GERAÇÃO PERDIDA
Vínhamos todos juntos desde os primeiros
dias de escola,
desde os nossos seis anos, amigos para sempre:
dissemos e assim foi pela vida fora,
até que esta nos separou uns dos outros
no auge da adolescência.
Tudo tinha começado numa comunhão de
amigos, querendo experimentar a vida e o que
ela teria para nos oferecer. Ofereceu-nos a
droga como possibilidade, onde todos podíamos
partilhar dos mesmos pensamentos e ilusões.
E corria de mão em mão o cigarro de haxixe ou
de erva e à noite tomávamos pastilhas que nos
alterava o nosso estado de espírito,
o que fazia com que os dias de trabalho se
suportassem melhor e de forma mais harmoniosa.
Curioso como não há, o flagelo se aproximou,
em passos estudados de mim, e uma seringa com
cocaína me apresentou, ao que eu repetia para quem
me quisesse ouvir: que era só para experimentar.
Desde esse dia meus treze anos, não mais parei,
e à cocaína juntei a heroína, minha tragédia por longos
anos. Alguns amigos vieram comigo, muitos tive nos
joelhos em colo até ao seu último suspiro. E não mais
regressaram: meus queridos amigos de escola, lá
onde eu aprendi o que era companheirismo e amor aos
amigos – de que me valeu, eles que se foram e eu que fiquei?
Pesando quarenta e cinco quilos aos vinte e seis anos,
dentes todos podres, agressões verbais e não só (por
parte da polícia, que não corria atrás dos grandes
traficantes mas daqueles que vendiam para um bandido
qualquer, para poder ter a sua dose diária), era presa fácil
dos corruptíveis, vestindo uniformes e bebendo álcool,
que qualquer um podia cheirar à distância, e não eram
repreendidos por isso, descarregando todo o seu
atrofiamento nos que nada mais faziam do que
sobreviver ao seu vicio.
E já só segui minha vida de toxicómano, dentro de
uma sarjeta,
que assim me via e queria, tal a revolta que nutria
por mim mesmo.
Muitos mais anos se passaram, trinta e
dois anos ao todo, até que não podendo mais disse
basta, com meus olhos virados para o sol, onde
incandescia de novo a fogueira da vida
e senti uma vontade imensa de viver novamente – o
passado ficou lá atrás, o ensinamento comigo, o qual
não largo e transmito a todos a minha experiência.
Jorge Humberto
11/11/09
O cigarro da pena
Fumo o cigarro da pena
Que eu tenho de quem lhe dá uso
Engasgo-lhe a morte
Nuns pulmões negros de fumo
A consciência não basta
Impõe-se a vontade
Enquanto é tempo
Sufoco na asma crónica
Mas prossigo o gesto
Chupo as pastilhas
Tomo o xarope
Para a catarreira
Agravo a sorte
Sou-lhe consorte
Engano meu!
Um dia eu quero
Mas já é tarde!
O diagnóstico
É a realidade
Se me arrependo?
Nem eu o sei
Fiz o que quis, em consciência
Mas o pior é o sofrimento
Malgrado a vontade
Companheira da desgraça
Vai uma última passa?
Desculpem-me os que cá ficam
Pela dor que vos causei
Pelo fumo que involuntariamente inalaram
Sem nunca de mim se cansarem
Devo confessar:
(Ainda assim vou feliz!)
Pois, faria tudo outra vez!
Maria Fernanda Reis Esteves
50 anos
natural: Setúbal
Um momento de SuRtO
Todo ser humano surtará uma vez na vida...Hoje foi o meu dia...rs
Baco & Tabaco - a dupla da chama
como farei para equilibrar
tanta paixão, tamanha arritmia
como farei para equilibrar
pouca razão, tamanha disritmia
neste coração, que angina,
nesta mente, que imagina,
com tabaco, amarga nicotina
chamo "Baco", fermenta esta vinha
como farei para equilibrar
quanta emoção, horas de estresse
como farei para equilibrar
tanta compulsão, fissura e prece
neste coração, que infarta
nesta mente, que tá farta
sem fumo, que louca abstinência
chamo "Tabaco", acende logo esta chama...
AjAraujo, em 6-2-15, ante o desespero de um fumante em abstinência de alcool & tabaco.
Lágrimas no copo
No teu copo
degustas a água-ardente da vida
mágoas que se transformam em raiva
lágrimas que escorrem n´alma
No teu copo
lutas por inundar a correnteza
na tormenta amortecida pelo álcool
que se infiltra célere pelas veias
No teu copo
solitário, fazes do trago companhia
no fiel escudeiro do uísque mais barato
da cachaça de origem duvidosa
No teu copo
mais uma dose, garçom, pra afogar
colocar debaixo do tapete frustrações
até entorpecer e ser carregado do salão.
No teu copo
já quase a molhar o colarinho branco
sente o alívio de chutar o balde
enquanto desce mais uma pela garganta
No teu copo
segredos a agitar o coração
na tormenta dos dias, primeira dose da manhã
para curar da ressaca e da abstinência.
No teu copo
sonhos que despertam a mente
na chegada da noite, no clima ébrio
nas tabernas, na dança das cores.
No teu copo
fluem desejos nos olhos vermelhos
no corpo já virando Torre de Pizza
na direção inevitável do banheiro.
No teu copo
nas mãos que se enlaçam sem ânimo
nas trevas que a libação leva
nas frases macias, na voz trêmula.
No teu copo
destilas os sonhos e fantasias
perdes toda a censura e compostura
adquires outra personalidade: ébrio.
AjAraújo, o poeta humanista, escrito em julho de 2010, a propósito do uso abusivo do álcool cada vez mais frequente e estimulado em nossa sociedade, junto aos jovens com propagandas milionárias.
As Rosas
***
As rosas
Mas,como eu, não desistiram de buscar o Sol
e o seu perfume ainda embalsamado,
clama por manhãs mais sinceras.
Deveriam então,sair pelas esquinas
entregando seus panfletos…
mas sabem que ninguém lhes daria atenção…
porque não sabem mentir. …
suspiram as rosas por dizer cada um de nossos nomes
sem esquecer nenhum.
Porque nasceram vestidas,alimentadas
e sem interesses…
a não ser, o de entregar-nos o seu perfume.
Assim, decidi que prefiro as rosas…
e votarei nelas e com elas, pedindo um pouco de atenção
Com certeza, não será voto perdido.
E será lindo ve-las desabrochar sem discursos
ou promessas…
***
A morte não tarda...
São as sombras que se arrastam na noite escura...
A vida que não se vive
Enquanto a dos outros adormece...
São as almas sem rumo
Que se passeiam pelo infinito
Do deserto das suas vidas... perdidas...
Fruto das escolhas malditas!...
Mais uma noite
Mais uma penitência
Mais um festejo de dor... sem amor...
E lá vou eu pela rua
Absorto... meio morto...
Vou de encontro a abismos... esquecidos...
Acho que me perdi no caminho
Não sei o que faço aqui...
Só sei que me perdi... de mim...
Avisto a morte ali ao fundo
A única certeza que me resta
Desta vida que não tenho
Perdi tudo... tudo...
Fiquei sem nada...um farrapo de gente
E ela não tarda...
aLARGA A DROGAria
Se os detergentes
Chamam clientes
Como os Continentes
Do Belmiro,
Não corras a tiro
Quem te dá o dinheiro
A ganhar!
Faz o que o Belmiro faria!
É hora de chamar empreiteiro
E fazer obras para alargar
A tua drogaria!
Tua Amante
Tu eras o rapaz da rua
O mais temido
O que ditava as leis e as horas
Horas que para alguns
Foram de morte.
Eu apenas uma rapariga de família.
Um dia
Esperaste-me á minha porta
Pediste para me acompanhares
Eu, sem te olhar, sem te responder
Segui…
Tu ficas-te…
Sempre que chegava das aulas
Sentia-te
No meu percurso até casa.
Não te via, mas sentia-te…
Mais tarde,
Passas-te a ir ao meu lado
Mas do outro lado do passeio.
Passado um mês
Esperaste-me na paragem do autocarro
Pegas-te na minha mochila
E seguíamos os dois
Em silêncio…
Os teus amigos
Olhavam-me com respeito
E com medo...medo de ti…
Muito tempo depois
E de dias seguidos de silêncio
No percurso até casa
Disseste-me
Que eu era a tua princesa
Perguntaste-me se alguma vez
Poderia vir a ser tua
Eu, trémula…
Com medo que as minhas palavras
Te ofendessem...apenas respondi…
Que eu, ou alguém
Só poderíamos ser tuas
Se deixasses a tua amante
A amante que te possuía
Todas as noites
Sem tréguas…sem descanso…
Com as lágrimas nos olhos
(sim…estes rapazes também choram)
Fizeste-me promessas
Sem fim…
Na esperança que eu
Algum dia fosse tua.
Á noite depois de estares com ela
Sentia-te muitas vezes
Debaixo da minha janela.
E de manhã
Ao acordar
Tinha o parapeito da janela
Cheio de pedras escritas
Com juras de amor…
Sim…pedras escritas…
Com juras que nunca aconteceram
Pois ela era muito mais poderosa
Fazia de ti o que queria
Amava-te na rua
E deixava-te estendido
Até acordares
Com os olhares de quem passava
Pela manhã.
Só aí te refugiavas
Só aí sentias…a vergonha.
Muitos meses se passaram
O ritual era sempre o mesmo…
Até que um dia
Deixas-te de vir ter comigo
Á paragem do autocarro
Nessa noite
Deixaste-me uma pedra
Com uma mensagem
Que dizia…
“Serás sempre a minha boneca
de porcelana…passo…olho-te…
mas não te posso tocar se não
deixarás de ser a mesma pois
as minhas mãos vão te destruir”
Nunca mais te vi…
Passaram muitos anos
E deixei de ouvir falar de ti
Mas todos os dias oiço falar nela
Da tua amante
Pois ela é a viúva amante
De muitos rapazes como tu.
A droga mais dura.
“Mostra a outra dimensão,
por caminhos menos rectos
É fonte de inspiração!”
Dizem loucos intelectos.
(Alguns dos que acabarão
Em vivos esqueletos.)
Na paixão, diz-se que é charme,
impulso de sedução.
Será que te faria amar-me,
doces beijos de carvão?
(Se ao menos fosse verdade,
mudava de opinião.)
Se ajuda a alma com chama,
mata o corpo pelo pulmão.
Se faz dizer que se ama,
ao corpo tira a tesão…
(Cada vez que o vício clama...
...mais perto fica o caixão.)
Obrigado por ler!Aproveite e visite http://olhares.aeiou.pt/MarcoMata
Imagem retirada do google.