O benefício da dúvida
Sou todas e algumas,
sou eu e nenhuma,
sou.
Descartes me faz mal:
penso nas horas vagas,
nas vagas entre a cama
e o travesseiro,
quando fumo o cinzeiro
e me contamino com
a minha ira e mal.
Enfio o dedo na ferida
até não sentir mais nada,
olho a fotografia cheia
do teu passado e alegria.
Olho até os olhos doerem,
arderem, sangrarem.
Estou vacinada contra
essas pequenas felicidades.
Faço de conta que acredito.
Que fique o dito pelo não dito:
o benefício da dúvida é uma delícia.
I.( pseudônimo de Karla Bardanza)
Entre os dentes
Diga obrigado entre os dentes, com essa falsa diplomacia de final de dia. Você nunca descarrila, nunca deixa nenhum fio do cabelo fora do lugar. Nunca nada te condena mais do que eu te condeno. Cada vez que te julgo é sempre para te afastar, para te despentear, para justificar o que desobservo porque já me esqueço, porque os meus joelhos já não suportam mais o peso execrável de não te saber.
Diga obrigado com esse ar de superioridade, olhando por cima e vendo quase nada de mim enquanto nada em mim sobra para ser visto apenas por ti. O que ainda me move é o que foi dividido ou sentido ou falado. Em oceanos sem navios, navego.
Para além desse desjejum, para além dessa fome,
deve haver um nome verdadeiro para te chamar, deve haver uma história para ser contada. Deve haver algumas verdades.
Enquanto ouço Adele, ouço menos o que não posso ver ou escutar. Então, diga mais uma vez quantas verdades cabem numa mentira.
Ivanir - pseudônimo de Karla Bardanza
O meu amado é feito de vento
O amado
que guardo
nos instantes
sem amanhã é
feito de desassôsego
e profundas contradições.
Às vezes, acho eu que
ele é uma sereia
sem voz ou uma aranha
enrolada numa teia
de ilusões.
Quando volto os meus
olhos quase fechados
para olhar o que ele
esconde, acho que ele
é sagrado.
No entanto, o pensamento
nunca sobrevive até o dia
seguinte.Nunca respira
o tempo.
É,o meu amado é feito
apenas de vento, de
vazios impublicáveis,
de enigmas que não
são tão insondáveis.
Cada dia, a sombra procria
outras verdades.
Largo as mãos do amado
sem muito alarde.
Ele é sempre um algo
que não preciso descobrir.
Volto para dentro de mim
e beijo outras bocas.
Estas são assumidamente
loucas e eu prefiro
assim.
I
Vida de Inseto
Quero ser uma joaninha,
toda cheia de encantos,
falando francês,só para
dizer Je t'aime com
sotaque português.
Quero ser uma borboleta,
toda azul, toda bela,
pousada na janela,
declamando poesia
dia e noite,noite e dia.
Quero ser um uma aranha,
tecendo uma louca teia,
com cabelos de sereia
e mãos de fada, toda
amarela e delicada
logo ali na entrada.
Quero ser uma cigarra
cantando com voz de soprano
acompanhada por um piano,
toda divina no cabelo
da menina.
Quero tudo,
quero nada,
sou uma beleza distante
mas você pode me ver?
Sou pequena sim
sou do tamanho
do teu sonho e talvez
do meu prazer.
Sou o que sou
e você?
Ivanir