Estava vazia a casa
Estava vazia a casa. Havia pó que denunciava os anos de solidão aos quais já se tinha habituado. Acordou mergulhada no vazio consciente da sua vida, sem planos para o resto do dia. Ainda em pijama e com a pele molhada do sono, percorreu a casa canto a canto na expectativa de encontrar um recanto confortável para pensar no seu desejo. Mas nada lhe ocorria, só pensamentos sem nexo e projectos de poemas futuros que queria escrever. Porém não havia nada estruturado, nem paradigmas pelos quais se pudesse guiar. Estava livre mas não sabia como começar a voar. Naquela altura não havia livros de instruções através dos quais pudesse pautar o seu comportamento. A iniciativa perturbava-a cada vez mais e havia a pressão como pano de fundo. A cada segundo subtraía-lhe a respiração.
Sempre que se sentia vazia e revoltada contra a sua inutilidade sabia o que fazer: ouvia musica, lia escritas antigas, via fotos de outros tempos. Porém, hoje, nem isso a fez esboçar um sorriso, porque o sentimento direccionava-se a outro azimute que não o dela.
Um novo horizonte aproximava-se e era tempo de crescer. Mas as lágrimas denunciavam sempre o seu interior de criança. Preferia rir e pensar que os problemas não passavam de brincadeiras mal sucedidas. Punha-se um penso e passado uns dias, estaria já a correr para o parque infantil mais próximo. Não entendia qual a necessidade de seguir em frente quando já se sentia em casa.
Mas naquele dia os anos já lhe pesavam, e não encontrava posição que encaixasse nos seus pedidos. Ela sempre sonhara ser um pássaro, tinha sede de liberdade. Recordo ainda as redacções que escrevia na primária – Se fosses um animal o que serias? – a resposta vinha pronta – Uma andorinha. A explicação estendia-se por breves linhas que sumariamente traduziam o seu encanto. O olhar traquina de menina não adivinhava o que estaria para vir. Sonhavas ser artista e agora nem sabes o que és.
Desespero
Infernizo-me sem porquês.
Neste tiritar desconcertado.
O caos transporta-me à loucura,
E desfaleço num profundo desespero.
Repetições incrédulas
Negações constantes
O sufoco deixa-me sem ar
E interiorizo o não querer!
Persiste um feedback ruidoso!
O eco é tão exorbitante,
Que me martiriza paulatinamente
Prendem-me as amarras
Que ambiciono libertar.
E porquê?
Por que é tão cara a Liberdade?
Neste mundo de vícios
Não haverá facilidades?
O consumismo é desmedido.
A felicidade é posta à venda.
E a vida? Terá preço?
O fatalismo que me suporta é utópico
A fulcral decisão comprime-me.
O dilema imperial impõe-se.
E eu … abraço-me
Na Esperança de um reconforto
Que por outros me foi roubado.
Nós
Levas-me pela mão no calor do momento.
Vem comigo que o tempo é efémero.
Corremos os dois nem parámos a meio.
Viajámos em mútuos abraços.
Trocámos gestos concentrados.
Provámos beijos desmedidos.
Ali te vi em teu espaço de manobra,
Aplaudido por seres quem és.
Alienado pela paixão que te embalava,
Em acordes sentidos.
E eu senti-te em uníssono.
O teu olhar sincero e dividido
Anunciou o meu estado de latência.
O ritmo elevou-te ao deslumbramento.
A música exacerbou a perfeição.
Pousaste-me a mão no rosto
Sopras-te a renascença em mim.
Só este momento importa
E segredei-te ao ouvido – Nós.
Omnipresença...
I
Vejo-te Omnipresente
Em cada lugar meu.
A euforia tentou despertar-me
Mas regressei à latência soporífera.
Fui amordaçada em protesto
E por vingança, amarguei!
Cuspiram-me com repulsa.
E sonhar? Já nem sei.
II
Sinto a voz silenciar-me o olhar
No longo percurso que me resta
Que Destino hei-de esperar?
Lês a minha sina!
Ditas a minha sentença!
Ordenas-me os passos
Praguejas, mas, sem ofensa.
Recebo o pão do Diabo
Em ânsia de me destruir
E sinto a intriga notória
Por hoje me descobrir.
III
O tempo rasteja-se em pontas
Com nojo de me conhecer
Rodeio-me de olhares reprovadores
Tenho medo de me perder…
Perco-me em ti!
És veneno…morro.
Fadiga
Nervos à flor da pele – desnudos
Eriçam-me o divino inconsciente
Da minha ignorância sabedora
Lutamos contra a maré viva da ciência
Teorizando especulações desconexas
E rangeram-me os dentes
Quis morder o cerne
Mordi antes a língua salgada
A paixão à razão morreu
Andava perdida nas teias do conhecimento
Estudava irreconhecível
E resultava em alienação perfeita!
Depois esperava ansiando a rapidez
Surpreendia-se por vezes
Num intuito sonhador resistia
Mas nunca baixou os braços
Tornou-se forte. Sabia?