Crónicas : 

Ao Espelho

 
 
Eu não pretendo ser muita coisa. Quero dizer, socialmente falando. Hoje, o meu desejo é apenas conhecer-me cada vez melhor, compreender quais são as minhas falhas mais gritantes e tentar corrigi-las dentro do possível. Ou seja, ser mais próximo da versão que Deus sonhou ao presentear-me com o sopro da vida.

Tenho falhado repetidamente — tropeço na pedra no meio do caminho. E tenho plena consciência de que são erros gritantes. Não abrirei a vocês meu diário para não escandalizá-los. Sei como são limpos todos os perfis maquiados na internet. Eu, qual Fernando Pessoa, não conheço quem tome porrada na vida.

Mas, quando falo dos meus próprios defeitos, corro sempre o risco de cair no autoengano, de listá-los dentro de uma idealização criada pela necessidade de aparentar qualquer coisa além do que sou no meio social, e, assim, ser aceito. Quero dizer: até as falhas podem ser menos monumentais do que imagino. Talvez tudo seja tão monótono, medíocre (na acepção do termo), que eu tenha medo de olhar no espelho e aceitar-me assim: comum. O mais comum dos homens.

Essa guerra entre a necessidade de criar uma persona poética, um ar de escritor — vestir-me como escritor, postar-me como escritor, ter aparência de escritor —, tudo para ser aceito pelo público, e ser um ser humano normal, aproveitando das suas experiências reais para torná-las matéria-prima de uma obra cuja substância exista... Essa guerra me consome. A questão que me assombra dia e noite é: quero audiência ou construir uma carreira sólida? E mais: ambos são autoexcludentes?

O Lucas real procrastina mais do que deveria, depende das redes sociais mais do que gostaria e tem a vida social distante da sonhada. Anseia as coisas do alto, tem grandes insights de vez em quando, mas a maior parte do tempo vive é ao rés do chão.

Talvez a salvação — se é que existe uma — esteja em viver o chão sem vergonha. Em escrever não para sustentar um personagem, mas para descobrir o que ainda pulsa quando todas as máscaras caem. Não é fama que redime. É a verdade.

 
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luscaluiz
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Enviado por Tópico
AlexandreCosta
Publicado: 12/05/2025 15:22  Atualizado: 12/05/2025 15:22
Colaborador
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Mensagens: 789
 Re: Ao Espelho
Há que continuar a escrever o que vai na alma, é isso o que importa, nada mais!
Eu escrevo por impulso, porque sinto, por necessidade inata... nada muda aquela sensação das palavras aos encontrões, dentro da cabeça, à espreita de uma saída!

um abraço e boa semana

Enviado por Tópico
Alemtagus
Publicado: 14/05/2025 20:13  Atualizado: 14/05/2025 20:13
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Localidade: Montemor-o-Novo
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 Re: Ao Espelho p/ luscaluiz
Saber ser e ser, querer saber se se é e sonhar sê-lo. Não somos feitos à imagem de ninguém, cada um é único. Ter a noção de que podemos ser mais ou que ainda não atingimos os nossos limites é uma forma de crescermos connosco. Há, no entanto, o reverso da medalha que implica criar barreiras a partir dos nossos supostos impossíveis.
Boa reflexão.