Era uma tarde serena junto à barragem da vida. Sem pensar, caminhei por entre árvores de folha caduca. Apenas o ruído do calcar das folhas ecoava nos meus pensamentos. Remoinhos ocasionais elevavam um sonho ou outro pelo ar, ao encontro da cor boreal dos céus. E essa sobreposição originava um decalque na filigrana morna dos meus lábios. Soltavam-se palavras mescladas do vento traquinas e das cores outonais, que contornavam as esquinas dos ramos despidos da imaginação. Reconheci-te quando olhei nos olhos das águas tranquilas e te beijei. E beijámos a inocência do sonho cristalino. E abraçámos a vitória com A do amor maiúsculo. Ouvimos a música da chuva longínqua e sentimos o cheiro da terra humedecida pelos sorrisos. Quando o meu rosto refletiu os tons pastel do céu da nossa ilusão telúrica, fomos Adão e Eva no paraíso do sonho. Em debandada, os pássaros chilreavam a melodia do infinito caminho até à silhueta do teu corpo. Foi nesse instante que regressei à realidade do sonho e rabisquei o soneto da distância no caderno da minha ternura. Suave canto na epopeia da nossa vontade. E desde esse dia que te guardo junto ao coração e te lembro nos dias de tempestade. Para que me cantes esse sonho adocicado da nossa saudade e tranquilizes estes meus medos. Ainda a barragem emoldura a minha tez em sílabas sonoras. Ainda as árvores caminham rumo ao céu numa paz de versos rimados. Ainda as folhas cobrem o silêncio dos meus passos numa amálgama de palavras. E o vento…Continua a beijar-me com a paixão de sempre.
Felisbela Baião