
Decadência
Chegamos ao meio — entre o branco e o preto.
Houve infinitos amanheceres. Éramos um tubo de ensaio:
eu e você permeávamos o tédio entre abril e maio.
Havia doçura, mas já não havia prazer. Éramos jovens,
eu sabia, e a cada novo amanhecer faltava magia.
Nessa loucura tensa, inexistia o meio-dia para mim
ou para você.
Enganávamos o futuro, e o presente era só promessa.
Neste trânsito, o tédio invadia nosso romance —
conjuntura aflita, onde junho já estava fora de alcance.
Todas as palavras imagináveis foram ditas.
O pó que sobre a mesa restava era de um infinito banal,
e os espelhos refletiam a si mesmos em outros espelhos,
demonstrando apenas a pálida intenção
de um branco que desejava ser vermelho.
E assim os meios não significavam um fim,
nem se concatenavam entre o querer e o sentir.
Olhares vazios, olhos frios e sem vida;
o sentir não era sentido,
e o querer era apenas a negação do querido.
Por fim, junho resplandeceu.
E em seu bojo, a solidão da alma vislumbrou
a proximidade do inverno e um intenso azul no céu —
e também um mar de águas frias,
onde balançava, solitário,
um pequeno barco de papel.
Alexandre Montalvan
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