NOTAS DA CELA DE UMA PENITECIARIA FEDERAL
I
Aqui as coisas são diferentes, tudo limpinho e organizados. As celas individuais e estreitas, com uma cama de cimento no canto, o banheiro ao lado da porta chapeada de aço com duas aberturas, a de cima para entregar o bandeco e a de baixo para algemar os tornozelos. Não temos contatos com os outros presos, não conheço, nunca vi e nem sei quem são. Aqui os carcereiros andam em duplas, são mudos, bem nutridos, armados de metralhadoras, sempre fardados e tem poucas relações conosco, a não ser nos momentos das refeições, quando ordenam para ficarmos em pé na parede do fundo, de frente para a portinhola e mandam-nos aproximar devagar. Tudo bem as claras, as paredes são pintadas de banco e as nove horas da noite as lâmpadas são pagadas, quando cai um silencio sepulcral onde pensamos que vamos esquecer, pois ouvimos nossos próprios pensamentos. A água uma vez por dia para o banho e todas as semanas nossas fardas são trocadas e assim com os lençóis. As refeições são servidas em marmitas descartáveis e as facas e garfos de plásticos. Temos horários diferenciados para o banho de sol, para evitar tumultos ou trocas de informações. Ao saímos somos algemados e escoltados por dois guardas armados e é restritamente proibido dirigir-lhes alguma palavra. Devemos responder apenas quando somos inqueridos: ‘sim, senhor’ ou ‘não senhor’.
Posso confessar que gosto daqui, nas outras penitenciárias, você não tem privacidade e nem paz – é um amontoado de homens fugando literalmente no seu cangote e aquele cheiro azedo de resto de comida, de suor e de peido. E fora a insegurança, de vez enquanto você desperta e vê coisa que não devia, o medo e o terror tomam-lhe a razão. Ninguém é de ninguém. No meu caso sempre fui respeitado e o meu espaço sagrado, para conseguir esse status tive que quebrar muito pescoço de nego metido a brabo, quase nem dormia, e quando fazia um olho aberto e outro fechado. Muitos quebraram a cara comigo, por ser franzino, amuado, cara de poucos amigos e todo tempo desconfiado. Na primeira vez que cai, tive que despachar dois, a cela superlotada e eles metiam o pânico nos outros detentos. Ficaram puto, porque me perguntaram qual era o meu artigo, o que eu tinha feito. Simplesmente os ignorei.
Foi na segunda noite, depois de um dia calorento, a cela abafada, o clima era sufocante e o fedor pior ainda. Um dos rapazes me precaveu e fiquei velhaco. Para minha sorte encontrei um chucho no pátio na hora do banho de sol e guardei na cueca. Eles dormiam rente a grade do corredor. Aproveitei e não vacilei enfiei o chucho na garganta deles que não tiveram tempo de gritar. De manhã foi um Deus nos acuda, mas ninguém viu nada e assim passou.
A minha desgraça e o motivo que me trouxe para cá, foi um trabalho encomendados por uns fuleiros que no final não seguraram o pepino e acabaram me cagüetando. Já despachei muita gente ruim e nunca dancei. Mas desta vez, depois de muito tempo no oficio, acabei caindo nas mãos da justiça E estou aqui, isolado do mundo, não sei que dia é hoje e nem o mês, da enrolada toda só deu para mim, os outros os figurões que me contrataram estão na boa e eu nesta cela impecável para cumprir 25 anos nesta prisão federal de segurança máxima em um estado qualquer, nem isso me disseram.