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ZÉ ZIQUINHA

 
ZÉ ZIQUINHA
 
Meu conhecer do Zé Ziquinha, vem da infância.

Me lembro dele, sempre morando na última casa, do lado esquerdo de nossa rua, perto de um boqueirão por onde descia a enxurrada que vinha da última ponta do pasto do “Colodino”.

Morava com o pai, Ziquinha, daí o apodo adicionado ao seu nome de pia, e com a mãe, senhora esguia, muito alta, de quem nunca soube o nome. Hoje cismo que era de família tradicional da cidade, mas não me aperta a certeza. Me lembro de uma irmã.

Nosso vilarejo, se dividia em partes distintas. Rua de Baixo, Rua de Cima, Rua de Lá, Rua do Grupo, dos “Profiros” e a Barreira. Zé, morava na Rua de Baixo, e era lá que ele virava lobisomem na sexta feira de lua e na quaresma.

Hoje, após o trágico, covarde e repugnante ato que de forma brutal, indigna e incapaz de ser perpetrada por um ente do reino animal ceifou a vida de Zé Ziquinha, por mais que eu me esforce, não consigo desvincular de minha memória, uma imagem dele, que carreguei desde a mais longínqua pré adolescência.

As enchentes quando mais intensas, inundavam um segmento da Rua de Baixo e aquilo incomodava. Naquela noite choveu muito. A água subia de nível, tomando cada espaço do nosso quintal, e de repente batidas consistentes na janela da sala me chamaram para a figura daquele rapaz esguio, tocador de boi, se escondendo da chuva com uma bacia na cabeça, a perguntar se estávamos precisando de ajuda.

A situação em nossa casa estava sob controle. Ante a resposta, Zé Ziquinha seguiu, batendo de porta em porta, casa por casa, até sair no Largo da matriz, oferecendo ajuda, caso as águas estivessem ameaçando.

Anos mais tarde, em meus escapes de retorno à agora cidade onde nasci e vivi, encontrei-o, na função de vigia noturno, no pátio da Prefeitura. Pela alta madrugada, quando me recolhia à casa de meu pai, depois da balada, ele, vigia, me oferecia café. Por vezes, de cafezinho em cafezinho, varava o dia em conversa com ele, no pátio da prefeitura.

Não sei de um ato sequer que o colocasse em situação de dúvidas, quanto a seu comportamento. Não representava mal a quem quer que seja, nem quando virava lobisomem, pois ninguém nunca testemunhou essa mutação.

Pode ser que tivesse seus revezes de desacerto na vida, eis que somos sujeitos a isso. Não merecia o fim que teve, em sua vida carregada pela indigência do berço, solipsismo de uma sociedade anodizada.

Fica em minha memória, agora, com muito mais visgo, aquela imagem noturna sob a bacia, numa madrugada de chuvas, a oferecer ajuda; ajuda na torrente!

Wagner M. Martins – 14/05/21


Leia de Wagner M. Martins

FALA, FILHO DA MÃE!!! - Capa Paulo Vieira

UM BICHINHO À TOA. - Capa: Camilinho

Participação:

Livro OLHA PROCÊ VÊ! de Elias Rodrigues de Oliveira

No prelo:

UM INTRUSO NO QUINTAL

 
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wagner
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