Poemas : 

Artesão de Vidas - cap. II

 
S E R I A D O
ARTESÃO DE ALMAS
CAPÍTULO II
Elza dirigia com atenção, mas seu pensamento estava distante...”Que situação, meu Deus, a de Tádzio! Como se tem coragem de machucar um garoto tão lindo... Que
perversidade...!” Enfrentou um trânsito muito concorrido e chegou ao prédio, onde se localizava o escritório de Inaldo Xavier, seu advogado de confiança. Desceu do veículo, tomou do elevador e aportou no andar desejado. Logo estava diante do amigo. Narrou a ele toda a história do garoto e desejava escutar que procedimento pôr em prática.
- Mal conheceu a criança e já se apaixonou por ela? – Indagou o advogado.
- Pois é, Inaldo. É tão bonito quanto meu filho... é lindo! Não posso permitir que ele volte para sua casa para sofrer. O menino fica apavorado só de pensar nessa possibilidade. Tudo o que quero é que me oriente... Penso em satisfazer a vontade de Joab. Penso em adotá-lo, sim...
- Não será fácil... o menino tem quem cuide dele... Pela lei, é direito da madrasta...
- Porém ele é torturado, não estuda e ainda é explorado com serviços pesados de casa e só tem 14 anos... Apanha muito, as costas dele são a prova.
- Há contundentes marcas nas costas e em outras partes do corpo? – Quis saber Inaldo.
- Ele só me mostrou as costas, o que para mim é mais do que suficiente... Há marcas grotescas que provam os maus tratos dispensados a ele.
- Irei com você agora mesmo à sua casa. Quero conhecer de perto este Tádzio, ver as referidas marcas e fotografá-las. Temos aí, então, provas para pedir, temporariamente, sua tutela, tempo que você entra na Justiça com o pedido de adoção. Está mesmo disposta?
- Estou.
Saíram e foram até a casa de Elza. Lá, Inaldo Xavier conheceu Tádzio e fez as devidas fotografias das marcas de tortura.
- Vou escrever ainda hoje tudo sobre esta criança... Amanhã você vai ao meu escritório para assinar. Leve Joab e Tádzio com você, pois, embora menor, Joab o livrou dos assaltantes e o levou para casa, a fim de socorrê-lo, isto será colocado nos autos que prepararei e, tanto Joab quanto Tádzio, necessitam de assinar.
- Muito obrigada, será feito como solicita.
Inaldo Xavier voltou ao seu local de trabalho. Elza ficou em companhia dos meninos em casa e teve uma ideia.
- Mesmo você não ficando conosco, Tádzio, é preciso que tenha suas próprias roupas. Vamos agora mesmo fazer umas compras para você. – Disse Elza.
Os três saíram em direção ao “shopping”. Correram várias lojas e deixaram Tádzio montado num novo guarda-roupa. Colocaram as compras na mala do carro e entraram num restaurante para jantar. Não disfarçavam a alegria, porque sorrisos eram a tônica de suas faces.
- Mãe, você acha que ganhamos esta? – Inquiriu Joab.
- Não sei... Inaldo fará tudo o que for possível para que este caso se resolva e para que Tádzio fique em nossa companhia. É isto mesmo que você quer, Tádzio?
Tádzio estava com a boca cheia, comia um pedaço de pizza de atum.
- Sim, dona Elza, é o que eu desejo, sim...
Joab não cabia em si de contentamento.
- Estas coisas demoram muito tempo para serem resolvidas, mãe?
- Depende do interesse do advogado. No caso, Inaldo é meu amigo e, como já disse, tudo fará para que se solucione o mais breve possível. Depende da Justiça igualmente que, em nosso país, é muito morosa.
- O que é morosa? – Tádzio quis saber.
- Lenta – respondeu Elza – mas o advogado se esforçando, o processo caminha mais rápido.
Terminaram o jantar e ainda deram umas voltas pelo “shopping”. Cansados, volveram ao carro e rumaram para casa. Já no lar, foi Elza quem falou:
- Joab, pegue aquele colchão que está lá na área de serviço e coloque em seu quarto a fim de que Tádzio possa dormir. Depois pensaremos em melhores acomodações para ele.
Assim foi feito. Joab ajeitou o colchão bem perto de sua cama. A distância era pouca e eles podiam conversar em voz baixa.
- Percebeu como minha mãe está ávida para tê-lo conosco como membro da família? Perguntou Joab.
- Sim, notei. Espero que tudo dê certo e eu fique aqui com vocês. Eu mereço uma família com esta e um irmão feito você...
O sono os dominou. Na manhã seguinte, Joab se levantou cedo e se arrumou para ir à escola. Pensando que Tádzio dormia, na volta do banheiro fechou a porta do quarto, permitiu que a toalha caísse e ficou a contemplar-se diante do espelho.
Tádzio a tudo observava, mas fingiu estar dormindo. Joab murmurava baixinho:
“Espelho querido, responde-me, por favor! Existe na face da Terra algum garoto mais bonito que eu? Tádzio é mais bonito que eu? Por favor, espelho meu, dá-me esta resposta que é tão importante para mim...”
Tádzio teve enorme vontade de cair na gargalhada, entretanto, segurou o riso. Jamais imaginaria que Joab se achasse tão lindo... Mexeu-se sem que Joab percebesse para que tivesse uma melhor posição para vislumbrar a nudez do amigo, total ali perante seus olhos. E ficou impressionado. Pensou: ”Ele pode não ser o garoto mais bonito que existe, mas que é extremamente bonito, isso não há como negar.”
E fechou os olhos, pois, era necessário que Joab imaginasse que ele ainda dormia.
Joab estava pronto. Pegou a bolsa da escola e saiu do quarto. Tádzio pôde, enfim, abrir os olhos e espreguiçar-se. Deu um tempo e depois levantou-se foi tomar seu banho. Retornou ao quarto, vestiu-se e se dirigiu à cozinha, onde Elza já tomava o desjejum.
- Boa dia, dona Elza.
- Bom dia, Tádzio! Dormiu bem?
- Maravilhosamente bem, obrigado. E a senhora?
- Igualmente bem.
- Joab já saiu?
- Acabou de sair.
Um olhou para o outro e se riram. Bom ambiente aquele, pensou Tádzio, oraria para que tudo desse certo e ele pudesse permanecer com aquela família.
- Hoje à tarde vamos os três ao escritório de Inaldo. No retorno, deixo vocês em casa e sigo viagem.
- Viaja muito, não é? – Tádzio indagou.
- Viajo bastante. Hoje pegarei a estrada do Sul. Passarei pela cidade onde mora.
- Eu não moro mais lá. Fugi! – Consertou Tádzio.
- Ainda mora lá, está por aqui de passagem. Só depois que a Justiça resolver, é que poderá dizer que mora aqui conosco.
- É tudo quanto desejo, dona Elza. Ter uma família como esta. Tenho certeza de que serei muito feliz aqui.
- Interessante como nem pensei muito, Tádzio. Só em tomar conhecimento da maneira de como você era tratado, resolvi adotá-lo. Aqui entre nós terá uma vida digna. Estudará numa boa escola e terá tudo quanto tem Joab. Não vou fazer distinção entre vocês. Serão irmãos e percebo que se dão tão bem...
- Meu coração sempre será grato a Joab por haver me socorrido. Também jamais me esquecerei do empenho que está a fazer para manter-me aqui. Só gratidão meu coração terá de vocês, só gratidão...
- Não se emocione... Todo ser humano deveria agir desta forma, assim teríamos um mundo mais humano e solidário. Infelizmente é justo o contrário que vemos e atitudes que beneficiem o próximo é coisa muito rara. Ah, diga-me uma coisa: quando parou de estudar, que série fazia ou iria fazer?
- Eu iria cursar o 6º. ano. Meu pai morreu em pleno janeiro e em fevereiro já não fui mais à escola... Tádzio respondeu.
_ Quanta maldade, Deus meu! Mas recuperará o tempo perdido, percebo que gosta de conhecer coisas novas, assim concluo que goste de estudar.
- Sim, dona Elza, eu adoro estudar. Pretendo ser engenheiro de pesca... adoro o mar e os rios.
- Se ficar conosco, tenha certeza, realizará seus sonhos...
Concluíram a refeição e cada qual foi para seu quarto. Elza foi pôr em ordem suas contas e preparar a mala para a viagem da tarde. Estava pensativa e matutava: “Espero poder ficar com esta criança, que menino mais lindo...Tudo farei pela felicidade dele... tudo o que der a Joab, darei a ele também.”
Joab chegou para almoçar no horário costumeiro. Encontrou Elza e Tádzio prontos para sair, tão logo terminassem o almoço.
- Tome um banho rápido, meu filho e se vista para seguirmos para o escritório do advogado. – Pediu Elza.
- Sim, mãe, serei bem mais rápido do que o costume.
Cumpriu o que disse. Logo estavam os três a caminho do escritório. Foram recebidos alegremente por Inaldo Xavier. O advogado ligeiramente explicou o que deveria ser feito, eles assinaram o que havia de urgência e Elza os deixou em casa e seguiu sua viagem.
- Meninos, estarei ausente por três dias. Comportem-se!
- Pelo que entendo, só estará de volta no domingo. – Disse Joab.
- Exatamente, meu filho. No domingo à tarde.
- Posso ir ao clube no sábado e levar Tádzio comigo?
- Pode, porém tenham cuidado, até!
- Até, mãe!
Joab e Tádzio subiram para o apartamento. Joab iria estudar para a última prova no dia seguinte. Tádzio retirou os sapatos e deitou-se no sofá. Pegou no sono. Joab foi ao quarto, tirou aquelas roupas de sair e colocou uma bermuda caseira. Trouxe consigo os livros e sentou-se no tapete da sala. A última prova... Graças a Deus! Pensava. Havia estudado muito durante aquela semana e, no sábado, iria relaxar na piscina do clube. Adorava ir ao clube, lá tinha muitos amigos para brincar e trocar ideias além de uma piscina enorme, tamanho olímpica para nadar e descontrair-se. Estudou até quase anoitecer. Achou que já estava preparado. Fechou livros e cadernos e se dirigiu para o quarto. Despiu-se e ficou a mirar-se perante o espelho. As mesmas perguntas de sempre: “Oh, espelho meu, responde-me: há alguém na face desta Terra mais lindo que eu?” E se apalpava e se contemplava cada vez com mais ênfase. Não percebera que Tádzio havia acordado e estava de pé à porta do aposento a assistir seu diálogo. “Vai, espelho meu, pelo menos uma vez me responde: há algum garoto no mundo mais belo do que eu?” Tomou um susto ao vislumbrar Tádio olhando fixamente para ele.
- Que faz aí, Tádzio? Você ouviu o que eu estava a dizer? – Interrogou preocupado.
Tádzio apenas sorriu. Entrou na alcova, sentou à cama e respondeu:
- Se eu disser que não ouvi, estarei mentindo. Por que você se faz estas indagações? Por acaso quer ser o mais belo de todos os meninos?
Só então Joab lembrou que estava nu em pelo. Rapidamente pôs as mãos encobrindo suas intimidades.
- Sim, eu não quero ser o mais belo... eu sou o mais lindo de todos! Sou até mais bonito do que Narciso... você não acha?
- Não sei, não cheguei a conhecer Narciso... olha, nem você também. Porém se quer uma palavra minha a respeito, posso dá-la...
- Eu quero... por favor!
- Não precisa ficar se questionando diante de um espelho, ele jamais dará uma resposta a você. Mas eu posso dar e afirmo com toda a minha sinceridade: você é muito bonito, sim, sem dúvidas que é...
- Tádzio, bonito eu sei que sou... Não quero ser apenas bonito. Quero ser lindo e o mais lindo do que qualquer outro garoto no mundo. Eu preciso ter esta resposta, eu preciso, Tádzio...
- Por que necessita tanto dessa resposta? Por quê?
- Não sei explicar...
- Por acaso, feito Narciso, está apaixonado por si mesmo? É isto? Está apaixonado por você mesmo? Responde... Interrogou Tádzio.
Joab começou a chorar, convulsivamente. Esqueceu-se da nudez e levou às mãos ao rosto, na tentativa de enxugar as lágrimas.
- Neste momento contemplo uma beleza singular... Você é, sim, extremamente lindo, sem dúvidas. Nunca vi em minha frente um garoto tão belo quanto você, porém não posso afirmar que seja o mais lindo do mundo, pois, não conheço outros nem de outros o que estou a conhecer de você.
- Obrigado, Tádzio. Eu precisava escutar isto de você. Muito obrigado!
E sem mais preocupar-se com a vergonha diante do amigo, foi até ele e beijou-lhe a face. Tádzio ficou imóvel... não esperava por uma reação dessas. Estava mergulhado num profundo pensar e disse-lhe:
- Acho que estou me contaminando com suas reflexões...
E se despiu totalmente e ficou igualmente a contemplar-se perante o espelho sob o curioso olhar de Joab.
- Diga, espelho de Joab, por favor: quem é mais bonito: eu ou Joab?
- Você também é muito lindo, Tádzio. Sua beleza encanta e eu sou fã do que é belo em você: Você por inteiro!
Tádzio ficou à espera de que Joab terminasse seu banho. Depois tomou o seu e colocou uma bermuda de ficar em casa. Ambos estavam na cozinha, fazendo a costumeira refeição noturna. Foi Joab quem o convidou:
- Sei que você tem pouco estudo... mas é muito inteligente. Então proponho: após esta refeição, vamos discutir Filosofia e tentar entender o belo. Isso me compraz.
- O que é Filosofia? – Questionou Tádzio.
- Filosofia significa dizer: amigo do saber. Filo em grego é amigo; sofia, também do grego, significa saber, sabedoria.
- Então tenhamos sabedoria o suficiente para não nos envolvermos em controvérsias que nos deixem próximos da loucura... Compreender o belo eu compreendo, mas buscar caminhos desconhecidos para sabê-lo definir, isso é tão impossível quanto imaginarmos como é a verdadeira face de Deus...
AMANHÃ - CAP; III

 
Autor
imelo10
Autor
 
Texto
Data
Leituras
604
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.