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UTÓPICO

 
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UTÓPICO

"A riqueza e a liberdade tornam as pessoas menos tolerantes com as ordens duras e injustas
enquanto, por outro lado, a pobreza e a miséria embotam o espírito,
tornando-as pacientes e retirando do oprimido o espírito orgulhoso da rebeldia."


por Thomas Morus, in UTOPIA

Enquanto entre oprimidos e opressores
Se dividirem tantas sociedades,
A Ordem que promovem os senhores
Sustentar-se-á com vis desigualdades.
De modo que os maiores e os melhores
Vivam com numerosas propriedades.
Os demais, que disputem pelos restos!
Míseros, remediados e modestos...

Pouco importa onde vão morar os pobres,
Como vivem e mesmo do que morrem.
Apenas os burgueses, feito nobres,
Obtêm dos reis as leis que lhes socorrem
Pois, muito satisfeitos com seus cobres,
Das agruras da vida sempre correm
Até pensarem ser inalcançáveis
No topo de pirâmides instáveis...

É sabido que os reis pela coroa
Porfiam em manter esta estrutura,
Cuja base, pessoa após pessoa,
Permite dar a Alteza mais altura.
Passando toda acção sua por boa
Mesmo que alguma imensa desventura,
Que para maior glória da Realeza
Arrasta o povo a guerras e a pobreza.

Assim os reis submetem o próprio povo:
Deixando-o na miséria e ignorância!
E a esperança em qualquer governo novo
É frustrada na estúpida inconstância
Que demanda ao exaurido outro renovo.
Ao passo que movido por sua Ânsia
O rei conduza o povo para a guerra,
Que espalha peste e fome pela terra.

Em todo caso, ao longo dos milênios,
Os regimes, em cíclicos quartéis,
Assistem ascender heróis e gênios
A reis ou imperadores em corcéis
E depois se retiram dos proscênios
Ora discretamente; ora em tropéis!...
Na Queda, tudo muda sem mudar
Co'os pobres no mesmíssimo lugar.

N'algum lugar, porém, no tempo ou espaço
Haveria aquela ilha afortunada,
Na qual nada é sobejo nem escasso.
Onde prata não é valorizada,
Nem ouro ou cobre trazem embaraço.
A riqueza não vale quase nada
E os habitantes vivem sem conflitos,
Tendo tão-só na Ciência os olhos fitos.

Não cuidam em possuir grandes vantagens
Tampouco se acumulam privilégios.
Buscam mais conhecer em longas viagens
Alheios de quaisquer favores régios,
Ao explorar remotíssimas paragens
E abarrotar de livros seus colégios
Onde gastam a vida em aprender
Ao invés de mais prazeres a entreter.

Eles têm a paz como ideal superno;
A guerra, como estúpido flagelo.
Evitam relações co'o mundo externo
E ainda de conquistas vão anelo.
Contudo, obcecados co'o moderno
S'esmeram em buscar o bom e o belo
Em todos os aspectos da existência,
Submetendo os seus feitos à consciência.

Cultivam em seus modos o respeito,
Mas têm da intolerância tal horror,
Que julgam toda forma de despeito,
Verazmente, com máximo rigor!
Visto que retratar-se d'um malfeito
É dever de todo homem de valor.
E há tal entendimento entre os ilhéus,
Que vivem a admirar o mar e os céus.

Os mais afortunados por entre eles
Cuidam em reverter ao bem comum,
Provendo-se de bons panos e peles
E garantindo a todos desjejum,
Se ajudam, do doutíssimo ao mais reles,
Sem que ninguém esqueça de nenhum.
Em busca do progresso, todos juntos,
Debatem com saber os seus assuntos.

Em suma, a educação, não a chibata
Faz com que mais desejem bem servir
Não algum abastado aristocrata,
Sim gente que carece mais sorrir
N'uma vida esforçada, mas pacata,
A que haja mais fartura em seu porvir.
Pois só com o progredir da maioria
Haverá real progresso qualquer dia.

Porquanto, fim em si, o Capital
Aos homens mais e mais faz diferentes:
Elevam na pirâmide outro degrau
Às custas de mais jugo sobre as gentes
Até que em desespero, no final,
Se levantem contra armas inclementes,
Que espalham sangue novo sobre o chão
E mantêm dos vencidos a exclusão.

Uns haverão chamar de Comunismo
A Ordem d'este arquipélago utopista;
Ou denominará Distributismo
Se for mais religioso que sofista
O crítico que, diante d'um abismo,
Na tal Terceira Via ainda insista...
Com efeito, Utopia, a sociedade
É o sonho de toda Humanidade...

Não admira que um mar indescoberto
Banhasse as suas praias ignoradas.
Cercada d'um vastíssimo deserto,
Embora de águas quentes e salgadas.
E que mais ninguém saiba bem ao certo
Se foram ou serão mais navegadas...
Resta como o relato interessante
Que um dia fez a um sábio um navegante.

Belo Horizonte - 02 12 2019


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
Autor
RicardoC
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