NA BUSCA DE UMA CONSULTA PSIQUIATRA
Na sala de espera do Hospital Clodomir Millet perto da avenida dos Portugueses, na entrada do bairro do Anjo da Guarda.
- Será que a medica não vem hoje - reclama uma senhora morena que chegou ainda pouco em acompanhada pelo filho menor, um pretinho irrequieto que corre de um lado para o outro e depois senta ao lado - Mora dessa aqui é cheio de gente - tira da bolsa os apetrechos e começa a tricotar. O primeiro é um senhor deficiente, de muletas que esta encostado na parede do grande corredor. O guarda foi bem educado e gentil informando-me esta sala. A cada momento ouço passos que ecoam. Serei o segundo....
É sempre assim, quando as coisas parecem fáceis demais, nunca dão certo para mim. Fui o terceiro atendido, deixei a senhora passar na minha frente, não estava com presa. Por trás do vidro, um gigante moreno atendeu-me e foi lacônico:
- Não estamos mais marcando e nem temos previsão - baixei a cabeça, apanhei a requisição por baixo do vidro e sai. Fazia um bonito sol e os pássaros gorjeavam nos galhos das arvores, segui para a praça do Viva Anjo da Guarda. Dei uma volta, passei em frente ao Farol da Educação e fui sentar-me nos degraus de uma pequena escadaria em frente a avenida dos Portugueses." É Proibido fumar maconha na praça- Ass - O bonde dos 40" - era o aviso pichado em vários pontos da praça.
Uma moça fardada, toda de azul esperava a condução bem a minha frente na beira da calçada. O movimento pesado de veículos, caminhões e ônibus. Do outro lado das pistas a vegetação da área da Vale, o cheiro forte de mato queimado. Uma caçamba amarela Mercedes-Benz das antigas carregada de tijolos, telhas de amianto e madeira. Um rapaz passeava com seu cachorrinho felpudo levando-o pela coleira. Um caminhão cegonha com sete carros zerados aguardando o sinal abri no sentido centro. A catinga exalando das minhas axilas impregnando a camisa polo vinho. A jovem corre para entrar no carro.
Resolvi descer a avenida sem muita pressa, sentei-me numa parada em frente a entrada da Vale e por uns longos minutos fiquei a meditar e a observar o movimento. Ao lado de uma barraca rustica coberta por um velho oleado azul desquarado com um preta velha sentada confortavelmente numa cadeira de macarrão e embrulhada num lençol. Um caixão de ferro com chapa de zinco pintada servia de balcão. Uma garrafa térmica, com os copos ao redor, a caixa transparente de plástico com os salgados sobre o tampo. Uma encardida caixa de isopor sobre um mocho de madeira e de vez enquanto a cabeça de um menino aparecia e tornava a desaparecer. Dois silvos nervosos do apito da locomotiva trouxe-me a realidade. A velha atrás da lente de seus óculos escuro observava-me desconfiadamente. Era hora de cair na estrada, ajeitei-me e segui em frente. Na calçada da portaria da Subestação da Cemar, um sem teto curava uma ressaca, uma panela suja, a companheira ajuntava com uma pazinha um pouco de areia enquanto uma cadela corria no pátio. Em frente ao Hospital da Mulher, uma conhecida na sua banca de merenda escutava suas clientes que falavam de um certa Doutora Glauce. Entrei no deposito do Aço Maranhão e na maior cara de pau, peguei um copinho de café para quebrar o jejum. Brinquei com o velho carroceiro de Bequimão para espairecer um pouco.
Resolvi tentar a sorte na Cemerc da Unidade Mistica Itaqui-Bacanga e para a minha alegria não havia quase ninguém, apenas a alguns marcando ou agendando consultas ou exames. Fiquei uns tempos em pé na porta, depois resolvi sentar-me naqueles bancos típico e acompanhar o movimento, Estava apenas passando o tempo e aproveitei para ler um dos livros bíblicos que achei numa lixeira em frente ao Motel Coração Grande - "Os Profetas Menores" - quando restava apenas duas pessoas em pé no balcão resolvi encarar - entreguei a requisição, a carteira do SUS e RG - Um rapaz alto de barba rala digitava no computador e uma morena o auxiliava. Voltei para o meu canto. Umas senhoras conversavam animadamente. Voltei a Oséas, o grande corno bíblico.
- Seu Raimundo - Chamaram-me, era a voz da morena. Levantei-me todo contente, arrumei os meus trens na mochila "dessa vez vai.." pensei.
A morena toda solicita informou-me o que eu já sabia "ainda não estamos marcando" Informei-lhe que vinha do Clodomir, pediu-me que eu voltasse lá e falasse com um colega dela, escreveu na beira da requisição o nome do funcionário e o dela. Aquiesci e pensei em voltar, refleti bem e resolvi voltar para pensão, estava muito cansado e sem nenhuma esperança. Talvez outro dia - a manhã estava perdida e sua carga negativa ainda pairava no ar.