Poemas, frases e mensagens de mcabral

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de mcabral

Um Abraço Teu...

 
[Outrora, apeteceu-me um abraço teu.

Daqueles abraços que trazem na pele a inocência de se querer conquistar o mundo inteiro.
Nunca, quando se é criança, se deseja menos do que o mundo inteiro.
Quando se abraça, o coração sobe à epiderme da pele e todos os sentidos palpitam no limiar da nossa ânsia de querer alcançar as nuvens e forra-las de tanto (te) querer. 

Quando me abraçavas, sentia-o como se todas as constelações me fossem pertença. 
O conjunto de estrelas edificado sobre este céu, onde continuo a ver os nossos rostos refletidos e de onde me continuam a chegar os nossos abraços, permanece no mesmo sítio onde, outrora, me deste a conhecer o teu sorriso.

Eu agarrava as bonecas de rostos rosados ao modo que caminhávamos rumo ao céu. 
No trajeto, apanhávamos amoras aos molhos. Cor vermelha. Sabor doce, tão doce. 

Cada ano que passa traz-me um céu mais presente, que nos aproxima e nos edifica sob este horizonte sem fronteiras. 
Primeiramente, desenho-o em traços finos mas bem delineados com a saudade que me deixa pensar que um dia me deixarás. 
Depois, adorno-o com algumas pinceladas que carregam a força dos teus braços a prenderem-me o corpo todo. 
Olho para ele. 
Por fim, dou por mim a contemplá-lo com a admiração da criança que continuo a ser. E fico assim: a mira-lo por tanto tempo, protegendo-o para que não me fuja.

Hoje, continua a apetecer-me um abraço teu. Continua a apetecer-me envolver o meu corpo numa inocência de afetos sem igual.

Hoje, com a inocência que me resta, continuo a abraçar-te como se fosse a última vez, muito embora não conheça um último momento de um abraço. 
Um abraço é sempre o prolongamento da vida de alguém que se vai edificando sobre o nosso peito e que sobreviverá sempre connosco. 
É este o encanto que encontro nos abraços e na inocência, qual equilíbrio de afetos, consumado encontro de vidas.

Agora, ainda que imaginando-o apenas, o meu abraço concretiza-se sob a forma de magistral prolongamento da criança que sempre serei.
Agarro nas bonecas e abraço-te mais um pouco!]
 
Um Abraço Teu...

Um momento pode ser uma vida inteira...

 
[Quando éramos crianças usávamos cruzar as pernas sobre um mesmo chão e dançar sem que os nossos corpos se mexessem.
Secretamente, via os teus olhos a bailar em direção aos meus.
Eis o convite para darmos as mãos distantes, encostarmos coração com coração e dançarmos até o sol se fazer noite.
Os gatos eriçavam o pelo de contentamento ao modo que a nossa pele os percorria até à cauda.
Os pássaros interrompiam-nos o silêncio para nos seduzir com ensaiadas melodias rítmicas de sons harmoniosamente dispostos sob uma atmosfera tão perfeita quanto real.
Sempre fomos verdadeiramente invulgares nos minutos que nos percorriam as veias para se alojar na nossa memória. Sempre fomos intempestivamente (a)temporais num lugar comum que imortalizámos.
Nunca um momento dura apenas um encontro. Um momento fica em nós eternamente como quando se cai e se vê a cicatriz presa à pele para sempre.
Um momento pode ser uma vida inteira.
Hoje, com a criança que fui, sento-me sobre o mesmo chão onde tantas vezes nos sentámos. Num mesmo chão que recebeu os nossos corpos pequenos ao mesmo tempo que nos contemplávamos sem igual. Num mesmo chão onde os nossos olhos dançaram e onde os nossos corações se tocaram. Num lugar onde existimos ate o sol se fazer noite.

Este momento continua a ser a vida inteira.]
 
Um momento pode ser uma vida inteira...

A Viagem dentro do Abraço

 
[Sabes, haveria uma coisa - intensamente imensa - que me aconchegaria neste momento: encostar o meu peito ao teu e sentir um abraço nosso. Neste instante em que escrevo, sem que toque o teu peito, viajo nele. Um abraço é sempre uma viagem. Entramos no barco, deixamo-nos embalar pelas ondas subtis e distanciamo-nos do mundo. Um abraço teu é esta viagem toda. É este apartar prazerosamente envolvente do mundo inteiro.
Neste momento, sinto o teu abraço a percorrer-me toda a memória. É puro. Quase chega a ser real. Quase chego a vive-lo como se existisse barco e como se as marés nos conduzissem pelo oceano dentro.
Sabes, não estás aqui e eu, em boa verdade, trocaria até este aconchego trazido, amorosamente, pelo calor do teu corpo a preencher-me a noite inteira pela suspeita de que também possas, neste preciso instante, ter saudades de um abraço meu. Tu sabes... de um abraço que é nosso, desde o último que te dei.]
 
A Viagem dentro do Abraço

A fuga de nós mesmos

 
[Há vezes em que Eu não sou Eu. Saio de mim como se quisesse fugir de mim. Impotente, assisto-me a percorrer corredores imensos de florestas lamacentas em dias chuvosos e gélidos de Inverno. Há dias em que, de fora, me vejo a pisar folhas castanhas avermelhadas, muito ensopadas pela água da chuva, ao modo que percorro toda a coleção de palavras e de expressões faciais cravadas na minha memória. Tenho o dom de fotografar tudo para recordar tudo. Quando, saída de mim, aceito ser participante ativa do jogo da lembrança é como se os ramos, quebradiços como braços que já não conseguem dar abraços, caíssem. O corpo - semi-nu - veste-se de outros tempos. Nem os ventos nem as tempestades de sombras levarão, alguma vez, os momentos que, amorosamente fotografados, nos fizeram ser Primavera transformada em raios de sol e de luz a iluminar, com todo o esplendor, esta floresta. Hoje, é neste lugar deserto que o meu corpo, por entre as silvas e um intenso cheiro a eucalipto, se perde e, conjuntamente contigo, se volta a encontrar.]
 
A fuga de nós mesmos

Oceanos Mil

 
[ Há dias que são oceanos mil. Mil partes de água dispersas entre poças separadas por dias nenhuns. Então, há uma distância que se cria entre o som das pingas de água a bater no chão e o momento em que esse mesmo som entra pelos nossos ouvidos. Som após som. Pinga sobre pinga. Ramo entre ramo. Folha seca sobre folha. Estas frações de segundo repetidas e continuadas em que as pingas nos entram pelos ouvidos, quase molhando-nos, são pedaços de imagens que se vão edificando em torno de nós. Há figuras dispersas e histórias que se vão contando entre melodias bastante homogéneas que se ouvem de fora, cá dentro. Há imagens que são o prolongamento da chuva. Pessoas dançantes, meticulosamente mascaradas sob partes secretas de um universo algo excêntrico. O barulho dos pássaros. Hão-de aparecer. Os pássaros hão-de interromper esta melodia uniforme sobre nós. Pousados sobre os ramos húmidos das macieiras, assobiarão. De súbito, toda esta infinidade finda. Interrompe-se tudo. Esgota-se tudo. Os rostos. As pingas. A dança. A melodia.... Por agora, o fim! ]
 
Oceanos Mil

Há um rosto que é o teu nome

 
[Há um som que é o teu nome.
As palavras que o compõem são como animais sonâmbulos
Que percorrem corredores imensos de florestas lamacentas
E que deambulam pela noite como felinos famintos.

Este ruído é como o abandono da primeira infância,
Distância disforme que se cria entre o som das pingas de água a bater no chão
E o momento em que esse mesmo som entra pelos nossos ouvidos.

O teu rosto é, então, este prolongamento dançante da chuva,
Que perpetua desenhos sobre as vidraças, em jeito de poesia atemporal,
Como se fossemos harmoniosos e viçosos malmequeres de folhas cheias.

Há um som que edifica o teu nome.
Eu sou o poeta e tu és este rosto inteiro e estas palavras todas,
Histórias que se eternizam sob a forma de magistral
Prolongamento de algum lugar comum que imortalizamos.

O vento assobia entre os ramos húmidos das macieiras
Enquanto o teu rosto se ergue sobre esta mesma janela,
Onde o teu nome adquire a paz de um rosto que ocuparei.

As gotas da chuva crescem na eternidade e é como se as palavras fossem seres perfeitos
Que atravessam perpetuamente os nossos corpos,
Num lugar infinito onde as nossas partes nos partem e apartam.

Há um som que rasura o teu nome.
E as palavras, agora riscadas a giz, que compõem o teu nome inteiro
São como o silêncio de duas mãos que se afastam
E que se distanciam no tempo, sobre tempo nenhum!]
 
Há um rosto que é o teu nome

O Tempo

 
[Ser o tempo. A mesma linha ténue que nos faz coexistir no seio de coisa nenhuma.
Escolher os lugares. Encontrar dentro deles uma indescritível esperança.
Sobrevoar o céu azul e decorar o picotado das nuvens como se nunca mais as fossemos ver.
São assim as memórias: verdadeiramente atemporais. Pedaços eternos de saudade que tentamos amordaçar para não sofrer. Por isso, às vezes, grita-se! Sentimos a dor do lado esquerdo do peito a bater forte enquanto tentamos segurar a água salgada que teima em escorrer-nos pelos olhos, molhando-nos o rosto inteiro.
Tu és o lugar mais-que-perfeito de onde nunca quis sair. Agora, de fora dele, percebo que o que mais dói é tudo aquilo que não se fez. Os beijos e os abraços que gostava de te dar agora... Decorar-te o olhar dócil mais ainda. Agora, sentar-me contigo mais um pouco e olhar-te. Somente puder olhar-te e contar-te - tão simplesmente - as peripécias dos meus imensos dias. Lado-a-lado contigo, à esperara que, vendo-me sorrir para ti, sorrias comigo.
Com as mordaças na boca e com a saudade toda acorrentada ao peito, vivo numa ânsia desmedida de querer congelar o tempo e de querer congelar-te comigo dentro do tempo. E que não passe nunca esta vontade. Que eu e tu nos possamos ver a permanecer ali - sem lugar e com todo o tempo - para sempre.]
 
O Tempo

A poesia, o tempo e o amor

 
[Por detrás do mundo, há a poesia. Os versos e as estrofes que te pertencem. Este é o lugar mágico onde o poeta sobrevive. Cria-te e recria-te. Cheira-te. Abraça-te como se ali estivesses. Puxa-te mais contra o peito como se quisesse prender-te para sempre. É como se a poesia fosse esta realidade toda: um conjunto ilusório de afetos que não são mais do que letras meticulosamente desenhadas sobre folhas nenhumas.
O tempo, qual abstração de vida, não é mais do que a perda dos sentidos do lugar onde a fecunda ausência nos mata e mata. Então, eu posso ser o poeta e tu esta realidade cruelmente plantada sob estes terrenos pouco férteis que, sem permissão, te levaram de mim.
Esta mescla entre aquilo que é o poeta e aquilo que desejamos que o poeta seja é sempre a ilusão de haver alguma coisa mais que sabemos que nunca será senão a solidão daquilo queremos que seja eterno e que nunca o será. Por isso, às vezes, os pássaros choram. Soluçam. Quietam-se e abeiram-se como se fossem permanecer assim para sempre.
Do outro lado do postigo, o poeta, devolvendo-te o pensamento, cobre de tinta as páginas em branco. O papel absorvera-lha as metáforas que, agora, poderás conhecer num sem-número de curvas que perfazem letras e de letras que perfazem palavras a que o poeta se agarra, depois de se ter perdido, para Te encontrar.]
 
A poesia, o tempo e o amor

Partir com vontade de ficar

 
[Parti com vontade de ficar.
Sem que te visse os olhos, entrei neles e
todas as perguntas e todas as respostas
iam ganhando altura.
Estava tudo ali refletido,
no abrasivo brilho do teu olhar.
Então, eis que uma vaga de luz aparece.
Vejo a sombra do teu corpo a edificar-se cada vez mais.
Separa-nos por uma distância sem distância.
Depois, de longe, sem que te visse,
vi-te perto, muito perto.
O teu movimento sob uma alegria exorbitante.
Inteira. Sem tamanho.
Pensar que nunca mais sentirei frio,
é ficar sem vontade de partir.
Da próxima vez que houver vontade,
serei uma ave que regressa ao ninho
e que não partirá mais
com a vinda da Primavera.]
 
Partir com vontade de ficar

Cerro as pálpebras, encerro o Mundo

 
[Quando cerro as pálpebras, encerro o mundo.
A chuva alastra-se violentamente do lado de fora. O vento assobia agreste e baila. Puxo os lençóis e tapo o rosto. Está escuro. Tentam falar-me como se existisse. Não os percebo.
Quero ser pó neste lugar. Quero privar o meu corpo de ser transformado em alguma coisa demasiadamente vaga. Quero que a certeza nos (re)encontre e me traga a textura da tua pele como quando usava laços a segurarem-me os caracóis loiros como raios de sol.
Quando cerro as pálpebras, sinto-me a tocar nos teus pulsos. Nunca deixaste de estar comigo neste lugar onde todos os seres respiram. Não há ser que se ame e que não respire! Eu deixo que vivas aqui dentro: onde a respiração ritmada dos nossos corações é visceral vida fugosa que avança sem que a vejamos avançar.
Quando, pela manhã, a luz trespassa os lençóis e me acorda, continuo a sentir-te como se aqui - em mim - estivesses. Os meus sonhos cor de arminho são eternos como quando os teus olhos penetram nos meus olhos e nos olhamos como se nunca mais nos fossemos olhar … até que nos olhamos novamente. Até que nos aproximamos novamente. Peito com peito. Suspiro com suspiro. Pele com pele.
Quando cerro as pálpebras, é como se o mundo me encerrasse no suspiro da Terra que continua, amorosamente, a inventar-nos.]
 
Cerro as pálpebras, encerro o Mundo

Hoje, retorno para te falar outra vez...

 
[Hoje, retorno para te falar outra vez. Sem que me alongue demais ou me encurte de menos. Sem que as palavras aqui deixadas ocupem todo o silêncio que restará sempre. Hoje, quero olhar-te nos olhos. Quero penetrar nesse olhar que, amorosamente, me olha. Esta perplexidade de te ver a ver-me e de nos encontrar como quando se encontram dois amantes intempestivamente atemporais.
É esta a saudade que me ocupa toda a vontade de estar aqui e de existir num qualquer lugar.
É assim que me abeiro, a olhar-te através deste armário de letras onde se guardam palavras. Através deste lugar amplamente pequeno de onde te vejo acenar-me. Depois, do interior de ti, são as ervas e as flores cor-de-rosa-lilás que vejo brotar. Mudas. Tão silenciosas, a querer falar-me num encontro fervoroso de pele com pele. Vejo algumas pétalas secas caídas no chão e outras viçosas, plenas de exuberância à espera que, sorrindo unidas, as polvilhemos de amor.]
 
Hoje, retorno para te falar outra vez...

O teu corpo - uma celebração perfeita

 
[O Tempo, neste instante, são os dias exatos em que, com todo o meu corpo, te leio - linha por linha, poro por poro. As tuas mãos, o teu sorriso, o teu cheiro: tudo isto é parte de alguma coisa que o tempo não mata. Antes, todos os teus movimentos eram maravilhosos. Nunca fui capaz de te dizer que todos os teus movimentos eram maravilhosos. Hoje, olho-os de longe e sinto-os maravilhosos como se os visse e vivesse outra vez. Sinto-os como se eu e tu fossemos parte de uma bola de sabão adornada com as cores do arco-íris. Voássemos. Viajássemos. Caíssemos. Em uníssono, caíssemos.
Se o tempo algum dia te avisar que é o dia da despedida, por favor, nega-lhe a autoridade. Ainda que de mansinho, por favor, diz-lhe que a despedida desfaz o mundo desde o primeiro instante. As feridas abrem-se e não há bálsamo que as sare. Nunca fica tudo bem ainda que se finja estar sempre tudo bem: o corpo frígido rasga-se; os poros labirínticos fecham-se; a nossa boca não esconde tempestades rítmicas de medo e melancolia que transportam saudade, tanto silêncio.
O tempo, neste instante, são os dias exatos em que, com todo o meu corpo, te encontro: nas árvores, nos mares, nas nuvens. Encontro-te. Estás tão longe de mim, dentro de mim. Aquece-me, meu amor!]
 
O teu corpo - uma celebração perfeita

Amor em Bolas de Sabão

 
[À data do teu aniversário, é ao redor das recordações que, todos os dias, por mim passam rente aos olhos que me tento apartar. Hoje, quero ainda mais dizer-te que os lugares que são teus e só teus continuam no mesmo sítio onde os deixaste. Todos os lugares que são teus continuam a existir com o mesmo vigor e com a mesma saudade do primeiro dia. Hoje, confesso-te: não conheço outra coisa que seja mais inquietante do que a não-existência. Reconhecer-se o vazio quando tudo o que se procura é uma parte, qualquer parte, que seja inteira.
Tenho saudades das flores amarelas ao cimo da rua. Dos gatos a saltarem-lhes por cima. Recordo-me de darmos as mãos e de as colhermos como se pudessem acabar. Os teus olhos azuis, cintilavam e brilhavam ao olhar-me como se eu fosse o Mundo. Perdoa-me a coragem mas tenho de te dizer que estavas enganada. Eu nunca fui o mundo. O mundo éramos nós. O Mundo era eu e eras tu. Agora, o Mundo é só a metade. É só a metade de alguma coisa que foi tão autêntica quando eterna. Por isso, um dia, as flores amarelas voltarão a existir nas tuas mãos. Um dia, haverei de partir à tua procura ou haverás tu de voltar ao meu encontro.
À data do teu aniversário, é como se os meus lábios sentissem a tua pele tão macia. É como se aqui estivesses e fôssemos equinócios temporais surpreendentes a percorrer cada pétala das flores que vezes sem conta adornaram as jarras cá de casa.
À data do teu aniversário, como faço em todos os outros dias, encosto o meu peito ao teu coração e espero pelo momento em que o Mundo seja, novamente, inteiro. Abraço-te!]
 
Amor em Bolas de Sabão

Silêncios Indisciplinados

 
[Este silêncio que se escuta entre sons é o que mais saudade carrega. Pedaço de nada que transporta tudo. A distância. A frieza dos sentidos dispersos entre melodias nenhumas. Depois, numa profundidade tão próxima, vejo o teu rosto semi-transparente. As minhas mãos trespassam-no. Depois, o corpo inteiro. Todo o meu corpo a trespassar o teu rosto e a sobreviver no seio dele. São contornos que não começam nem acabam. Eternizam-se sob a forma de magistral prolongamento da vida. A memória enfeitiçada num retorno ao passado, entre caminhos que são finíssimas linhas de algodão cruzadas e entrecruzadas entre si. Então, envelhece-se: os ramos murchos, as folhas secas; o passadiço da vida. Nada sai impune. Não há coisa alguma que escape ao buliçoso sentido de dependência que nos acorrenta. Nesse momento, que é todo o momento e momento nenhum em simultâneo, procura-se a harmonia nos outros, qual equilíbrio de afetos que nos pode devolver a música entre mãos que se dão e dedos que se atam ao sabor do vento.]
 
Silêncios Indisciplinados

Uma História de Amor nunca morre

 
[Hoje, a mesma saudade!
A morte é uma qualquer voz que mantém o mesmo timbre regular até nos aniquilar a consciência.
A história é a única parte de mim e de ti que nunca morre. A história mantém-se sempre intacta sem que a morte tenha a coragem de a matar. A história é aquilo que de mais bonito nos une. São os olhos que lembram. Tudo começa nos olhos. No brilho subjacente à nossa loucura. É o recomeço. O sorriso aberto. A inocência de se ser tão autêntico quando verdadeiro. Nunca se lembra uma história que não seja inocente. Que não seja autenticamente embebida de grandiosa verdade.
O corredor que liga o quarto à cozinha mantém o ritmo compassado dos teus passos. Arrastavas os chinelos numa melodiosa harmonia de sons que ainda hoje se ouvem pela casa toda. A morte não é mais do que a acumulação do tempo sobre o tempo sobre o tempo. O tempo a amontoar-se. A morte a mascará-lo como se fosse carnaval o ano inteiro.
No meu mundo, o carnaval não existe. No meu mundo, o tempo não te matou!
Entreabro a porta do quarto.
Entre o silêncio, uma voz.
Firmemente, caminho em direção a ti.
Os teus olhos.
A nossa inocência.
Toda a verdade.

Chega-te a mim: abraçamo-nos!]
 
Uma História de Amor nunca morre

Uma fusão sem-fim de corpo com corpo

 
[Outrora,
Explorámos o toque de corpo com corpo como se fosse a última vez. 
Apertámo-nos bem. 
Fomos contornos da mesma pele como se alguma coisa alheia ao mundo nos houvesse fundido.
Hoje, foi o cheiro que te trouxe de volta. 
O cheiro envolto nas palavras que sempre te saíram da boca como poesia atemporal.
Um enxoval de carinhos que partilhámos e que o tempo me devolveu sob a forma de magistral prolongamento dos gestos que continuam a existir.
Fomos inteiros nas partes que nos apartaram.
Fomos iguais na semelhança das diferentes estações que nos viram amadurecer como frutos doces, tão doces.
Enquanto houver o teu cheiro,
Haver-nos-á.
Sempre!]
 
Uma fusão sem-fim de corpo com corpo

A Poesia da Infância

 
[ É como o abandono da primeira infância, esta saudade de me dizeres coisa nenhuma. Os lugares onde fomos mágicos ressoam e ecoam na eternidade das recordações que não morrerão nunca. Sinto a frescura dos momentos em que sorrimos e bailámos como se fossemos infindáveis. Sem sair do sítio, os nossos olhos tocavam-se e nós bailávamos sob melodias tão perfeitas quanto autênticas. Sinto tudo isso como quem sente o mundo inteiro a penetrar pelos poros da pele e a alojar-se ali mesmo, na epiderme, para sempre. Depois, o silêncio das lágrimas a cair e a saudade de tudo aquilo que parte. A eternidade é um lugar perene onde se fica pouco tempo. Os costumes não crescem e as vontades afastam e afastam-se cada vez mais. Então, escolho viver o destino com outra vida. Deste quarto, olhar para o mundo com ternura e acenar-lhe. Depois, com os olhos embaciados, ser capaz de dizer em voz alta tudo aquilo que gostaria de dizer aos mortos, se adivinhasse vê-los, só mais uma vez! ]
 
A Poesia da Infância