Poemas : 

Palavras Mortas

 
Vivemos no império das telas,
onde a alma é pixel e o toque — ilusão.
Os sorrisos são filtros que mentem,
e o amor... virou legenda de ocasião.

As praças foram substituídas por stories,
os abraços, por emojis apressados,
e até a dor perdeu a sua estética,
diluída em frases prontas, recicladas.

Ninguém mais lê os poetas mortos,
ninguém mais morre de amor.
Hoje morre-se de tédio, de ansiedade,
de curtidas que não vieram a tempo.

A poesia — essa velha mendiga de luz —
pede esmolas na calçada digital.
Os escritores, cansados e vaidosos,
vestem-se de marketing sentimental.

Publicam versos como quem vende perfume,
em vitrines de likes e algoritmos.
Confundem profundidade com pose,
e a alma... com um bom engajamento.

A mídia, essa nova deusa narcísica,
dita quem merece ser lembrado,
apaga os que ainda sangram de verdade,
porque sangue real não gera anúncio.

As vozes dissonantes foram caladas,
trocadas por slogans e sorrisos pagos.
A arte virou mercadoria,
e o pensamento — um produto descartável.

Já não há tempo para o espanto,
nem espaço para o silêncio.
A pressa virou virtude,
e a reflexão, um defeito de fábrica.

Vivemos conectados — e sozinhos.
Milhares de amigos, nenhum confidente.
Milhares de corpos, nenhum olhar.
Milhares de frases, nenhum sentido.

Os poetas se tornaram influenciadores,
as dores, conteúdo.
O amor, performance.
E a alma... uma hashtag.

Mas o mundo continua vazio,
e ninguém percebe o buraco no peito.
Preferem a anestesia do brilho,
ao abismo verdadeiro do encontro.

As ruas estão cheias de corpos cansados,
corações em modo avião,
e olhos que não se cruzam mais,
com medo de se reconhecerem.

Tudo parece uma Matrix sem cor,
onde os sonhos foram trocados por metas,
e a vida — por uma rotina programada.
A liberdade? Só mais um dado no sistema.

E nós, poetas,
resistimos entre as ruínas,
gritando versos que ninguém escuta,
como quem fala com fantasmas famintos.

Mas ainda escrevo,
porque recusar o silêncio é um ato político.
Porque amar em tempos de desumanização
é a maior forma de rebeldia.

E quando tudo for só ruído e propaganda,
quando a poesia for lembrada como um erro,
eu deixarei minha palavra aqui —
para ferir o tempo e acordar o esquecimento.

Pois enquanto houver um poeta que sangra,
haverá esperança de que a humanidade retorne.


Kaique Nascimento


 
Autor
KaiiqueNascimentto
 
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