Quinta-feira, 27
Meia-noite e uns quebrados – merendei um bom cachorro frio com café e ouvindo os clássicos do rock-pop dos anos 80 na Jovem Pan e lendo na penumbra “Todos os homens do presidente”.
Manhã
A mulher do vestido preto com um rabão de tanajura saúda o poeta. Apolos e Seu Jojó teimando e divergindo – o segundo acha somente o seu ponto de vista é valido.
- Seu Apolos só fala besteira. Não sabe nada – e todas as manhãs bem cedo estão juntos na porta de seu Apolos.
A conta de energia da oficina veio zerada, mas tem as atrasadas dos anos anteriores. Pai Cardin sentou-se no seu lugar de sempre, na cadeira plástica ao lado de sua quitanda.
- É hora do cufé – disse o poeta para si, colocando o livro didático de português sobre o de filosofia e este encima do calhamaço de inglês. Apanhou a caneca ao lado e levantou-se – É hora do cufé – e saiu.
Depois do café, Juvan Senior apareceu e colocaram as conversas em dia. Um papo sobre os primórdios da vila Embratel e seus personagens. Ele e sua família, liderada pelo mestre Dudu migraram da baixada para tentar uma vida melhor na cidade. Combinaram que ele vai dar uma força na mudança talvez do poeta para o centro, para seu quarto.
Friday, 28
A casa e a quitanda de pai Cardin fechada. – O poeta estranhou, mas logo dissipou os maus pensamentos – Devem terem ido a consulta – pensou. Mas a verdade veio a tona através do pedreiro Marcio Pedra – Pai Cardin sentiu-se mal ontem a tarde e o levaram a UPA no carro de Nemnem, o dono do lava jato em frente.
Seu Bastos sentado a beira da calçada de costas para rua observando atentamente o pedreiro rebocando a marquise na fachada do seu comercio.
- Seu Costa! Seu Costa! – grita alguém na porta semi fechada da barbearia ao lado.
O pedreiro paraense MIlson passa apressado, mas saúda o poeta que lia embevecido “Momentos Culturais – uma misto de religiosidade e prazer na Vila de Icatu, Maranhão” – a segunda cidade do estado, dois anos depois da fundação de São Luís pelos franceses em 1612 .
- Agora sim, sim senhor, assim quer gosto – disse a Sra. Caraolho, que entristece ao vê-lo encharcando-se de vinho no Pai Cardin.
Dona Graça, a viúva e vizinha do lado limpa a lixeira com cara de poucos amigos.
- Bom dia! – Cumprimenta a Sra. Cinzay em companhia do emagrecido Jamanta, velho de guerra, de copos e garrafas.
- Bom dia! – disse sorridente a Sra. Raimundo Sanchez, mãe da grandona Jaíná do Alto do São Benedito.
- Oh! Barba branca! – cantarola o carroceiro Rafé debaixo de seu chapelão de palha sentado no varal da carroça carregada de tralhas, puxada pela sua égua branca.
Little Paul, filho do finado João Preto e suas sacolas vindo do serviço num dos condomínios da família Sarney na Península da Ponta D’areia.
Bruna e o marido saem e fecham a porta da casa de Pai Cardin. Ela é sua caçulinha.
O tempo encoberto. Quarta-feira passada não deu agua, as esperanças voltam-se para hoje. Segundo o jovem Ornildo, neto do pioneiro e finado seu Eriberto, foi um cano estourado na avenida.
Little Fat chegou da UPA, o pai ficou internado em observação, presume-se que foi começo de derrame. Um bom filho. O poeta aproveita e pega um refrigerante fiado e vai bebê-lo com os pães.
- Onde é o teu banheiro? Pergunta o pedreiro Seu Paulo, o factótum do mercado ao poeta.
- Vai no beco. – Indica
- Eu quero cagar – desabafa batendo na barriga com rosto aflito e escandindo as palavras.
- Então corra até o mercado – aconselhou o fulero do poeta que continuava impassível lendo “Todos os homens do Presidente”
A gostosa da Glaus, sobrinha de Pai Cardin destilava sua sensualidade e seu charme sedutor lavando as cadeiras, deixando a mostra o seu belo par de rabos. Colhão, bebericando vai as nuvens. – Dá-lhe Colhão!- grita o fulero do poeta em pé na porta da oficina.
Começo da tarde
Inicio do pânico na Pensão Vince, nada de água e tudo seco. Antes do meio-dia digitou “Quarta-feira...” O sr. Vince um pouco chapado trouxe seu bandeco do Cibagoga, o mesmo que abastece o Comandante Lasierra com os dois ovos cozidos por dia. O poeta extrapolou a sua média alcoólica, umas doses a mais e ainda quarteto caseiro que emborcou num gole só e deitou-se. Cochilou um pouco, no começo do Jornal Hoje acordou e foi preparar o seu prato – arroz, feijão, caldo de galinha e o mexido de linguiça e camarão seco, sobras de ontem.
Noite – Para felicidade geral de todos a agua chegou no finalzinho da tarde, quando todos estavam sem esperança. Foi Ornildo, o vizinho e neto de Seu Eriberto que veio avisar:
- A água chegou – gritou do terraço. Todos na pensão deram urras e agradeceram a ele.
Existe um trato não escrito que um avisa o outro. A boa e velha politica da boa vizinhança.
Ler o poeta Nauro Machado é como uma viagem intestina ao espelho da existencia poetica. E o poeta renasce em seus versos e o incentiva a assumi o seu lado bardo.