Dói!
Dói-me
a falta que não te faço
a vontade
que não te desperto
o fogo
que arde em mim tão belo
do teu rosto nulo.
Dói-me
o dia ser noite e a noite dia
e tu o mesmo ser sendo
num teclado frio e morto
sorvendo, mastigando, digerindo
enquanto eu definho
na fraqueza de ser viva
com as letras nas mãos
e a nascente do meu nome.
Dói
não teres nos cabelos
o toque dos sinos
que clamam por mim,
a miopia do sol
que me visse frágil lua
rodeando o meu sul fenecente
com a coragem da voz
que se imprime e revela.
Dói
não te ser
como tu és,
a doce sobremesa
do destino.
Apenas um sonho...
Que sonho eu?
Que és enseada
e adormeço sob as ondas
aspirando a terra que me recebe.
Que sonho eu?
Que és canto de Primavera
onde me estico e alcanço
o pólen das magnólias.
Que sonho eu?
Que dedilho os teus lábios
com o sabor a fruta almiscarada
do amor que me semeaste.
Que sonho eu?
Que sou a fonte alquímica
do manancial rosmaninho e manso
onde felino te apossas mestre.
Que sonho eu?
Que sou gaivota e andorinha
farol de prata num trovão
mãos de sol no teu rosto.
Que sonho eu?
Que sou em ti o que me és
que és livre em mim livre
e dois somos um junto ao rio.
Que sonho eu?
Que cicias o meu desejo
e aportas o meu corpo-alma
no embarcadouro do teu É.
Estaca
Pulseira perfurante descai
arrombo do súbito no denso
separa, rasga, desune, parte.
Estia o ventre, irriga o pão
das visceras flamejantes e remexidas
mão cravejada de adagas esferudas
quando lábios de metal sobrepujaram
as cartas do Mestre, perfídia do plano.
O desarranjo foi máscara da mente
o biltre é um lápis do xadrez
escritor de lápide drapeada de mapas
insolutos no seu enrugado esgar,
não se empedreite a cornija
sem dar o carvão à lareira do actor.
Ó urbe sem freio, rastilho de insanidade
és a faca que recorta e chacina
quando o maremoto do inferno eclode
pelas avenidas de orquídeas em avenças
de magnólias outonais.
Eleva-te ao cume
asa-barbatana e despranta-te à porfia
do açúcar polvilhado no azul.
O juiz que te deu poço
é rapaz, não douto de pranchas
que as cores emprestam à íris.
O cruel é espinho, o prego
um carimbo do misso com
pelo uno a escadar, às alv-luz…
a terra é ocre e escura.
Poema escrito em resposta a um poema com o mesmo título do poeta que neste site se denomina Azke.
Perdição
Sei essa sensação
do abismo a abrir as goelas
para aspirar as presas.
Vou na sua direcção
incapaz de desviar
o meu olhar
do seu expirar.
Contaminada dos excrementos
no meu corpo fragmentos
de um ser negro.
Atrai-me a si
para devorar impiedoso
estraçalhar em prazer.
Sem cintilar de consciência
homem descoraçado
da humana tangencia.
O fascínio profere,
a lógica e sageza do eterno
lhe dão asas de anjo.
No seu verso encanto
insuficiente sou leiga
e cativa de fraqueza.
Nasci letra do chão
e ainda que esteja rubra
da vergonha de mim
aperto-me no seu peito
para abrir uma cova
e sob ele ser leito.
Perdição ao assombro
na hipnose do bravio
não sou luz.