Crónicas : 

Minha estadia em Paris - Ano 67

 
Minha estadia em Paris - Ano 67
 
Os primeiros dias de estadia em Paris foram de deslumbramento!...
A cidade era extensa e perdia-se no horizonte, de tal modo era a sua grandeza e seu estilo de vida, bem como a sua mentalidade.
Suas longas e largas ruas iluminadas, com vias em dois sentidos, estendiam-se pelas duas vastas margens fluviais; com largos passeios ornamentados com árvores que abraçavam o rio, onde os “bateaux mouches”, cobertos pelo crepúsculo, deslizavam em passeios românticos.
Esta imponente capital, plantada no coração da Europa, orgulhosamente exibia as suas esplendorosas jóias da coroa: A Torre Eiffel, os palácios, os museus, a catedral, as igrejas e o panteão, são alguns dos retratos da sua heróica história; não obstante esconder dentro de seu véu o cinzento da sua alma.
Durante as horas de ponta, na mesa de um café, eu, pomba tresmalhada observava aquela estranha gente que se acotovelava ao longo do passeio, como um formigueiro a entrar e a sair da toca do metropolitano. A minha observação dirigia-se a todos os transeuntes de rosto pálido e de pele branca que na sua caída postura, como flores a mirrar, deixavam transparecer a sua tristeza angustiada.
Assim iam…, estes caminhantes arrastando sua vida, com os olhos pregados ao chão de pés pesados que se entranhavam no solo como raízes, sem que as asas do pensamento tivessem força para voar.
De súbito veio-me a lembrança daquelas imagens das viagens onde os passageiros como animais para abate, num enlaçado feixe, viajavam pelos túneis do metro, empilhados nas sucessivas carruagens.
Nesta condição de sufocados pelo cheiro a mofo provocado pelas águas escorregadias dos esgotos, o apertar dos corpos e como se não bastasse a ruidosa animação da vida industrial, fazia-lhes perder logo ao iniciar do dia, alguma da sua energia acumulada.
Neste amontoado de betão, não se ouve o cantar das águas ribeirinhas e o dos pássaros porque aqui não é o seu paraíso. As paredes dos prédios mostram o negro que o ar poluído as pintou. O sol nesta cidade não brilha, muitas das vezes esconde-se para além das nuvens. Tudo parece-me cinzento, como cinzenta é a alma de cada parisiense.
Embebido nesta miragem, comecei a ter saudades da minha pacata aldeia: dos seus encantos, dos campos verdejantes com o seu ar puro, da alegria das raparigas e do companheirismo dos amigos que deixei para sempre. Aqui não sinto o cheiro da terra lavrada, da maresia do meu mar, jamais vi o arco-íris e o raiar das trovoadas, também raramente contemplei a constelação das estrelas e a minha namorada lua.
. Nesta capital o lema é do “salve-se quem puder”, onde nesta selva, a ética, o espírito familiar e a religião, não são nada mais que uma utopia que só atrapalha a caminhada solidária dos defensores do progresso materialista.

Manuel Lucas



 
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Manuel Lucas
 
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