OVERDOSE
As cartas expostas
Sobre minhas costas
A luz que me fustiga
Tu me amas
Vem agora, me diga
Solto pela cidade
Animal silvestre, bravio
Não sei se tenho medo
Do assaltante
Ou do frio
Sou a onça que veio do cerrado
Mal querido, mal vestido
Mal amado.
JOEL DE SÁ
SP, 26/05/2009.
OS CEGOS
Os cegos têm revólveres, carabinas, pistolas, fuzis
_São os cegos da violência
Os cegos têm arquivos, pastas, dossiês
_São os cegos da burocracia
Os cegos têm automóveis, motos,pedais, faróis, cartas de habilitação
_São os cegos do trânsito
Os cegos têm projetos, microfones, fichas, correligionários
_São os cegos do parlamento
Os cegos têm vídeos, áudios, jornais, revistas, tablóides
_São os cegos da informação
Os cegos têm pesquisas, livros, auditórios, seminários
_São os cegos da cátedra
Os cegos têm pregão, bancos, balancetes, gráficos
_São os cegos da economia
Os cegos têm pagers, e-mails, sites
_São os cegos da internet
Os cegos têm iates, latifúndios,cabanas, fome, miséria
_São os cegos da globalização.
JOEL DE SÁ
SP, 07/07/2009.
SOU NAGÔ
Sou José, João
ou Anacleto
Sou qualquer composição
Do alfabeto
Sou do raio
Do vulcão
Uma lava, um verme
Um pingo de esperma
Qualquer broto
Surgido do chão.
Fui eu
Quem provocou o big-bang
a explosão
Eu concebi a matéria
Apesar da minha tez
A melanina
Nenhum homem fez
Sou do Sudão
Sou da Nigéria.
JOEL DE SÁ
02/08/2010.
VERSAR É TE DESEJAR
Gotejante – Desvendando tuas entranhas/Como se desbrava uma jazida de opala reluzente,
Saltitante – Tuas ancas alternadamente movediças/ O vaivém me encanta, me inebria, me faz molemolente,
Umectação – Estou no teu céu, da tua boca/Eu, sonolento entre lençóis e coxas.
TUA BELEZA RARA
Oh, garotinha formosa
Permita-me contemplar tua beleza rara
Quero te encontrar bela e cheirosa
Beijar suavemente tua cara
Deixar em tuas mãos um buquê de rosa
Te fazer afeto, alimentar tua tara.
JOEL DE SÁ
UM POEMA É...
Um poema é a fumaça fedida das chaminés
É o lodo dos córregos imundos
É o esgoto que represa sob as palafitas
É o andrajo dos mendigos
É a estatueta disforme construída pelo hippie
É a fome das crianças da favela
É a desnutrição do adulto do sertão
É a estupidez do homem urbano
É a labareda incandescente que destrói o cerrado
É a motocerra zoadenta que devora a floresta.
Um poema é o motorista irritado na marginal do Tietê
Amedrontado guiando na Linha Amarela
É o camelô que foge arrastando bugingangas
É o rapa que persegue um homem
É o policial sem colete que troca tiros com bandidos
É o bandido que massacra crianças indefesas,
É o parlamentar que espreguiçaa e proclama que toda a miséria é culpa da sociedade.
JOEL DE SÁ
05/02/2008.
O AMOR
O amor é um impulso
é uma causa desmotivada e incompreensível
é o lançamento de um míssil em céu despoluído
é a bala perdida que acha o coração de um imbecil.
O amor teima em ser sábio
diz que é virtude
enuvia a verdade
se nutre da vaidade
vai aos glaciares
finge-se jovial,
desmascara o desejo
consome o desespero
corre pelos labirintos
se oculta nas dobras da criatividade
deturpando a liberdade.
O amor aborrece aos decididos
causda insônia aos intelectuais
pra driblar os experts
ele causa estardalhaço
se mascara da bondade
queima, inflama
desequilibra na partida
faz a vinda ser a ida
infla e ameaça a ternura
cria um término sem final
é egoísta, egocêntrico
sorrateiro, visceral.
É tirano, corrosivo
incompleto
mediano
é lascivo, pornográfico
fétido e leviano.
O amor é intruso
corajoso, temeroso
intrépido, impiedoso
faz o espírito onipotente
pode explicitar na mente
conjurar o inocente
acolher o indecente
repelir o transigente.
O amor ensandece
pode até enobrecer
poluir e corromper
curar e deixar doer
acolher e espantar
doer sem deixar curar
o amor é que endoidece
faz crescer, tomar poder
falar e esclarecer
emudecer e expressar.
O mesmo amor que translada
por águas turvas e revoltas
pode muito remeter
aos porões da caridade
Ser covarde, sujo e inerte
causar furor e ansiedade.
JOEL DE SÁ
17/04/2009.
A POESIA
A poesia não perde o efeito
O poema não perde o lugar
O poeta expressa um desejo
Que deixou escondido no peito
Faz o menino se encantar.
A brisa sonora grasna
Cambaleia, repica um bramido
No senso de um ente consciente
Fragmentando germina a semente
A palavra não perde o sentido.
Não assusta só traz a mensagem
Numa singela epopéia
O poeta persiste potente
Não importa se o leitor tá ausente
Dá o recado, não muda de ideia.
Escala a montanha mais alta
Pra causar muito mais sensação
O sentido é o mesmo de antes
O espírito sempre relutante
Irrequieto com a pena na mão.
A poesia não perde o efeito
O poeta não diferencia
A estrofe de num belo poema
Faz da letra pura magia.
O poema é feito de lágrimas
O poeta rabisca chorando
Medita, talvez mais que um monge
Sua mente viaja ao longe
E retorna aos trapos, suando.
A poesia nasce da pujança
Quem sabe ao meio da loucura
Contudo, se alguém a constrói
Arguto como um herói
Saboreia sua doçura.
Fazer poesia não é arte
É obstinação da alma
É ver o Dante no céu
O inferno sem fogaréu
E a guerra repleta de calma.
JOEL DE SÁ
SP, 02/07/2009.
VENHA
VENHA
ME ABRAÇA SEM FAZER ALARDE
ME ACOLHA, ME GUARDE
PERTO DO TEU UMBIGO
O BOM DE TI É VOCÊ
O TEMPO QUE EU QUERO TER
É SÓ O DE ESTAR CONTIGO.
JOEL DE SÁ
18/08/2009
ORGASMO INTERROMPIDO
Filhos antípodas
Pseudocéfalos
Pais apáticos
Alienados, esquizofrênicos
Caciques enlouquecidos
Conspurcados
Tiranos contritos
Luas eclipsadas
Lagos virulentas
Rios encolhidos
Mares pútridos.