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3.

 
 
ela sentou-se à porta com os gatos. quando ele desceu a rua ergueu-se dentro do peito uma espécie de mágoa, algo que foi crescendo com a idade, então nas pernas doeram-lhe os ossos por dentro da pele, rasgavam os tendões, alojavam-se à superfície. ela e ossos levantaram-se, ajeitaram o xaile ao corpo frio e com a bengala na mão continuaram o seu caminho, dois passos à frente dos dele com os gatos. ele às vezes sorria mas hoje não lhe apetecia e com o peito cheio de memórias vindas de longe espreitou-lhe as costas, ligeiramente dobradas sobre o peso dos dias, sentiu-lhe a cal dos cabelos em queda livre sobre a calçada da rua. a velhice magoa. doía-lhe o coração mas não sabia de que lado e por isso chorava. os gatos interromperam o percurso a meio da rua, do outro lado algumas palavras pararam os ossos dela, algum calor a romper o gelo que cobria a pele. ela falou, devagar, alguns gestos mortos nas mãos há anos enquanto ele, um pouco mais atrás, ajeitava o casaco e fazia tempo. quem diria que o amor fosse um sítio à distância de alguns passos impossíveis de dar.



. façam de conta que eu não estive cá .

 
Autor
Margarete
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Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 25/10/2008 00:23  Atualizado: 25/10/2008 00:23
Colaborador
Usuário desde: 22/09/2008
Localidade: Ansião
Mensagens: 5058
 Re: 3.
Mar,

Mais palavras para quê?!... Este texto vem de encontro àquela tabela de qualidade com que me habituou.
É bom demais.
Beijinhos

Enviado por Tópico
Ruben
Publicado: 08/11/2008 20:14  Atualizado: 08/11/2008 20:14
Super Participativo
Usuário desde: 12/02/2007
Localidade: Barreiro
Mensagens: 176
 Re: 3.
que saudades te de ler novamente! e que boa sensação que é sempre. Que bom saber que ainda nos brindas com o teu talento. Bjos