Textos : 

VIVENDO & ESCREVENDO - III

 
MINHA CUNHADA TOSSINDO, preocupo-me com medo de ser a maldita. Continuou com o pigarro chato na garganta. Junior, neto de Seu Eriberto emprestou-me "Wood Allen - uma biografia" de Eric Lax - sempre admirei esses cineasta desde quando li o seu fantástico livro "Cuca Fundido" com suas historias hilariantes, bem engraçadas, assisti poucos os seus filmes, agora de uns tempos para cá, os vejo com um pouco de sorte na SKY no TCM - e lê a sua biografia é bem interessante, conhecer a intimidade de um gênio que sempre amou o cinema. Minha cunhada tosse novamente, esta debruçada na mureta do terraço olhando seriamente em direção do mercado, fumando um cigarro, escutando e vendo a mímica do nosso vizinho Raimundo surdo-mudo contando-lhe alguma coisa. As irmãzinhas chegaram ontem. Brunielle a mais velha convencida com celular que ganhou da companheira de seu Tio Danilo - a pequena Adrielle com seus cabelos encaracolados e inocentemente sapecas, tentando dizer alguma coisa. Ontem a visita de Dona Lourdes e a nora, uma adolescente de 18 anos gravida do seu enteado foi fazer o pré-natal no posto de saúde. Matraquinha estava triste e sozinho sentado atrás da amendoeira, quando me viu, o rosto alegrou-se. Sentei-me ao lado dele e ficamos botando conversa for, enquanto esperávamos os outros chegarem. Ele havia tomado as suas duas primeiras doses de misturada no Mundé - ele é o primeiro a chegar pontualmente entre seis e meia da manhã depois de comprar os pães da vovozinha do canto. Meia hora e depois chegou Gato tossindo desculpando-se por ter chegado atrasado para a primeira rodada. No banco em frente um carequinha paquerador que mora no final da rua São feliz ouvia e vigiava o seu Sabia da Mata. Depois de confabularem um pouco, Gato foi tomar um café na Cafezeira que vende numa banca no canto do Mercado em frente a parada de ônibus. Minuto depois retornou trazendo um copinho com o resto que bebi. Explicou a real situação, que tinha dois reais e cinquenta centavos, faltando apenas 75 centavos para inteirar uma garrafa - mas a fissura era grande para 'benzer' o corpo com 'água benta' que resolveram logo beber duas doses de cinquenta no quiosque de Nhó Mundé. O carequinha namorador conversava com um senhor de chapéu. Os cachorrinhos ainda de olhos fechados dormitavam encostados dentro da caixa de papelão. A cadela mãe deles os abandonou. Cachorrão sobrinho do finado Home-eletrico contribui com um real para a primeira garrafa.
A poesia chapliniana na dança dos pãezinhos numa cabana no frio Alasca a véspera da meia-noite na passagem de ano. Um final feliz, o homenzinho de bigode engraçado, com suas roupas em frangalhos, seu chapéu coco e sua inseparável bengala de mãos dadas com sua musa sobem a escada do navio.


UMA TARDE MONÓTONA igual às outras de domingo, rompida pela zanga de minha arreliada cunhada com as irmãzinhas, principalmente coma mais velha que relaxam a prima Clara, não brincando com a mesma e a pobrezinha rejeitada triste amuada com os olhos mortos com cara de choro sentada no sofá olhando para o chão. Seu Pietro destilando a sua preguiça. Deitado no sofá brincando com seu novo celular - Professor impávido deitado na cama do casal vendo SKY. O pigarro continua.


COMEÇO A SEMANA sem a mínima esperança de melhoras. Na Praça do Bacurizeiro, a galera estava de prontidão a espera de alguém para comprar uma garrafa. Seu Jailson de óculos escuros, Pelezinho que preteriu o trabalho pelo álcool - Sin, malandro velho que se diz regenerado cortava uma manga com uma faquinha de serra. todos sentados no mesmo banco. Gato Guerreiro em pé conversava sobre os fatos ocorridos ontem -mataram um filho de um senhor da rua 29, invadiram a casa de outro e caíram de bala, a vitima esta muito mal no Socorrão. Seu Jean de la Croix sempre bem vestido, pronto para o expediente e a figura carismática do pequeno Matraca, andando devagar. Luto contra mim mesmo, a maneira de como escrevo ainda não esta com desejo - uma prosa mais espontânea como Miller ou Kerouac - as vezes tenho medo e preguiça de escrever o que realmente devo escrever. Há meses que abandonei o inicio de um projeto interessante - Notas de Uma Prisão Federal, mas desisti. O estômago vazio. Um livro bem atraente "O Colecionador de Mundos" - um passeio pelos mundos islâmicos e hindus na pele do oficial britânico Burton, que disfarçado de fiel visita aos locais sagrados do islã, proibidos para os infiéis como a Pedra Caaba no centro da grande mesquita na cidade sagrada de Meca. Primeiro as entranhas da Índia e agora a peregrinação que começou na cidade do Cairo pelo Xeque Abdulah (Burton) medico e dervixe que se circuncidou na Índia para poder ser aceito na comunidade muçulmana na cidade de Sind. Agora ele explora as nascentes do rio Nilo. Pensando seriamente em reler "Ulisses", desta vez devagar, parágrafo por parágrafo, entender Joyce. Não posso me tornar um poço de nulidades, de desistir depois dessa longa caminhada, mesmo decepcionando comigo mesmo, por não fazer o que pensei - um pensamento mesquinho, não digitei nada. A mente idiota, parece de que não valeu ter lido Dostoievski, Balzac, Cervantes - continuou na mesma.
Durante anos maltratei o meu estômago. Primeiro foram as pílulas (bolinhas) de Optalidon que ingeria como água no inicio da vida adulta nos anos 80 - foram cinco anos ininterruptos, todos os dias - desde o amanhecer até a madrugada. Naquele tempo era o máximo ficar dopado vinte e quatro horas - levando uma vida quase normal - trabalhando com Pai Bamba na oficina, embriagando-me nos finais de semana de cerveja e cachaça com Coca-Cola. E nos finais de tarde, eu e Tio Willi íamos felizes as compras, que comprávamos livremente nas farmácias da Praça João Lisboa, tínhamos nossos vendedores que nos atendia com maior prazer. De uma vez compramos cinco caixas com quinhentos comprimidos, que passamos quase meia-hora debulhando, que os nossos dedos doeram de tanto pressionar as cartelas e depois o colocamos naquele vidro grande de bombom que Tio Willi achou na despensa abandonada do casarão dele. Foi uma festa, ingeri tanto comprimido que perdi o rumo e amanheci ainda ébrio e vacilando e então a casa caiu. Meus pais descobriram através da deduração do cagueta do meu irmão Biné que foi apanhar as cartelas vazias que eu escondia atrás dos meus livros numa caixa de manzana argentinas sótão, próximo aonde eu dormia. Então fiquei mais cauteloso, mas não abandonei o vicio que alternava com umas baforadas de maconha no casarão de Tio Willi na Travessa da Lapa ou na humilde casa de Tio Karl na Praia do Desterro. Talvez um dia escreverei a verdadeira historia de minha trajetória escabrosa desses cinquenta e poucos anos - as fases. o ciclo Casa Grande, Casa de Van e ultimo a 'volta" - todos devidamente escritos nesses ternos cadernos. Com sempre Larissa eximindo-se de qualquer culpa. Aquela noite na beira da Praia Ponta D'Areia, no dia das Bruxas. Uma lua bonita fazia uma trilha incandescente sobre a maré cheia, as ondas espumantes quebrando nas areias e eu Van - fumei um baseado perto dela para harmonizar com o clima romântico,um reggae ao fundo que ecoava de um dos bares. Nossa primeira noite juntinhos longe de tudo e de todos. Como posso esquecer essa mulher maravilhosa que esta constantemente nos meus sonhos. Uma das coisas mais linda, foi viver esse amor em todos os sentidos, mas depois comecei a vacilar, influenciado pelo abuso do álcool, então a chama do amor extinguiu-se de pois de 17 anos , mais deixou um fruto que amo tanto que é o nosso filho. Sofro mas não arrependo-me, faz parte. Minha Van querida, valeu ter te conhecido e ama-la. Fui um homem feliz.


 
Autor
r.n.rodrigues
 
Texto
Data
Leituras
461
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.