Ao longo da muralha das palavras obscuras que nos cercamos
Haverá outras tão mais frágeis, menos ilegíveis a nos proteger
Outras cristalinas como o som do violino, o barco em partida
Haverá umas ditas surdamente, absurdamente, surda e mente
O amor desfeito gera a solidão, braços abertos sem o abraçar
Pois a nossa sina é escrever, se oportuno, sonhar além do azul
Meus olhos fechados guardam tua imagem, teu corpo e figura
Sorvo o ar, teu perfume é tão real que minha face transfigura
No perigo de tua ausência, não me passa o lasso esquecimento
Mas o receio de não estar presente, quando florirem os lilases
Sigo a caminho do mar, nestes caminhares. Assim o crepúsculo
A adormecer os girassóis, cantará uma canção para vires aqui
Vou te entregar estes versos, desalojados das hiantes certezas
Vou te convidar para bailar em silêncio, acender o candelabro
Esculpir um lírio, uma colcha dos retalhos de tanta lembrança
Sou quem sou por todo assombro que passei, assim estou aqui
Para abrir janelas, deixar o sol entrar, entornar fora o veneno
E, arrefecida essa febre, jamais divisar nossos rostos solitários
Nessa pálida aflição escarlate que todos os ardis construíram
Ter a alegria única de náufragos ao alcançar a margem segura
Estar a teu lado e jamais permitir dias ausentes sem propósito
Levantar a fronte e amar fazendo cada minuto valer uma vida
"Somos apenas duas almas perdidas/Nadando n'um aquário ano após ano/Correndo sobre o mesmo velho chão/E o que nós encontramos? Só os mesmos velhos medos" (Gilmour/Waters)