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novembro morreu

 
às vezes pedias-me um beijo como quem pede boleia, pedias-me um beijo enquanto os teus braços envolviam o meu corpo e me convidavam para passear, os nossos passeios eram sempre para longe e entre as precauções de um resfriado e as rodas da tua cadeira lá havia lugar para um beijo bem dado, com braços que envolvem a cintura e corpos que não se separam um só instante. com o tempo os nossos passeios faziam-se entre as paredes do quarto, em desenhos de mãos sobre o teu corpo parado, mais tarde, e sem que te alcançasse outro qualquer movimento a não ser o dos olhos, passeávamos nas tuas retinas, abancávamos na menina dos teus olhos em recordares de uma vida que chegava ao fim. tu esforçavas-te para não chorar enquanto eu colava um a um todo o cabelo que te caía. às vezes pedias-me um beijo com os olhos e eu inclinava a cabeça sobre a tua boca defendida por uma máscara e beijava-te assim, devagar o frio do plástico nos lábios, o frio de algumas lágrimas no rosto. eu amo-te maria. as horas passavam entre música clássica e alguns braços amigos que te seguravam as mãos geladas, tu às vezes choravas e eu adivinhava-te a dor por debaixo da pele, aos poucos eram os rostos que se tornavam desconhecidos e o toque das mãos que já nada te dizia e até eu me esqueci no castanho dos olhos que já choravam sem saber porquê. aos poucos era a casa em apuros à espera da tua morte, o telefone aos berros no corredor e o meu corpo a morrer junto ao teu nesse fim de tarde de novembro. de manhã o pátio era estacionamento de corpos vestidos de preto. novembro morria-me nos braços, contigo.


. façam de conta que eu não estive cá .

 
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Margarete
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Enviado por Tópico
Paulo Afonso Ramos
Publicado: 06/09/2008 21:55  Atualizado: 06/09/2008 21:55
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 Re: novembro morreu
forte. intenso. e muito bem escrito.
guardo o sentimento que me emprestas através deste texto.
um beijo solidário