O TREM
“O tempo não para”, disse o poeta.
Multidão - formigueiro ambulante
desprendida sorte no meio-fio da calçada...
Trem da vida sobre trilhos sem cessar,
subidas e descidas dos vagões,
interrupções n’alguma estação.
A vida é assim,
mistérios...dom precioso e divino!
Embarque...riso e alegria,
desembarque, dor e pranto inevitáveis...
O mesmo trem para todos...
a diferença é vista de dentro
há muitos solavancos no percurso
solenidades acontecem ao anoitecer,
encontros e desencontros também,
porque os vagões são diferentes...
as vontades são adversas...
as combinações não se cruzam...
a vida é assim...
misteriosa...como noite sem lua!
Há um túnel que transpõe a montanha
o trem rompe-o na escuridão
os faróis são acendidos
o maquinista aciona a buzina
um feixe de luz clareia ao longe
alguém viaja sozinho e calado
o outro, ao seu lado, está cheio de amigos...
um terceiro chora...
o filho desembarcou antes dele...
quem sabe foi um engano?
Amanhã é outro dia – o sol virá sorrindo!
A viagem é ininterrupta
o trem não pode parar...
O maquinista é onipotente.
A criança já cresceu...
a neve correu para o oceano
a maré ficou revolta
o monte virou planície...
o homem virou ancião...
desce na próxima estação.
Assim é o trem da vida
levando seus viajantes
As estações continuam em algum lugar
em pontos estratégicos... ilimitados
para embarques e desembarques
dos seus passageiros,
das breves ou das longas viagens
donde se deixam saudades imorredouras
ou se passam desapercebidos...
ou as luzes do seu vagão foram apagadas...
(inspirado numa mensagem que recebi chamada A viagem de trem de autor desconhecido)
QUERER É PODER
Caminhos escuros de angústia te vergam
lágrimas cortantes em teus olhos explodem
sepultam-te sonhos que nas sombras enchergam
tripudiam-te, sem um dó, teus brios sacodem!
Queres voltar? Raiva e revolta te cegam
transpondo os espinhos – tuas forças eclodem
vês uma luz – querer e emoçao se integram
refazes inverso razao e alma, sim, podem
Ajuntam coraçao e juntos se apegam
acham n’outro ser, a si mesmo, nessa ordem...
amor puro, absoluto, ambos, alegam...
Ajustados, raiva e revolta implodem!
teus olhos me vêem, vejo-os, num espelho?
refletido em mim, em ti, Deus verdadeiro!
NO TEU GALOPE
Vou me perder na tua noite cavalgando
nos coracóis dos teus cabelos enlaçado
meu desejo mais ardente derramado...
no teu delírio, beijos meus te dominando.
Loucura d’alma escorrida, transbordando
nas curvas da tua estrada sou açoitado...
lua morre em meu desejo encrespado,
no galope do teu prazer me libertando.
Amada minha, hei de morrer me encantando
de tanto amor, no teu abraço enamorado
fiquei por ti, à moda antiga, acalantado!
A ti me presto ao teu feitiço de amor fogoso
segredos detalhados nesse divã amoroso
em que meu eu já se perdeu pra nunca mais!
(Inspiração profetizada nas canções do Rei,
enquanto eu as ouvia, o soneto ia tomando forma)
OLHOS DA TERRA
Águas que brotam dos olhos cativos da terra
Merejam ao pé da montanha e ali se encerra
gritos do verde morrendo por água que seca
flores também choram e morrem por homem que peca
Vales e montanhas desnudos por homem que erra
sem verde qual vento cortando planalto ou serra!
miragem ao longe, horizonte cinza... careca...
criança faminta com sede – que antes sapeca!
Horrores – tragédias - trucidam por causa da guerra
ganância de homens loucos – política emperra!
matando de forma cruel toda a vida que há...
Na terra...na água...no ar...aonde homem irá?
escrito descrito – verdade – enfim far-se-á
paraíso que foi – que divindade proverá?...
REBELDE CONTIDO
Se já sou quase nada, sem ter esperança
nesse mundo torpe sou reles andarilho
vivo ao relento, mas tenho confiança
canto o que quero não faço estribilho
Rebeldia contida disfarçada herança
durmo ao relento ou em cima do trilho
idéia abstrata que outro não alcança
traídor não serei - mas lustrarei o brilho!
Singrando os mares nessa minha andança
luto por uma causa, não admito encilho
amanhã outro dia, pra nova aliança...
Humildade caminha induz rumo certo
diretriz é estrada - conduz lealdade
vitória no fim, vejo a paz muito perto!
Deletando mentira - salvando verdade!
TECENDO A RAÇA
Um galo canta ao longe na madrugada fria
em instantes são vários galos num mesmo tom
anunciam felizes o alvor d’um novo dia
raiar dourado, luz do sol é tudo de bom!
Galos de bem ajuntam-se toda manhã
vêem o sol a sorrir por sobre a serra
sentem no calor - gosto fresco de maçã
galos justos com essa força se encerra
Todos por todos, todos por si, todos por um,
lei esta pra vencer qualquer obstáculo
galos q’embora feridos fazem jejum
Mesmo assim tão fracos são sustentáculo
vidas d’outros tantos galos sem desjejum
tecendo toda uma raça, galos da terra!
Correndo na busca do milho pra qualquer um!
(inspirado no poema Tecendo a manhã de
João Cabral de Melo Neto)
TEMPO
Ocaso sereno faz-se leito ao sol dormente
no momento final, qu’em luz neonatal a lua cheia
extremos atraentes planeta azul incendeia
no contraste dos teus seios alusão contundente!
Tanta exuberância faz-se fêmea docemente
amanhece...sol aquece toda vida lisonjeia,
anoitece...a lua cheia, descendo em manto clareia...
relva fresca...mato à dentro, paulatinamente.
Lua recolhe exausta...sol passeia febrilmente
desnuda qualquer segredo borbulhante de areia
colore arco-íris onde vento serpenteia...
Marca era que se esvai, como sereno que cai...
lua matreira que vai esgueirar-se atrás do monte
mistérios d’um amanhã adormecidos num ontem!
SONETO PARA UM BEM-TE-VI
Amanheceu! O sol raiou, meu bem-te-vi!
Trouxeste aqui, teu coração premonitor?
Passarinho, que canto mágico, encantador!
Jeito moleque vem e repete com frenezi!
Freneticamente, tão de repente te vi
Digo por quê, causa de quê já não sou
teu bem querer – todavia, teu ex-amor,
se bem me viu, se iludiu, pois, mal te vi!
Cantiga morna estribilhada ao meu ouvir...
disseste que viu não sei o quê, nesse teu show
asas sensuais – dançar lascivo - se enganou!
Ah! compreendi no teu cantar apaixonado...
Ó bem-te-vi pedes perdão desconsertado!
És perdoado! do teu amor me convenceste.
ABENÇOADAS MÃOS
Abençoada seja! em cada toque seu, ó mão!
entrelaçada n'outra mão, num bem-querer todavia
sujas da massa do trigo depois de fazer o pão
calejadas... engraxadas... da lida do dia-a-dia
Abençoadas sejam com cinco dedos em cada
criativas no trabalho de todo profissional
cumpridoras dos deveres - existentes na jornada
estendidas para o bem num afeto sem igual
Dententoras de um sentido, talvez, mais divinal!
prontas pra atender qualquer tipo de ensejo
imaculadas sejam - que não pratiquem o mal!
Caso elas lhe faltem em desproposital lampejo
outros sentidos têm - estejam bem natural!
Nas graças e dons recebidos, por um desejo:
Abençoadas sejam, mãos do homem coerente!
Com muito amor envolve todo ser inocente!
AMIGO ROUXINOL
Prazer tenho de sobra nesta vida
desde muito cedo, quando levanto
meu rouxinol escuto embevecida
a saudar-me alegre num lindo canto!
Canto que há muito me presenteias
rouxinol querido, vens ficar comigo!
És parte de mim - a mim lisonjeias
com tão lindo canto bondoso amigo!
Não quero nunca que vais embora
teu cantar alimenta meu coração
fico triste chegas depressa, na hora!
Presença constante não existe solidão
amigo rouxinol, vens logo sem demora!
fique aqui comigo, ontem, hoje e agora…
A vida inteira cuidarei de ti com gratidão!
APOTEOSE
Ora o cetro se levanta
enquanto luzes como contas
d’um rosário vão caindo
Carnavalesco desvairado
dançando fantasiado
passarela d’alegoria.
Colombina aveludada
põe teu samba na avenida
e... entontece Pierrot.
Pierrot apaixonado
põe teu amor pra corar
dessecar-se ritimado
na bateria do samba
abrilhantante calor.
Verão incendioso!
Fevereiro, um anão
de segredos incontáveis...
Mestre-sala no portão.
Bateria no repique
da cuíca o chorinho
do cavaco esfolado
do sambista puxador
rebolado da passasista
abre-alas sonhador.
Sambódromo arreado
sapateia o tamborim
certifica a apoteose!
Cortejada a alegoria
artífício da explosão
da fumaça e do balão
alça os céus e se dispersa.
Musa quebrando no samba
não há cansaço na festa
cordão traçado na roda
Porta-bandeira no salto
confere teu estandarte.
Explode a ilusão
configurante da festa
d’um Marquês galante
em teu cavalo alazão.
Sapucaí deslumbrada
borda o Rio de Janeiro.
Gentes e Continentes
aplaudindo corcovado
por vezes num sobrado.
Precedente quarta-feira
das cinzas badala o sino
flâmula rompe avenida
esvoaçando ao samba
gente brasileira canta
Luzes dessa ribalta
aclamando glamurosa
samba enredo no gogó
encanta festa maior !