Prosas Poéticas : 

A CANTIGA DO SERTANEJO (ÁLVARES DE AZEVEDO) - HUMOR EM LIRA DOS VINTE ANOS

 
A CANTIGA DO SERTANEJO (ÁLVARES DE AZEVEDO)

Donzela! Se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração:
E se ouviras o desejo
Do amoroso sertanejo
Que descora de paixão!...

Se tu viesses comigo
Das serras ao desabrigo
Aprender o que é amar...
— Ouvi-lo no frio vento,
Das aves no sentimento,
Nas águas e no luar!...

Ouvi-lo nessa viola,
Onde a modinha espanhola
Sabe carpir e gemer!...
Que pelas horas perdidas
Tem cantigas doloridas,
Muito amor, muito doer...

Pobre amor! O sertanejo
Tem apenas seu desejo
E as noites belas do vau!...
Só o ponche adamascado,
O trabuco prateado
E o ferro de seu punhal!...

E tem as lendas antigas
E as desmaiadas cantigas
Que fazem de amor gemer!...
E nas noites indolentes
Bebe cânticos ardentes
Que fazem estremecer!...

Tem mais... Na selva sombria
Das florestas a harmonia,
Onde passa a voz de Deus,
E nos relentos da serra
Pernoita na sua terra,
No leito dos sonhos seus!

Se tu viesses, donzela,
Verias que a vida é bela
No deserto do sertão:
Lá têm mais aroma as flores
E mais amor os amores
Que falam do coração!

Se viesses inocente
Adormecer docemente
À noite no peito meu!...
E se quisesses comigo
Vir sonhar no desabrigo
Com os anjinhos do céu!

É doce na minha terra
Andar, cismando, na serra
Cheia de aroma e de luz,
Sentindo todas as flores,
Bebendo amor nos amores
Das borboletas azuis!

Os veados da campina
Na lagoa, entre a neblina,
São tão lindos a beber!...
Da torrente nas coroas
Ao deslizar das canoas
É tão doce adormecer!...

Ah! Se viesses, donzela,
Verias que a vida é bela
No silêncio do sertão!
Ah!... Morena, se quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração!

Junto às águas da torrente
Sonharias indolente
Como num seio d’irmã!...
— Sobre o leito de verduras
O beijo das criaturas
Suspira com mais afã!

E da noitinha as aragens
Bebem nas flores selvagens
Efluviosa fresquidão!...
Os olhos têm mais ternura
E os ais da formosura
Se embebem no coração!...

E na caverna sombria
Tem um ai mais harmonia
E mais fogo o suspirar!...
Mais fervoroso o desejo
Vai sobre os lábios num beijo
Enlouquecer, desmaiar!...

E da noite nas ternuras
A paixão tem mais venturas
E fala com mais ardor!...
E os perfumes, o luar,
E as aves a suspirar,
Tudo canta e diz — amor!

Ah! vem! amemos! vivamos!
O enlevo do amor bebamos
Nos perfumes do serão!
Ah! Virgem, se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração!..

Love me, and leave me not.
”Ama-me e não me deixe.”
Shakespeare – O mercador de Veneza.
Tradução: Coleção L&PM e pocket nº 118, pág. 29.

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Cantiga é um tipo de poema lírico, ou seja, sentimental e de origem medieval, composto por versos redondilhos (sete sílabas poéticas) dividido em estrofes (conjunto de versos) iguais, podendo ser cantado, daí o nome.

A “cantiga do sertanejo” é uma canção de amor e apresenta dezesseis estrofes de seis versos, totalizando noventa e seis versos. O sistema de rimas é o seguinte: o primeiro verso rima com o segundo, o terceiro rima com o sexto verso e o quarto verso rima com o quinto (ab-cf-de).

Vejamos a escansão (divisão em sílabas poéticas) da primeira estrofe:

(“Don-ze-la-se-tu-qui-se/-ras”)
(“Ser-a-flor-das-pri-ma-ve/-ras”)
(“Que-eu-te-nho-no-co-ra/-ção:”)
(“E-se-ou-vi-ras-o-de-se/-jo”)
(“Doa-mo-ro-so-ser-ta-ne/-jo”)
(“Que-des-co-ra-de-pai-xão!.../”)

E o estilo poético do jovem, continua na segunda estrofe e em todas as outras.

Fala o poeta em sentimentos (amor), a procura é por sua amada (“Se tu viesses comigo...”), procura sempre o consola da natureza (as serras e o vento, as águas e o luar).

Lembra-nos, ainda, da viola, da modinha espanhola, das cantigas doloridas de amor. Temos em seguida uma pequena descrição do sertanejo (tema da cantiga) e, que procura o seu amor e, tem no seu olhar a beleza das noites do vau (o lugar mais raso do rio) o ponche (ou poncho: capa de lã ou couro, de forma quadrado, com uma abertura no meio por onde se enfia a cabeça) adamascado (cor de damasco), tem um trabuco prateado e um punhal (arma branca de lâmina curta e firme).

O Sertanejo conhece as histórias antigas e também as cantigas que de amor fazem gemer e que são companheiras noturnas.

E assim, continua a cantiga com todo o seu lirismo e beleza clamando por seu amor, lembrando as flores e o sertão querido e, finaliza com um verdadeiro grito de paixão:

(...)
“Ah! Virgem, se tu quiseras
Ser a flor das primaveras
Que tenho no coração!...”

Augusto de Sênior.
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)


Augusto de Sênior
(Amauri Carius Ferreira)
(FERREIRA, A. C.)



 
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AugustodeSênior
 
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