Para ser lido amanhã
Para ser lido amanhã
Desde o dia distante em que nasci
a minha alma só, abandonada
A vida pouco ama ou quase nada
e a morte em vão busca por ti...
Ela é uma sombra que vagueia
por entre multidões sem nada ver
é uma vida que deseja morrer
é luz dum sonho que ninguém anseia
É a fogueira ardente crepitando
É o calor de fogo permanente
É luz difusa duma estrela cadente
É a brandura clara esvoaçando...
Maria Helena Amaro
Braga, 11/02/1953
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A Velha Senhora 16
- Comer? Não quero nada.
A Idalina era boa mulher. Viúva, com um filho no Brasil, vivia da terra e para a terra. Semeava e colhia. Fora a primeira pessoa que conhecera, quando chegara à aldeia meses antes.
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O Pôr do sol no mar
O Pôr do Sol no mar
Um dia fui ao pôr do sol ao mar
chorar as penas do meu peito dorido...
Eu quis contá-las, de manso, sem ruído
mas ele esquivo não me quis escutar...
Então sentei-me na areia macia
olhando o mar, azul, esverdeado
e chorei... e sofri...
Ao mar então pedi
um pouco de alegria!
Ele alegre, estouvado,
quis falar-me de amor
num tom quase encantado...
As águas verdes, claras, cor do prado
em mil rendas se quiseram tornar
para tecer um vestido de noivado
porque Sua Alteza, o Rei, ia casar!
Não aceitei, não quis
porque era amor sem lei
Não faças ninguém feliz...
Então
ele humilhado estendido no chão
ventou, sorriu e disse,
com tristeza e meiguice:
"Quem me fizera homem!"
E ao mar respondi:
"Eu gosto assim de ti,
azul, verde, cinzento
tecido de brancura
na paz ou no tormento
na luz na noite escura!"
E o mar poeta, sonhador
cantou-me um hino todo feito de Amor!
A noite tinha vindo luarenta
era a praia uma estrada cinzenta
debaixo de cristais...
Então eu disse adeus ao mar
e de novo senti no seu cantar
todas as minhas penas...
E ele meigo, um ciciar sem nome
cantou só para mim
como quem dá amor
em troca de renúncia:
"Hei de trazer nas minhas falsas ondas
um banho alegre de amorosas pombas
e um marujo alegre, sedutor...
E tu virás a visitar-me um dia
e em mim todo encontrarás amor.
Amor humano, ardente, feiticeiro
puro e transparente
tal como tu sonhaste
em tempos de menina...
E nele tu hás de encontrar a paz
e nos olhos do marujo mensageiro
verdes como o meu seio
tu hás de espelhar-te
como a alma se espelha
no meu manto de rendas
em noites de luar..."
Adeus, ó mar!
Maria Helena Amaro
16/03/1955
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Sonhos
Sonhos
Vens ter comigo na luz da madrugada
em que meus sonhos são brumas de luar...
Vens ter comigo, não prometes ficar
que a tua alma já tem outra morada.
Vens ter comigo à hora demarcada
em que me sinto só a recordar...
Vens ter comigo... És só um sopro de ar...
Uma carícia suspensa, demorada.
Vens ter comigo numa procura alada
porque me vês, tão só, abandonada.
Alma sem paz, cisne negro a cantar...
Vens ter comigo, miragem desenhada,
mapa rasgado que não informa nada.
Tu vens e vais... Continuo a sonhar!
Maria Helena Amaro
Setembro 2013.
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2016/12/sonhos.html
Insónia
Insónia
Na noite deserta
a porta fechada
a alma desperta
o corpo é balada
O corpo é balada
de sons indistintos
em crua alvorada
desperta os instintos
Insónias são sonhos
na palma da mão
São dias risonhos
que não voltarão
No baile noturno
que sono não tem
Se durmo... não durmo...
E o sono não vem...
Maria Helena Amaro
Maio, 2014
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2017/02/insonia.html
Mar
Mar
Olho o mar; o mar é meu,
perto do mar eu nasci...
numa terra, aqui, aqui...
sob um pedaço de céu...
A terra que Deus me deu,
deu-me um amor que perdi,
amor que nasceu aqui,
perto do mar que é só meu
A areia sabe de cor
essa historinha de amor,
que o mar quis festejar...!
No tempo que já morreu
tive o amor todo meu,
amor que me deu o mar...
Maria Helena Amaro
Esposende
4 de agosto de 2010
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2015/12/mar.html
Mar
Mar
Gosto do mar... Oh, se gosto!
Sempre achei o mar perfeito.
Enche de sal o meu rosto,
sem pudor e sem respeito.
Oh mar da minha verdade!
Oh mar da minha afeição!
Oh mar da minha saudade!
Oh mar do meu coração!
Quando te ouço cantar
ou gemer na baixa-mar
à procura de sereia...
Quero contigo embarcar
no mar alto naufragar
no casco de uma traineira.
ou... então...
ir prender-me mar adentro,
de velas, soltas ao vento;
no rasto de um batelão! ...
Maria Helena Amaro
Esposende, agosto 2010
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2012/07/mar.html
Presépio
Presépio
Faço um Presépio de Luz na minha casa:
Jesus, Maria, José e pouco mais!
Faltam-me os rostos doces dos meus pais.
A um anjinho cortaram-lhe uma asa.
Não ponho musgo, nem burro, nem vaquinha.
Tem um alpendre velho, carcomido:
Talvez, assim, Jesus tenha nascido…
Talvez fosse numa gruta pobrezinha.
Faço um Presépio… No teto uma estrela,
raios de luz, todos à volta dela,
sem flores, sem velas, pinheirinhos…
Olho de longe e gosto do que fiz…
Com tão pouco Jesus está feliz.
À sua volta apenas tem anjinhos.
Maria Helena Amaro
Publicado no Jornal Diário do Minho, Cultura
21 de dezembro de 2016
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/p/in-diario-do-minho.html
Pobreza
Pobreza
Eu quero um manto escuro de pobreza
para cobrir meu frio coração
Um manto sem cor e sem beleza
sem as ardências de qualquer ilusão
O manto rico que outrora usou
tecido de rubis e pedrarias
o amor o vestiu, a dor o esfarrapou
e com ele a ventura, as alegrias!
E meu coração estremecendo
na friagem do cavalgar da vida
pouco a pouco se vai esmorecendo...
Ele que outrora foi todo valor
É hoje um mendigo de erguida
buscando na vida uma escola de Amor!
Maria Helena Amaro
13/12/2015
http://mariahelenaamaro.blogspot.pt/2015/04/pobreza.html
A história do linho
A história do linho
O linho planta bela
tem a flor azulada...
(doba doba, dobadeira, doba,
não m' erices a meada...)
O linho foi semeado
de manhã, de madrugada...
Veio a chuva, deu-lhe beijos,
ficou a terra molhada...
Quando o linho é arrancado
fazem dele uma molhada...
O linho vai ser batido
com a minha mão pesada...
A água do rio há de
pô-lo da cor da nevada...
A luz do sol vai secá-lo,
enchê-lo de luz doirada...
O meu fuso vai fiá-lo,
fazer dele uma meada...
Tecedeira vai tecê-lo
no seu tear assentada...
Minha agulha vai bordá-lo
com linha toda asseada...
Olhai o linho bendito
feito toalha bordada!
(doba, doba dobadeira, doba,
não m' erices a meada)
Maria Helena Amaro
(letra de uma música sobre o linho)
1970
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