Somos a ponta do iceberg
Dos nossos próprios mistérios.
Cada gesto carrega mil ecos
De ancestrais que jamais conheceremos.
Viver não é repetir,
É inventar o verbo de si mesmo.
Pensamos ser pequenos,
Mas somos feitos de eras,
De abismos, de constelações caladas.
Viver não é coisa comum,
É o espanto de um milagre disfarçado de rotina.
Há em nós mais mares do que margens.
Mais céu do que chão.
Pensar é limitar-se,
Viver é desobedecer os limites do pensamento.
Não somos só carne, nem só ideia.
Somos a travessia
Entre o que se pode tocar e o que escapa ao nome.
E viver é essa dança
Entre o invisível e o inevitável.
A vida não é um objeto.
É um campo aberto, onde o vento passa,
Onde o tempo se curva,
Onde nós — sementes de algo maior —
Aprendemos a florir mesmo sem entender.
Somos muito mais do que aquilo que conseguimos lembrar.
Há em nós uma memória da luz antes da forma,
Um eco antigo que insiste em sonhar
Mesmo quando esquecemos como dormir.
A mente constrói muros,
Mas a alma só conhece horizontes.
Viver é atravessar as paredes que pensamos serem o fim
E descobrir que o infinito começa dentro de nós.
Há silêncios dentro de nós
Que falam mais alto que palavras.
E nesses silêncios,
Descobrimos que viver é escutar
O que o mundo ainda não teve coragem de dizer.
Não somos apenas os papéis que desempenhamos.
Somos também as pausas, os desvios,
As perguntas sem resposta
Que nos atravessam no meio da noite.
Viver não é apenas respirar.
É permitir-se ser atravessado pelo tempo,
É aceitar que mudar de forma é parte do caminho.
A borboleta não se lembra da lagarta,
Mas ambas vivem no mesmo mistério.
Dentro de cada um,
Mora um universo escondido.
E viver é, dia após dia,
Abrir as cortinas dessa galáxia íntima,
E dançar com as estrelas que só nós conseguimos ver.
O pensamento tenta nos conter,
Mas a vida transborda,
Ela sangra beleza pelas frestas,
Ela explode em flor onde só havia ruína.
Poema: Odair José, Poeta Cacerense