Prosas Poéticas : 

TÃO FRIO QUANTO A BRISA

 
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Farto dos dias nefastos isentos de poesia, o velho homem sentou-se na cadeira espreguiçadeira do quintal, ao ar livre, num atalho disfarçado de sossego, afim de enganar o corpo cansado do calor que ainda fazia até àquelas horas da noite, cochilou.
Ao lado dele sobre a mesinha auxiliar de jardim, seus vícios proibidos; uma garrafa de bebida forte consumida até a metade com o copo emborcado no gargalo. Metade de uma cigarrilha apagada no cinzeiro, a última, das três adquiridas diariamente e nessa quantidade para evitar o abuso do fumo.
Dos lícitos; o rosto do seu amor, sua amada, retratada na fotografia sépia, posta no velho porta-retratos de metal zinabrado, com o mesmo sorriso maroto e olhar seguidor congelado, direcionado para dentro da saudade. Aquela mesma saudade desenhada desde que o deixou.
Juntos; sua caneta dormitava próxima ao fiel caderno de anotações, sonolento, de folhas embeiçadas, capa desbotada, lombada e seixas carcomidas pelo tempo de manuseio diuturno.
A madrugada engoliu a noite, e a brisa folheava-o aleatoriamente, descortinando os segredos ali apostos, incitando os sonhos que rondavam o sono que lhe chegara muito profundamente.
Seguia a vida a mercê das forças da natureza, do momento, indivisível, toda a sua trajetória sendo desvendada e espalhada pelo chão desordenadamente naquele instante único e derradeiro.
Relíquias guardadas em cada página, tesouros que seus dedos cristalizaram em versos, poesias
como se pedras preciosas fossem, assim como; seus poemas de amor, que uma hora não precisará mais guardar.
Seu corpo jazerá tão frio quanto à brisa.
O poeta estará morto, mas quiçá deixará imaculada sua poesia.

 
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ZeSilveiraDoBrasil
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 13/02/2022 01:58  Atualizado: 13/02/2022 01:58
 Re: TÃO FRIO QUANTO A BRISA
*impossível não reagir ante a profundidade do que está aqui.
Para ti, meu amigo de tantos anos...preciosos anos.

Maresia*

há vazios imensos entre os azuis que timbram nossos nomes.
sopro uma prece solitária ao mar e ele, soberano, devolve-me um poema.
há tantos receios como tantos são os sonhos entre os igarapés distantes que percorro, no afã de acolher-te. dá-me tua mão.
dá-me teu sorriso de maresia e lê na minha pupila o beijo amigo que nunca reparti.
tremo ante o profundo da dor cantada entre os dedos das nossas ondas.
em tom azul reina, do nosso afeto, a harpa.

S.karinna*


Beijoka*


Enviado por Tópico
Legan
Publicado: 13/02/2022 20:49  Atualizado: 13/02/2022 20:49
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 Re: TÃO FRIO QUANTO A BRISA
"O poeta estará morto, mas quiçá deixará imaculada sua poesia."

A vida é curta, muitos artistas só serão lidos e ouvidos, depois da morte...

E tem razão não vale a pena reagir e entrar em provocações...

Longa vida

Adorei a leitura

Abraço


Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 13/02/2022 21:32  Atualizado: 13/02/2022 21:32
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Localidade: Taubaté SP
Mensagens: 10200
 Re: TÃO FRIO QUANTO A BRISA
Boa noite ZESILVEIRADOBRASIL, fazer poesia é nos desnudarmos sem a vergonha de sermos vistos com uma pujança muito menor do que alguém nos imaginou, um abraço, MJ.