DO PÓ, PELO PÓ, AO PÓ
um estampido,
e uma ordem...
- é um assalto!
intenção num grito
- desgraçados!
do outro lado da rua
ouviu-se...
o segundo,
o terceiro.
tomba a voz da indignação,
a vítima,
sem direito de defesa.
o quarto e o quinto
foi revide, inútil, é claro;
à rajada da ‘matraca’
abatendo os trigêmeos,
calando-os com sarcasmo.
transeuntes acuados,
aproximam-se
sem burburinho,
turba de curiosos
sempre é fundo de palco
no teatro da vida.
na calçada,
jazem caídos.
sinopse:
três corpos juvenis,
emoldurados
pelo próprio sangue.
uma velha mulher
ajoelhada aos seus pés,
num pobre silêncio,
engolindo o choro,
retirando-se depois
com sua dor de mãe.
(anotação de rodapé) cena da vida real
'matraca'- gíria = metralhadora de mão.
GERAÇÃO PERDIDA
Vínhamos todos juntos desde os primeiros
dias de escola,
desde os nossos seis anos, amigos para sempre:
dissemos e assim foi pela vida fora,
até que esta nos separou uns dos outros
no auge da adolescência.
Tudo tinha começado numa comunhão de
amigos, querendo experimentar a vida e o que
ela teria para nos oferecer. Ofereceu-nos a
droga como possibilidade, onde todos podíamos
partilhar dos mesmos pensamentos e ilusões.
E corria de mão em mão o cigarro de haxixe ou
de erva e à noite tomávamos pastilhas que nos
alterava o nosso estado de espírito,
o que fazia com que os dias de trabalho se
suportassem melhor e de forma mais harmoniosa.
Curioso como não há, o flagelo se aproximou,
em passos estudados de mim, e uma seringa com
cocaína me apresentou, ao que eu repetia para quem
me quisesse ouvir: que era só para experimentar.
Desde esse dia meus treze anos, não mais parei,
e à cocaína juntei a heroína, minha tragédia por longos
anos. Alguns amigos vieram comigo, muitos tive nos
joelhos em colo até ao seu último suspiro. E não mais
regressaram: meus queridos amigos de escola, lá
onde eu aprendi o que era companheirismo e amor aos
amigos – de que me valeu, eles que se foram e eu que fiquei?
Pesando quarenta e cinco quilos aos vinte e seis anos,
dentes todos podres, agressões verbais e não só (por
parte da polícia, que não corria atrás dos grandes
traficantes mas daqueles que vendiam para um bandido
qualquer, para poder ter a sua dose diária), era presa fácil
dos corruptíveis, vestindo uniformes e bebendo álcool,
que qualquer um podia cheirar à distância, e não eram
repreendidos por isso, descarregando todo o seu
atrofiamento nos que nada mais faziam do que
sobreviver ao seu vicio.
E já só segui minha vida de toxicómano, dentro de
uma sarjeta,
que assim me via e queria, tal a revolta que nutria
por mim mesmo.
Muitos mais anos se passaram, trinta e
dois anos ao todo, até que não podendo mais disse
basta, com meus olhos virados para o sol, onde
incandescia de novo a fogueira da vida
e senti uma vontade imensa de viver novamente – o
passado ficou lá atrás, o ensinamento comigo, o qual
não largo e transmito a todos a minha experiência.
Jorge Humberto
11/11/09
O cigarro da pena
Fumo o cigarro da pena
Que eu tenho de quem lhe dá uso
Engasgo-lhe a morte
Nuns pulmões negros de fumo
A consciência não basta
Impõe-se a vontade
Enquanto é tempo
Sufoco na asma crónica
Mas prossigo o gesto
Chupo as pastilhas
Tomo o xarope
Para a catarreira
Agravo a sorte
Sou-lhe consorte
Engano meu!
Um dia eu quero
Mas já é tarde!
O diagnóstico
É a realidade
Se me arrependo?
Nem eu o sei
Fiz o que quis, em consciência
Mas o pior é o sofrimento
Malgrado a vontade
Companheira da desgraça
Vai uma última passa?
Desculpem-me os que cá ficam
Pela dor que vos causei
Pelo fumo que involuntariamente inalaram
Sem nunca de mim se cansarem
Devo confessar:
(Ainda assim vou feliz!)
Pois, faria tudo outra vez!
Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal
Vou fumando o cigarro da saudade
Para mais agravar a minha dor
que maltrata que só um enfisema
a bronquite na fase mais extrema
e o derrame que causa o estupor
acendi um Marlboro sem pudor
desejando fumar sem pensar nela
Mas sem ter acabado a cartela
eu percebo já com perplexidade...
Vou fumando o cigarro da saudade
e a fumaça escrevendo o nome dela
Sem jamais esquecer que a nicotina
que eu trago dá câncer na laringe,
na bexiga, nos rins e na faringe,
a trombose, aneurisma e angina,
que também o tabaco contamina
com doença fatal ou com seqüela,
sem falar que existe erisipela
ou infarto maior em gravidade...
Vou fumando o cigarro da saudade
e a fumaça escrevendo o nome dela
Tudo aquilo que é chamado vício
sempre traz a promessa do prazer
Mas o vício aumenta sem trazer
pra saúde sequer um benefício
Quando o gozo se torna um suplício
numa grossa corrente se revela
e na dor punitiva que flagela
o seu corpo sem dó nem piedade
Vou fumando o cigarro da saudade
e a fumaça escrevendo o nome dela
É o corpo que sofre com cigarro
com a hérnia, gangrena e rinite,
catarata, halitose ou gastrite
por efeito do fumo e do sarro
Alternando soluço com pigarro
toda hora passando na goela
eu não quero pensar que é mazela
mas respiro já com dificuldade
Vou fumando o cigarro da saudade
e a fumaça escrevendo o nome dela
O Vício
Eu pedi mais um trago
Pois eu trago pra ti
Eu trago pra ti mais uma canção
Faz parte do destino, faz parte
Da minha história - faz parte
a parte que me cabe nessa situação
Não é parte de um filme
Me parte, sem comercial
Sem clichê, romance astral
Bomba relógio, droga ilícita
Você é meu vício...
E eu insisto...
Que droga! Eu insisto!
Faz parte do destino, faz parte
Parte de mim, algo que me parte
E partes, sem ao menos dizer "tchau"
Sem poder, sem pudor
Sem frase nenhuma
Um ponto final
Ponto final da partida
Faz parte de um todo
E não é quase nada
É um vício... Eu insisto!
Eu existo!
Algumas referências a banda Engenheiros do Hawaii... acho que vale ir lá pescar as intertextualidades.
Abraços a todos!
Filhos da desgraça
Rostos magros
Martirizados…
Olhares sem brilho
Agonizados…
Vidas sem esperança
Cambaleando pela rua
Alheios ao que se passa
São os filhos da desgraça…
O desespero…
Uma dose que falha
A violência…
Da dor que se espalha
Naqueles corpos enfraquecidos
A alucinação…
Da realidade utópica
Na sociedade dos esquecidos…
Amores que arrefeceram
Valores que já se perderam
Vergonha desconhecida
Fruto da miséria
Em que estão inseridos
E que lhes faz esquecer da vida
Tragedia …
Perseguição…
Famílias amedrontadas
Famílias desmembradas
Pelo veneno da dependência
As mortes anunciadas…
Os Cigarros de Irene...
Bem sou a tosse seca, o desprezível escarro!
Sou eu os alvéolos mais necrosados, oh Irene!
Sou eu as baganas dos cigarros
Que tanto amortalham o teu corpo doente...
Sou eu, e tanto, e mais, o execrável cigarro!
Sou eu que te fere o corpo à alma lá no fundo!
Sou eu o rouco gemido!...Sou eu o pigarro
Que tanto interrompe o teu sono profundo...
É muita, e tanta a fumaça que no quarto flutua:
- Um!...Dois!...Três!...Quatro cigarros!
Irene os acende, assim, com desenvoltura
E cospe no assoalho o verdor dos catarros!
Dos lábios te vou sufocando num finado beijo!
Das mãos, te vou ao pulmão num trago!
Na vida, sou teu último desejo!
Na morte, sou teu último escarro!
(® tanatus - 18/04/13)
Sarvar-lhe-ei da tentação
Acaba-te com tua vida
Nesse mundo que te assombra
Ao som das noites alucinantes
Que passas embriagada no álcool
E endoidada nas malditas drogas.
Escuta-te os teus amigos
Que não se importam e nunca se importarão contigo...
Aceite o que lhes oferece, prove mais um pouco
E nada mais lhe restará.
Somente uma vida vazia e dependente.
Magoe aqueles que te amam
E que verdadeiramente se importam com você
Eles são uns bandos de idiotas, que se preocupam... Ainda.
Vão te dar a mão, a ajuda para ti,
Trazer-te de volta a realidade... Tudo o que mais quero.
Entrega-te de corpo e alma a salvação
Quero lhe mostrar a ela, tirar-te deste mundo maldito
Que a tanto já sentiste o sabor, agora não mais.
Abrace-me na imensidão do meu amor, minha jovem
E nada mais serão delírios insanos. Somente a realidade da nossa paixão.
A UM DE ABRIL DEZ ANOS SEM HEROÍNA.
A UM DE ABRIL DEZ ANOS SEM HEROÍNA
(viver livre, ser livre e ter o direito de escolha: a vida)
Chegou o dia em que as veias de há muito ofendidas
de tão maltratadas, aço contra aço, se debatiam.
Nos braços esmagados, que nos olhos lágrimas vertiam
Por não arranjar já onde enfiar a seringa: agulhas partidas.
Nisto, a ressaca aumentava, e as veias- distendidas
assentiam, mais e mais a agulha, que acometiam
umas e outras, a ver destas quais consentiam
enfim, na carne rasgada, quais em sangue eram diluídas.
Após o *chute, tudo serenava e tudo se calava.
Vinha a coceira ao nariz, sorriam os olhos
Ainda aos braços sanguinolentos nas mãos assentava.
Por esta altura já buscava as veias no pescoço;
pois que as demais tinham *vidrado como escolhos;
escondidas por negras autoestradas como num esboço.
Jorge Humberto
03/12/20
Santa-Iria-da-Azóia
Vida sem luz
É uma vida só e triste,
Aquela vida sem sol e sem luar,
Aquela vida que quase não existe,
Corpo que vejeta,
Que tomba a soluçar numa valeta.
É uma vida que já ninguém aceita,
Que a própria família já rejeita,
E a quem não se permite nem sequer sonhar...
É a vida que foge da sociedade
E que pela força do destino,
Ou p´la própria vontade
Escolheu este caminho...
Vida suja,cega,routa,
Onde a esperança já é pouca,
Mas a raiva, essa sim,é louca,
É exigente,
É sócia da amargura dessa mente.
Tudo troca,
Pela droga,
Até mesmo o desejo de ser GENTE!