A última vez que falei com a minha bisa,
a voz dela era doce, como sempre foi.
Eu sorri, distraída, sem saber
que aquele “tchau” também dizia “depois”.
A última vez que corri descalça,
o chão queimava os pés, mas eu voava.
Era só liberdade e vento nos cabelos,
e eu nem notei que ali terminava.
A última vez que fui ao mercado correndo,
era só um recado, uma pressa qualquer.
Hoje eu daria o mundo inteiro
por um motivo bobo que me leve até lá outra vez.
A última vez que a pressa era festa,
que a ansiedade era fantasia e glitter,
eu esperava a hora de dançar e rir —
sem saber que aquela alegria era tão breve, tão livre.
A última vez que esperei uma amiga,
que o coração batia só pra contar segredos,
hoje mora em mensagens lidas,
num silêncio que guarda afetos.
A última vez que joguei bola no condomínio,
os pés no cimento, o riso solto no ar,
eu era só momento, só brincadeira,
sem saber que aquilo ia acabar.
A última vez que corri, ri, subi na laje,
aprontei, fui criança sem pensar no tempo…
não houve despedida, nem sinal, nem dor.
Foi a última vez. E eu nem percebi o momento.
A última vez que saí escondida,
achando que vivia uma grande aventura,
foi só mais uma noite qualquer.
Hoje é só lembrança com ternura.
A última vez que briguei com um amigo,
jurei que nunca mais. Mas passou.
E se eu soubesse que era a última briga,
teria pedido desculpa — ou talvez, só um abraço.
A última vez que chorei sem motivo,
não sabia que um dia sentir demais
seria um luxo que o tempo não permite
quando a vida exige que a gente seja capaz.
E quantas outras últimas vezes virão
sem avisar, sem batida na porta?
A última vez que entrarei no quarto da minha avó
pra chatear, pra conversar, pra dizer “eu te amo”… será quando?
Quando será a última vez
que estarei com quem amo sem saber que é a última?
Talvez hoje, talvez agora.
E isso me faz querer viver com mais alma.