Contos : 

As Faces

 
Muitas dessas estradazinhas empoeiradas do sertão baiano são testemunhas de acontecimentos improváveis, épicos até. A poeira de seus caminhos guardam segredos inimagináveis pelas mentes vãs daqueles que circulam diariamente em seus trechos. Essas estradazinhas testemunham encontros, grandes encontros.
Na grande ladeira, donde as pedras predominam, descendo em velocidade compatível com o estado da via, percebe-se uma senhora idosa que carrega um fardo às costas. Diminui-se a velocidade do veículo gradativamente fazendo-o parar. O motorista olha para aquela velha senhora e diz:
- Oh minha velha, não posso dar-te uma carona, pois já carrego quatro nesse carro e o mesmo é de muito apreço para mim, mas certamente logo passará outro veículo e este poderá carregar-te.
A velha olha-o atentamente, pestaneja e balança a cabeça de maneira positiva, entretanto os dentes trancados deixam soar em tom baixíssimo: "será tu mesmo a me dá carona".
E o motorista segue a viagem cantarolando, pois a estrada se encontrava melhor nesse ponto e o asfalto estava próximo. Chegara então à "baixada do eclipse", que recebera esse nome devido à grande sombra que as algarobas proporcionavam, em meio às sombras avista-se uma mulher de aparente quarenta anos, gorda, com traços fortes na face, a mesma caminha em passos lentos e cansados. O carro para ao lado da senhora e escuta-se:
- Oh minha senhora, não posso dar-te uma carona, pois já carrego quatro nesse carro e o mesmo é de muito apreço para mim, mas certamente logo passará outro veículo e este poderá carregar-te.
A senhora gorda olha-o atentamente, pestaneja e balança a cabeça de maneira positiva, entretanto os dentes trancados deixam soar em tom baixíssimo: "será tu mesmo a me dá carona".
E seguem viagem, avista-se o asfalto, todos no carro alegram-se, afinal dali em diante a viagem seria menos cansativa. Na encruzilhada entre a poeira e o asfalto lá estava ela, bela, jovem, sedutora e com um perfume de fragrância hipnótica. O carro se aproxima e para, o motorista olha para todos dentro do veículo e solicita que se ajeitem, afinal aquela bela mulher não poderia ficar a esperar na beira da estrada. A mulher sorridente pestaneja e entre os dentes trancados deixa soar em tom baixíssimo: "eu não disse!".
Seguem viagem pelo asfalto, mas o conforto esperado não chegara, o aperto com a lotação do veículo provocou desconforto geral. E ela, a moça bonita permanecia calada.
A quatro quilômetros do destino, em uma grande curva a viagem chega ao fim. Metros antes da referida curva o motorista olha para o banco de trás e enxerga a velha do fardo sorridente, pisca os olhos e agora ver a senhora gorda a sorrir e, assim entre visões o veículo saiu à tangente, desceu a ribanceira ocasionando cinco vítimas fatais. Ela, a moça bonita da beira do asfalto sem arranhão algum observa de pé atentamente aqueles corpos dilacerados e, entre dentes trancados deixa soar em tom baixíssimo:
- A morte, jamais poderá ser driblada.

 
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Sóstenes10
 
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