Toda uma Vida
Toda uma vida.
(Sunny)
Enquanto me angustiava na sala de espera, morrendo de fome que já durava 13 horas, nem me mexia do lugar. Na sala, ninguém falava nada e o som que se ouvia era apenas o da apresentadora bonita mostrando-nos como se faz aquele prato novo, cheio de calorias e gordura. Enquanto minha cabeça latejava, morrendo de medo do meu exame, era impossível não ver aquelas fatias de bacon, quiabo, camarão, frango, muito verde, pimenta e as mãos que aquela mulher bonita queimou, na panela, sem querer. Estranhei a ausência da cachorrinha daquela mulher, que é uma guerreira, com certeza, como eu. Fiquei imaginando como pode experimentar tantos pratos e não engordar, enquanto eu me esforço nas saladas e grelhados e a balança, que não quer conversa comigo.
Pensei na amiga de longe, que logo vai me dizer que a vela da sua mãe adorada se apagou. Acho que neste momento todos estavam olhando para mim, de mãos postas, rezando baixinho uma Ave-Maria.
E passa-se o tempo... e o meu exame, que eu tanto quero saber o que é esta pedrinha de gelo no meu estômago?
E aí, entra ela. Na frente, o marido atrás, com uma bengala. Ele sentou-se atrás de mim, quieto e assustado. Ela, ainda muito bonita, com colares e um anel enorme no dedo, fui cuidar dos papéis do exame dele. Logo, ele entrou para o seu exame e ela ficou paradinha no meio da sala.
Não sei o que ela viu em mim, mas sentou-se do meu lado. Fiquei impressionada! Ela, com 83, ele, 86. Cuida sozinha da casa, lava, passa, dá os remédios para ele nas horas certas. A filha amada foi morar em outro país, depois de uma semana que o casalzinho mudou-se do Rio de Janeiro para cá.
- O apartamento tem uma cozinha enorme, minha filha! Mas a gente come fora, então não precisamos dela. O que eu quero mesmo é dormir e sonhar com as viagens que fiz. Era tão bom...
Eu ouvia tudo, atenta ao chamado do meu nome. E que fome... e o meu celular, que nem tocou? Por que eu tenho este tijolinho no estômago?
Finalmente, depois de conhecer a Rússia, Paris e Las Vegas, deixei a doce senhora com um abraço bem gostoso.
Fiz o exame. Caí num pranto convulso quando o médico me disse que eu sou perfeita! Quando voltei, depois de lavar o rosto e ganhar mil carinhos do pessoal da clínica, a senhora que me ajudou a passar os intermináveis minutos antes do meu exame, não estava mais na sala de espera. A pedrinha de gelo do meu estômago não é nada, não...é só dorzinha de solidão.
Acabei de ouvir da minha amiga tão querida, que a velinha acesa de sua mãe se apagou.