Textos : 

Surrealista

 
Virado na leva dos mares presos, soltos os ventos folgados em silvo, viajo no dorso da fagulha ígnea dos teus seios. Brando a maré que agitas nos portais, pelos folguedos matinais da sombra, pelas fendas cobertas de musgo, molhados e vivos, os nossos.
Cravamos os crâneos dos crápulas, de credenciais credoras de crentes, abúlica a erva sagrada do pio papa do ópio, arábica goma do ódio. Elástica de mastigar o losango da métrica medida da morte, as bíblicas toupeiras de Jericó, sepultadas nas ruínas da muralha bamba, não mortalha de papel de cigarro, espetadas no portal da minha terra, dos outros que nada têm a ver comigo nem eu com eles - raios os partam!
Lugar me fica no infinito dos sóis pendurados dos tectos, pois lúdicos são os lupanares do marasmo, 'panem et circensis' da vontade, folgados os tiranos no ripanço de séculos decadentes, impados à força de estalar os vagidos tolos de tartufos, suando a hipocrisia farisaica. Estavam os brutos observados à esquina pelos livre-pensadores, e por baixo germinavam nas lamas as levas da inúmera prole, gemendo as larvas: "- Vamos beber uma "mini"!"... Em bica aberta suam os escravos da boca fechada, de olhos abertos colados à sede calada.
O parto esperado. A manhã espantada de perto, a breve força de te esperar. O terceiro grito, à terceira voz. Gravadas as plantas nos pés das minhas débeis árvores, as folhas desfolhadas caídas ao teu lado, lambido o doce tronco dos musgos secos, ouvia a lenta e breve luz do encantamento. Arranco agora as trancas, aos trancos nos barrancos da incerteza segura, usando a espora que preciso, a espada, não posso ficar à espera. Estrado fincado em força, forço a estrada sem ficar só andando. Cantando.
Lançada à água a virgem pálida da minha parvoíce, tenhamos a esperança de que alguém venha violar a mansidão, abrir a porta à corrente de ar fresco.
Sento-me, por volta das cinco da tarde, não para tomar chá - talvez o gin-tónico, mas porque já tarda a chama aberta, e porque te queimei hoje, nos lençóis da torre. Vigiado pelas vigias na viagem às minhas ameias, encimadas no castelo dos meus meus andares esquecidos, andei chegando sem medo, às armaduras e quejandos, de canhões entupidos. Pelos vinte minutos entrei e acordei, envio-te a carta de espantar as pedras, espalhando as brasas nos meus espalhafatosos bolsos de espanta-raposas, duvido das goelas de guelras em garra, dividem-se as gambiarras aos gemidos, e às dez prás seis do outro dia decidam:
-"O meu surreal só agora descoberto, surrado pelo mofo-aranhal-de-teias, embasbaca os palavrentos cabeças-de-chapéus-tontos, na margem dos abismos loucos, e bem seguro de estar dentro da estalada, estalo a língua no sabor dos escândalos. Os materiais com que me sujo e rompo, que me ferem e amo, foram sempre o motivo, a solidez assente. As seculares regras de parecer-mal-e-bem, esfaqueio-as bem no centro!.."


José Jorge Frade

(Capítulo 4 de Lúcido Mar)
 
Autor
josejorgefrade
 
Texto
Data
Leituras
5081
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.