Poemas : 

Quais horas

 
Como saber da hora assinalada no terrível escuro lá fora
Que pudéssemos atravessar a rua na certeza que não há
Por cima de nosso ombro esquerdo o espreitar da morte

Como saber a hora que fora dos relógios ou calendários
Nos desse salvo-conduto para cruzar na agrura dos dias
Para viver livre dessa dor incurável que veio da infância

Como saber qual é dessas horas que restou nas manhãs
Onde se desfez no negro veludo noturno o que era amor
Para ser apenas a angústia, um silêncio, um vazio abissal

Como saber qual seria a hora de resgatar um quê de azul
E a memória inda guarde o bálsamo do campo e do vinho
Sorvido na avidez amarga da vida sonhada, mas não vivida

Como saber qual a hora no turvo espelho que nos reflete
Que ainda guarde um brilho antigo ainda que já distante
Entre os rudes rastros que o tempo nos acumula na face?

O amor não dorme ou se disfarça: ou reina ou não existe!
É como o vento da tarde que sopra um perfume no rosto
Momentos anônimos residentes de uma breve esperança
Estilhas recolhidas da vida secreta de quando se era alado
Mas tudo passa, mesmo a noite e seus incêndios de amor
E todas as promessas serão esquecidas na face das horas
Um dia olharás para trás e só restou a certeza que é tarde
Nessa hora virão as lágrimas perdidas a trilhar pelo rosto
Cobrar pelo amor que se jurou, mas não se permitiu viver
Pelo carinho negado e ter preferido ter razão que ser feliz

É que para amar por um segundo, na mais plena verdade,
a vida, nessa hora, te requer a entrega de uma eternidade!


"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)


 
Autor
Sergius Dizioli
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/10/2021 20:57  Atualizado: 08/10/2021 21:00
 Re: Quais horas
.
Esse seu poema veio completar um outro poema escrito aqui.
No outro dizia em um sinal para atravessar o trânsito e nele também a hora ameaçava.
A hora pode ser muito perigosa como a sombra.
E no comentário eu escrevi que para atravessar eu sempre ficava distante e olhando para trás com medo dos vivos.
Agora com seu poema em que diz que a morte espreita no ombro esquerdo, imaginei um carro em alta velocidade e para atravessar melhor olhar primeiro o lado esquerdo .

Desculpas, é muito drama ou muito terrorismo em um só comentário.


Enviado por Tópico
Odairjsilva
Publicado: 09/10/2021 12:27  Atualizado: 09/10/2021 12:27
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Mensagens: 5085
 Re: Quais horas
Quais horas? Simplesmente fantástico. Gostei muito. Abraços poéticos!!!


Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 09/10/2021 17:23  Atualizado: 09/10/2021 17:23
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Usuário desde: 23/06/2011
Localidade: Taubaté SP
Mensagens: 10200
 Re: Quais horas
Boa tarde Mr.Sergius, teus versos nos anunciam que o amor não pode ser exercido de uma única vez, e para que seja vivido aos goles, demandam vidas inteiras, parabnéns pelo vosso instigante poema, um abraço, MJ.


Enviado por Tópico
Legan
Publicado: 11/10/2021 11:36  Atualizado: 11/10/2021 11:36
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Localidade: Algures em Trás-os-Montes
Mensagens: 788
 Re: Quais horas
No silêncio da noite, as lembranças são como pregos a penetrar o cérebro...
Mas elas fazem parte do ser, e quem sabe. um dia mais tarde poder escolher a felicidade, em vez, da razão...

Abraço