IV
Ali estava eu na estaca zero, ou seja, novamente no Terminal da Praia Grande, quase no fim de uma manhã nada boa, fui expulso de casa depois de vinte anos de vida conjugal, relaxado pelo meu irmão mais velho que me negou refúgio, com uma valise e uma mochila, suado, olhando perdidamente o movimento continuo de passageiros e ônibus. Sentei-me no banco de concreto na última plataforma, passei a mão no rosto pegajoso, matutando qual seria o próximo passo a fazer. Então lembrei-me de Seu Oswaldo, um brancão com aparência de português, que tomava conta de uma mercearia do irmão próxima ao juizado na Vila Ivar Saldanha e era humilhado pela sobrinha e morava com a esposa numa quitinete no fundo do quintal deles e da mercearia.
Desesperado apanhei um ônibus e desci na Avenida dos Franceses e de lá caminhei a pé para a mercearia. Quando ele me viu com as minhas tralhas arregalou os olhos e sutil sem muita emoção perguntou:
- O sr. vai viajar?
Coloquei os trens sobre o balcão e o chamei para um canto e lhe narrei o acontecido, impassível como Doutor Spock e não emitiu nenhuma emoção e pedi—lhe para guardar os trecos e se possível arranjar-me um banho e trocar de roupa.
- Tudo bem – guardou a mochila no fundo – A chave do portão e da Quitinete e vá logo antes que a Liana chegue.
Não perdi tempo contornei o beco, entrei no quintal e no Kitt e fiz o que tinha de ser feito – barbeie-me, uma barrigada e um gostoso banho, enverguei a farda do serviço. Quando fechava a porta, senti alguém atrás de mim, virei-me e lá estava a malvada Liana com os braços cruzados e fuzilando-me com seus olhos verdes cheios de raiva:
- O que tá fazendo ai? – Inquiriu-me iradamente, Dei a volta na chave, peguei a mochila e literalmente corri para o portão, o abri e fechei como um raio, como um diabo fugindo da cruz.
Quando cheguei perto da porta da mercearia ouvi a voz dela interpelando o meu amigo.
- Já lhe falei, nada de visitas. Aqui não é albergue, já basta o senhor. – disse deu uma rabanada e saiu batendo a porta estrepitosamente.
Entrei cautelosamente e o meu amigo estava colocando a mochila sobre o balcão.
- Sinto muito – disse-lhe envergonhado, pegando a mochila.
- Tudo bem amigo – falou e voltou para o fundo – Hoje ela está naqueles dias como sempre.
Faltava ainda uma hora para o início do meu expediente, segui até um carrinho de cachorro quente que ficava em frente ao portão do juizado e devorei três hot-dog. E entrei todo desconfiado. Nenhum dos meus colegas de expediente havia chegado e de manhã haviam saído deixando apenas o PM que tentou vim com gracinhas, mas lancei lhe um olhar de ódio e ficou na dele.