In Vitro
Passeia, enquanto durmo, no sertão do meu corpo
- onde borboletas douradas nunca estiveram.
Passeia e vê o sal, a poesia desidratada,
toca o árido com teus dedos de neve.
Deixa o silêncio cintilar no meu sangue agreste
- não faz alarde do teu desamor.
Beija-me do ventre o fogo, sem qualquer palavra;
planta a tua flor no meu sonho
e torna-te chuva dentro de mim.
Último pedido
Preciso sepultar os meus olhos
naquele nosso amor antigo,
repousar o meus beijos ainda quentes
no cetim pálido do teu corpo
onde os pensamentos se tornarão palavras
e as palavras, gestos...
Permita que eu tenha o teu nome inteiro nas mãos
por um momento apenas,
por uma fração de noite, imensurável,
quando pensarei estar sonhando
e minh’alma se livrará de mim
sem aflição alguma;
porque em ti, amado,
a minha morte é só uma...
Reflexos
Se todo poema é um espelho
onde escreverei essa dor que nunca sinto,
a torrente do beijo que jamais desfez
o deserto dos meus lábios?
Em que caminhos claudicarão minhas palavras tortas
se eu não as puder fingir?
De que nudez saberei
quando o poema cobrir-me o corpo
de vermelho e silêncio?
Terei eu nos olhos versos dilatados
e o que dirão de mim depois que se lançarem
no abismo do papel?
Que eco ouvirei ao mutilar-me de tinta e tédio
e que mentiras pousarão no campo branco
e sem pauta dessa tristeza?
Se ao traduzir-me não vir substância,
se ao espelho eu for fogo morto,
se em sangue e sal não me diluir,
que direi eu quando disser amor?
Vinho barato
Na primeira vez que te esqueci
eu andei meio que tonta,
bêbada de entusiasmos,
enxergando a vida em dobro
e com um sorriso sonoro
que dançava no meu rosto.
Na segunda vez que te esqueci
fui tomada por um estranho torpor
e o mundo era meu quarto que girava
ao som do despertador.
Agora toda a vez que de ti me esqueço
jogo meu corpo na cama
e rezo para que nunca amanheça
- o amor é um vinho barato
que só me dá dor de cabeça.
Como quem rouba
Eu escrevo como quem rouba,
em silêncio,
com medo de ser apanhada
e na surpresa do momento
ter que me explicar
- e a quem?
Com medo de, tarde, me arrepender
escondo de mim minhas pegadas,
inutilmente.
- sempre me descubro cometendo o erro,
fomentando o crime.
Eu escrevo como quem rouba,
às vezes, de capuz, calculo o gesto;
às vezes, a passos lentos,
acendo a lanterna,
ilumino a alma,
tomo por meu o dom da palavra.
E escrevo sem flagrante
sobre dores que não são minhas
e amores que não pude ter.
Pequena Carta a um Amor tão Grande
Regados a lágrimas os meus olhos – sementes - amadureceram.
Detenho-me, amigo, em ser branca e pobre;
enquanto a sombra da juventude me passeia pelo corpo
com a pressa de todos os ventos.
Tenho dedicado um par de sorrisos às últimas horas da tarde,
é quando tenho-te quase afável dentro da memória.
Contudo,
ainda tramo insurreições amorfas que poriam fim ao calendário,
fugas frenéticas por sobre a planície d’água;
imaginando-te rijo do outro lado da madrugada.
No caminho de ir faço que volto,
presos os meus pés muito antes do precipício
- cálice vazio de onde transborda o medo.
Depois do verde da última serra
tenho exaustos os lábios por só dizerem de ti;
cantam hinos às flores maculadas pelo frio,
louvam rios que serpenteiam nus, debaixo do sol.
Tantas pedras em meu caminho
e é no teu silêncio, amigo, onde eu sempre tropeço.
Eufonia
Canto-te ao alaúde as percepções frugais dos meus sentidos,
crisálidas sonoras que um dia voarão...
Tenho às portas do coração um estandarte
recém tecido de esperança:
O A do teu nome – candelabro aceso –
suspenso em sutil melodia
por sobre a escuridão do meu...
Acumulo o instante de amar-te
de notas brandas como o algodão das nuvens;
de perfumes sinceros que embotam a distância
desarmônica do teu existir...
Vem cantar comigo, amado;
estender a vida que me resta
aos pés da estrada tua,
deixar tuas brancas mãos
à beira desse beijo meu...
Modus Operandi
Quando é madrugada na insônia e a poesia dita em voz alta a sua dor, não choro; deito seu nome na primeira palavra que me surge e embalo-o como a um filho triste.
Penso canções que se derramam, lentas, por sobre o papel de seda – voariam leves os poemas se eu os pudesse domar. Presos, no entanto, ao ritmo implacável da escuridão; pendem, oblíquos, rumo ao desespero.
Adormeço sorrindo-os.
Meu nome
escondo o meu rosto doce
coberto por um nome de fruta
e deixo que ninguém me prove
os olhos sedentos.
meu nome caminha em mim
como caminham as ruas pelas pessoas,
sem pressa...
eu sou quase um barulho
como o que o céu faz
quando se fecha.
não há mentiras,
só endereços desnutridos
que morrem
sempre que morre
uma estrela.
eu tenho em mim
um fogo que me cerca
e amo um homem solitário,
que mora do outro lado da lua
e se me chama eu não ouço...
Amo um poeta
Amo um poeta
e o amor é assim:
eu me deito com ele todas as noites,
cubro-me com sua conversa macia
e ele me afaga a alma com sua poesia.
Na madrugada acorda-me
um poema suave
e eu me reviro na cama
amarrotando-lhe as rimas.
Amo um poeta e o leio, nua,
todas as noites,
perturbando o silêncio
do meu quarto.