que me levantasse da cadeira e fosse ver a porta, pensando que o som vinha da campainha. Fazes-me louco, insano.

O que seria eu sem ti?
Cheguei à mítica marca das 49 horas sem te ver. Não escrevi nas últimas nove porque de cada vez que olhava mais atentamente para isto, chegava à conclusão de que não tinha jeito para escrever e portanto não valeria a pena continuar esta minha demanda. Mas tu és das poucas pessoas pelas quais eu continuaria para sempre a fazer isto. As outras são a minha mãe e o meu pai. Só que a eles não lhes escrevo cartas de amor. Eles já a têm escrito no coração. Essas cartas demoraram vinte e cinco anos a serem escritas. A tua demora agora dois dias e uma hora. Já me cansam os dedos. Já gastei meia dúzia de folhas de papel. Abati já uma árvore na Amazónia. De certeza de que essa não se importará, dada a importância que adquire quando escrevo para ti.
Cinco dezenas de horas desde a tua saída. Quando a Razão me diz para me voltar e tentar fazer algo da vida enquanto não estás, parece que todo o resto do corpo não obedece. As pernas perdem força, os joelhos cedem, e lá volto eu a cair no meio do chão, acordando de novo para esta estranha realidade. Dois dias. Não ficava sem ti este tempo desde o 1º ano da faculdade. Nem consigo acreditar que ainda sobrevivo.
51 horas. Começo e pensar que esta carta deixou de ser carta, tal os temas que já referiu. Desconheço também em que é que ela se transformou. No entanto, continua a ser dirigida a ti. Se estiveres a lê-la com alguém, por esta altura já essa pessoa deve estar a rir e a troçar do meu estado. Não tem piada. Quer dizer, agora não tem. Estou mesmo mal. Porque é que me deixaste? Não percebeste logo que eu não aguento? Cinquenta e uma horas escrevendo uma carta de amor para ti. Estou maluco.
Usando o adjectivo fraco e “conjugá-lo” em todos os graus, apenas um se aproximará do meu estado real. Fraquíssimo. Sinto-me assim. Tão fraco que me convidaram hoje para jogar ténis e eu recusei, pois quando me tentei levantar para me equipar, dei conta que não conseguia. Devo ir ao médico amanhã ou depois. Ou nunca. Nem sei se estou doente, e se estou, não há possibilidade de cura.
60 horas! Percebi agora. Não vale a pena estar a tentar escrever coisas que tornem esta carta menos lamechas, que a tornem diferente. Porque em cada parágrafo, a minha mensagem é igual. Quando me levantei pela torrada, enquanto espero pelos comentários, o que é certo é que sinto algo por ti. Se é amor, se não é, se é ainda mais forte que isso, nunca irei saber. Só sei que estou há cinco dúzias de horas sem ti e não penso em mais nada. Não durmo. Não sei há quanto tempo, mas não tenho sono. Não como. No entanto, não tenho fome. Bebo água da torneira, mas apenas tenho sede desses teus lábios. Vejo o mar à minha frente, mas só quero mergulhar em ti envolvendo-me completamente nas tuas ondas. Porque eu já não sei o que hei-de fazer. Até te conquistar, o meu objectivo era esse. Agora, qual o meu objectivo?
Estou agora à porta dos correios. Este penúltimo parágrafo exprime exactamente aquilo que sinto. After all, as cartas de amor são possíveis. Se puderes, atenta apenas nesse parágrafo. É o resumo de toda esta carta.
Apenas tu sabes aquilo que sinto (passadas 63 horas, eu próprio ainda não sei),
Bernardo.

 
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Bernardo90
 
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