quando criança
puseram-me nas mãos
um triângulo de areia
daquela que mede os minutos
sob a forma de queda
a mim
que amava as aves migratórias
que as estações atraem
para outro céu
o seu voo tinha o som
dos ramos nos vitrais
dos lugares onde deus se cala
onde as palavras
são de papel e vinho santo
onde aprendi
a escutar os meus pulsos
e a apagar as velas
com a alma
cedo comecei
a inquirir os montes e os ribeiros
como rómulo que dizia
mãe já é tão tarde
e ela não sabia como o consolar
como acontece com todas as mães
que pressentem o aroma do leite
prestes a azedar
e desprezam a língua dos hinos
aprendi a fugir pelos pomares
na madrugada antes das colheitas
à espera dos milhafres
que trariam as cartas
que os pombos não sabiam entregar
e deixava-me arranhar pelos tojos
para guardar pérolas de pus
que me ensinavam
a beleza da dor que permanece
e agora que conquistei
a ignorância das heras e dos bichos
e que cheguei à terra
dos que sabem contar
o percurso de um ponteiro
ou a métrica de um verso
importavam-se muito
se estivéssemos um bocadinho
em silêncio?