Crónicas : 

vá ter sorte ao carvalho!

 
É isso tudo, são sortes! Rogério é um sortudo, há quem diga que desde nascença que a sorte o acompanha, e vá-se lá saber porquê, com tanta gente a precisar de uma pontinha dessa sorte, logo tinha de calhar a um gaijo que à sociedade nada dá.
Ele é roupas caríssimas, boas jantas, boas mulas, tudo do bom e do melhor, não falta nada, basta a imaginação pedir que ele vai logo de lorpa satisfazer-lhe os caprichos.

Ah, e solteirinho da silva, como quem diz, sem horários para cumprir, sem horas de se pôr a pé da cama, de um colchão que se carregar num dos botões imita o mar alto ou sereno, dependendo da companhia. Amigas em sua volta é que não falta, graças a Deus, sempre de sorriso pronto e umas lecas a espreitar da carteira ainda aumenta mais a carga sorridente. Há quem diga que tudo tem um fim.
- Esse tipo abusa da sorte que lhe deram! Parece que goza com toda a gente, o moleque!

Saibam que, os comentários negativos nunca lhe destronaram a maneira de ser, pelo contrário, de dia para dia a sua exuberância duplicava e, para confirmação oferecia mais uma jóia à companheira de um qualquer fim-de-semana. Os dias consomem-se lentos mas rápidos, é a lei da vida, da primavera ao outono vai um piscar de olhos, os anos não poupam ninguém, nem um santo sequer, quanto mais ao Rogério que, de wisky em wisky começou a fazer estragos no fígado e arredores.

Mas aquele arroz de cabidela...bem lhe avisaram para ele não se armar em guloso. Foi a morte do artista, como quem diz, a cabidela caiu-lhe no estômago que nem uma bomba, e daí até cair numa cama foi um tirinho. O elevar das mãozinhas a Deus era agora uma constante, ah, pois é, na hora do aperto até os surdos ouvem dizer que.

Neste caso, de nada lhe valia o dinheiro para as suas horas de sofrimento e caganeiras consecutivas, nem os remédios nem os médicos que iam lá a casa.
Esgotou todas medicinas, desde a tradicional às orientais, alternativas, chás disto e daquilo, canjinhas, ninguém sabia detectar a raiz do seu mal que o fazia borrar-se por ele abaixo. A bem dizer, não se controlova, parecia um velhinho acamado à espera da hora agá. Ao ponto de ninguém poder entrar no quarto que aquilo fedava mesmo. Coitado do Rogério, quem o viu e quem o vê! Mas, ao contrário deste seu azar que lhe cobrava vermelhões nas naldegas de tanto se sentar na sanita, muitas pseudo-amizades riam-se afortunados por saberem tal desgraça.
- É bem feito!

A coisa parecia que não melhorava mesmo, aliás, de dia para dia, as suas crises intestinais aumentavam, cólicas, e os ais e uis eram cada vez mais audíveis no quarteirão da casa onde morava. Que a vizinhança já se atormentava com o berreiro que o homem fazia quando a altas horas da noite, mais o esforço de se levantar com uma mão à frente e outra atrás a evitar assim uma sortura repentina, corria para a sanita a combater mais uma desgraça.
Ai meu Deus isto, ai meu Santantoninho aquilo, quem me acode desta desgraça, ai que eu vou morrer na merda!

Como tudo o que comia o estômago não aguentava um nadinha e mandava logo pelo canal abaixo, a sua magreza começou-se a notar a curtas vistas. Fraquinho como tudo, só peles e ossos como os pretinhos de áfrica. Os seus olhos a negar a vida, dores e mais dores de barriga, fizeram com que o pior acontecesse: Rogério apagou-se sem avisar, sem dizer adeus ao mundo.

A notícia foi recebida com um certo desgosto, afinal de contas Rogério era um cromo que fazia falta à caderneta lá da aldeia. Os preparativos do funeral foram tão rápidos que nessa mesma tarde puseram-no a corpo presente lá na morgue com umas quantas carpideiras contratadas a chorar pela alma do defunto. O funeral estava previsto sair às cinco, mas por razões desconhecidas teve de ficar adiado para a manhã seguinte.

As carpideiras tomaram conta do corpo nessa noite, aproveitando elas para colocarem as suas cuscuvilhices em dia, sobre este, sobre aquela que anda metido com a filha do Zé dos melões, quando, pelo relógio da torre, devia estar perto das quatro da manhã, o sono tomado de assalto as velhas, que ressonavam como motores avariados, algo de estranho se começou a passar ali na morgue.

Um cheiro tamanho fez acordar umas das velhas que tem o nariz bem alerta, e esta, sem freios na língua tratou logo de acusar a amiga por ter soltado tal atrevimento. A acusada, no momento em ia dizer que tal remate intestinal não fora por ela rematado, quando nisto, outro par de peidos fez estremecer o lugar.

Ai minha nossa! – Exclamaram as velhas carpideiras que, assim que se aperceberam que tais estrondos haviam saído lá para os lados do morto, deram à sola como gente grande até nunca mais ninguém as encontrar.
Nisto, sem manobras de diversão, o morto, ou melhor, o ex-morto, o ressuscitado rogério, pelo efeito do alarido provocado, abriu os olhos, olhou em seu redor, sentiu que estava dentro de um fato escuro e, por sua vez dentro de um caixão, ao mesmo tempo que repara que o fato até lhe acentava bem, e, ao abrigo da sorte, imune de todos os perigos, disse estas palavras:

- Ai de mim se não soubesse cantar pelo cu!
 
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flavio silver
 
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Enviado por Tópico
Vera Sousa Silva
Publicado: 31/03/2009 15:48  Atualizado: 31/03/2009 15:48
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 Re: vá ter sorte ao carvalho!
Caramba!!! Sorte assim eu nunca vi! Depois de se andar a desfazer em... trampa, morre e afinal, como sabia cantar pelo cu ressuscita???
Que imaginação Flávio!!!!

Beijo


Enviado por Tópico
RoqueSilveira
Publicado: 31/03/2009 16:41  Atualizado: 31/03/2009 16:41
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 Re: vá ter sorte ao carvalho!
BOLAS! Isto é o que se chama certamente a sorte de merda! Inventas cada uma! Ainda bem, que aqui se ri! Abraço Flávio


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 31/03/2009 17:53  Atualizado: 31/03/2009 17:53
 Re: vá ter sorte ao carvalho!
Digo-te uma merda, engraçado para carvalho.


Enviado por Tópico
Antónia Ruivo
Publicado: 31/03/2009 19:45  Atualizado: 31/03/2009 19:45
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 Re: vá ter sorte ao carvalho!
E não é que esta história se parece com uma que aconteceu aqui pelo Alentejo em que um tipo apanhou uma bebedeira tal que entrou em coma alcoólico,só que naquele tempo não se sabia o que era, e vá de velar o morto,lá pela madrugada acorda e vê-se envolto num lençol na pedra gelada da casa mortuária como não tinha família estava sozinho,ainda meio bêbado foi bater na taberna que havia em frente para beber mais um copito de aguardente, desta vez quem ia morrendo de susto foi o taberneiro quando abriu a porta. isto foi verídico passou-se pelos anos 40 em Montemor -o- novo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 31/03/2009 23:37  Atualizado: 31/03/2009 23:37
 Re: vá ter sorte ao carvalho!
de facto há merdas que um gajo pensa estar enterradas mas vem uma rajada de vento e ficam logo a descoberto o problema é que não se sabe quem as fez, ou, sabe-se mas a culpa morre solteira.
É assim a politica do nosso país a merda é a mesma só as moscas é que mudam.
Deviam crescer-lhes pessegueiros no cu a dar urtigas para não andarem sempre com as mãos nos bolsos dos portugueses.
Desculpa mas não podemos cagar para isto.
Cumprimentos!

Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 31/03/2009 23:59  Atualizado: 31/03/2009 23:59
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 Re: vá ter sorte ao carvalho!
Flávio,

Olha a sorte do Rogério...
Excelente sátira humorística repleta de uma m constante.
Contam-se casos idênticos pelas aldeias da serra (e noutros tempos...remotos), mas não com tanta m.
Isto há horas do carvalho!...

Abraço