A Solidão dos versos…
Há muito que o cigarro se lambe sozinho
Num cinzeiro moldado em tosco barro,
Onde a cinza caída é pó de pergaminho
E ao lado o vinho é resto de uva num jarro.
Há muito que o cigarro não se apaga…
É gesto quieto de versos em reverso,
É boca de ilusão com vontade amarga…
E as palavras opõem-se no controverso.
Há ácaros de solidão sobre a mesa tosca,
Um vazio sobre a cadeira há muito caída
E no copo ao abandono apenas a mosca.
Está morta a mosca! Bem bebida e afogada.
Está morto o espaço sem o catarro dos risos.
Vive o fantasma, o cigarro e a pena calada.
©Maria dos Santos Alves
Eternos serão so beijos de mar...
Abro a janela que dá para o mar e ouço-o a suspirar, o seu cheiro é intenso e o meu pensamento cede ao feitiço da noite. O meu olhar é corpo de saudade e verso de poema por declamar.
Quero-te no mais terno arfar dos silêncios para que quando de ti a minha saudade fizer eco,…todos os búzios ecoem o som do nosso (a)mar.
Navegarão barcos à vela sem âncoras nem porto, voarão as gaivotas sem vontade de à terra voltar. Deslizarão as águas fundas do meu pensamento e o nosso desejo será corpo nesse manto a velejar.
Eternos serão os beijos de mar; os abraços ternos em areia a resvalar; as melodias e os murmúrios das ondas que salvam as almas enamoradas de naufragar. São estes os meus olhos nos teus, perdidos nesse infinito a marear.
Estava escrito na rota das estrelas…que eu salgaria o mar que te cobre o corpo de sonho, e que a noite seria a brisa que sopra os ais dos nossos delírios.
Estava escrito que na melodia da noite soariam os búzios anunciando a despedida e que o mar seria lágrima sem dor deste amor de luar.
Fecho a janela e de costas para o mar, confesso-te baixinho, sim…estou a amar…
de Maria dos Santos Alves, a publicar
Vestido de chuva
E o céu veste o seu vestido de chuva
E passeia molhado por entre as ruas
Refresca os ramos das árvores…
Lava os passeios e todas as margens
Apaga a poeira dos olhos e da terra
E o meu corpo é pele e entrega nua
Saciando a sede dos lábios nas nuvens.
Maria dos Santos Alves
último voo
Morre o voo da gaivota na garganta do vento,
Desfalece, repousando nesse azul, céu e mar.
Ainda se lhe levanta o olhar branco, ao pescador,
Mas o barco passa e passa o tempo, também.
Ainda há tempo para anunciar as cores do mastro;
Acariciar os peixes que a força da fome já não engole
Regressar a terra e sobrevoar os telhados e as ruas,
Pousar de mansinho na areia e partir. Último voo.
Ainda há um sopro de vontade no ninho da falésia,
Mas seu ninho é também horizonte, outro mar,
Outro desfiladeiro, onde a luz se ergue no apagar
Lento da memória, e o corpo é transe e brisa leve.
Ficam as cores dos telhados, das fachadas das casas
Da roupa estendida, dos verdes campos, dos frutos…
Da terra molhada…e no cair das asas sobre o mar…
Eis que há sangue no engolir da espuma branca.
Maria dos Santos Alves
Grito Oculto
Não me peçam para calar esta ânsia de gritar palavras
Peçam-me para as gritar…e eu gritarei!
Libertarei toda a dor que o peito consente.
Não vos impeçam de as ouvir, de sentir e chorar.
Gritem! Gritem, também a vossa angústia,
Não finjam que não a têm, todos a temos.
Ah! Pouco me importa o que sentes, quando o sentes,
Grita! Se sufocas nessa angústia que aos poucos te mata.
Eu grito! Quanto mais não seja e se mo pedires a tua dor.
Não tens sossego, nem tempo para o fazer?
Desengana-te do tempo, o tempo é o teu tempo,
Quanto ao sossego, procura-o e encontrarás.
Chorar, também é uma forma de gritar, é um grito da alma,
Lágrimas que escorrem é dor que sara no peito.
Não consegues gritar, esqueceste-te do som que se faz?
Um, dois, três (grito), agora a tua vez, um, dois, três…
Lembraste agora? Ah! Que bem que sabe, gritar!
E agora?…Agora deitemo-nos serenamente no silêncio
Ouvimos a desgarrada das mãos que percorrem a alma
Ouvimos Mozart, Wagner, Chopin e sorrimos, talvez!
Não! Não me impeçam de gritar palavras descabidas
O Ser humano é um improviso, por isso também o é a vida.
Sim, nem sempre eu grito, por vezes choro, por vezes rio,
Por vezes sou simplesmente apática ou adormecida.
Vá, agora de alma aliviada desfrutemos da melodia,
Das paisagens amenas, dos oceanos conquistados,
Dos rios de águas calmas onde se banha a alma.
Se ainda quiseres chegar mais além, porém sorrindo,
Veste as asas ocultas que guardas no armário dos sonhos
Põe-te a voar na descoberta de outros sons e perfumes,
Sê livre, a liberdade não se compra, sonha-se e vive-se,
Tão simples como o grito em ti oculto, vivo mas oculto.
Poema inserido no livro de poesia e prosa "Grito Oculto", da Chiado Editora.
Acendi uma vela
Na ausência da luz do dia e longe da lua
Acendi uma vela e segredei com ela.
Não sei se comigo conversava
Mas a sua chama era inquieta.
Intensa a sua lavareda na noite
Onde os silêncios se cruzavam
Entre uma luz viciante e amena
E um pensamento alienado e vazio.
Que procuras alma nessa vela?
Porque lhe sorris e suspiras?
Parece ter vida dentro dela,
Canta-me serenatas, não ouves?
Esta chama não arde ausente,
Ilumina os espíritos presentes,
É com eles que converso.
Declamo-lhes poesia e esperança.
Que mais posso dizer…
Uma vez ausente das montanhas,
Dos rios e dos oceanos…
Troco olhares e conversas…
Com uma qualquer vela.
Sim eu sei…
De louco não passarei,
Mas esta noite…
Esta luz, não apagarei!
Poema do livro Grito Oculto, de Maria dos Santos ALves
Um rio poeta
Calado! Fechado entre as margens abertas,
Cerra os lábios em verbos mudos. Cansaço!
Mastiga apenas as folhas verdes do regaço,
Amando a brisa molhada nas suas palavras.
Calado! Descendo em si próprio num só abraço,
Ironia perversa! Alma revolta e águas límpidas,
Lágrimas ainda doces banhando as nuas rimas, e
Um poema prateado nascido em raios de melaço.
Terno o tempo que o navega ainda que sem velas,
Que mergulha no seu leito bradando os seus versos,
Que no seu corpo derrama histórias em aguarelas…
Calado! É este rio, silêncio ainda sem pronúncios…
Calado! É o poeta que se deixa beijar pelas asas,
Calado! Morre e renasce em beijos salgados.
Que Homem este que faz sangrar o céu que o ilumina?
Palpitam as rosas no peito de quem chora
Sangra na pele o balançar altivo do destino
E as vozes inquietas que acordam a sombra
São bocas sem língua, intenção sem hino.
Desfilam secas as víboras, veneno de sobra
Cansadas as enxadas com choro de violino
Morre de tanto pousio o povo e a sua terra
E as ruas são sangue de rosas em genocídio.
Matam-se as virgens, sobra espaço na terra
Faz-se luz celeste no céu, asas do divino…
Anjos que abraçam as crianças levadas pela guerra.
Blasfémia! Blasfémia! Destino cruel e assassino!
Que Homem este que se diz humano e se assombra?
Que diz que pensa, que sente que é genuíno!
©Maria dos Santos Alves, 25/07/2014
Silêncio de Março
Silêncio de Março
Cresce este silêncio em mim
Como se há muito tivesse partido
E regressasse agora, em Março.
Encosta-se à minha boca…
Como a andorinha recém-chegada
Que por ser verde este silêncio
se coloca, atrevida, à minha beira.
Não traz noite, nem luar…
O seu olhar trauteia azul,
Um azul… de outro lugar.
Segreda-me, à sede da manhã
Que o silêncio dos meus olhos
São aros verdes de primavera.
Ramos esguios mas floridos,
Poema de lábios doces,
Orvalho silvestre de outros lábios…
Um eterno, beijo amora.
E o azul…o azul das suas asas…
É o esvoaçar melodia
Que solta o silêncio, livre,
Do murmurar frio do mar.
Maria dos Santos Alves
O ser obtuso entre os dedos confuso…
O ser obtuso entre os dedos confuso
Estremece o papel ainda virgem…
E por entre os sonhos e papoilas
Rasgam as margens, ervas daninhas.
Todo o mar é maré vazia…
Navegaram distantes as palavras,
E até as ondas se escondem nos búzios
Onde os gritos naufragam…
sem o eco do vento.
Silêncio! Há mármore cinza nas paredes,
Vazio feito véu de olhos enclausurados,
Como se ao medo espreitassem,
Como se ao tempo se entregassem,
Como se a paisagem fosse porcelana…
E…é no silêncio…
que desbravo a terra do meu chão,
Semeando a semente da palavra incógnita,
Dos sons que um dia farão vibrar a vida,
Trucidar as ervas daninhas do caminho
E trespassar as margens agora ocultas,
Pincelando uma outra paisagem,
Talvez um outro caminho…
Maria dos Santos ALves