Sociedade,prostituição,sexualidade e mentalidades
Mergulho numa profunda estranheza sempre que ouço falar e penso um pouco mais demoradamente no fenómeno da prostituição e da sexualidade nos tempos modernos.passo a (tentar!) explicar.o assunto é complexo e vou deixar de fora muitos factores que seriam importantes,porque apenas pretendo escrever um texto que abra caminhos de reflexão e não discutir o assunto até à exaustão. Isso implicaria um estudo aprofundado ao nível sociológico,por exemplo, não só.
prostituição sempre existiu e para mim era como que uma consequência (algo tétrica ,mas fácilmente entendível) das estruturas sociais tal como funcionavam,reflexo que eram de uma mentalidade específica.a mulher,mãe e ou companheira,estava limitada no exercício da sua sexualidade e era alguém a quem se devia votar “respeito “e “consideração”,o que excluía a possibilidade,devido a uma série de tabus machistas ,uma vivência livre da sexualidade.para isso existiam as prostitutas que dariam azo às fantasias sexuais dos homens e eram olhadas como fonte de prazer.as prostitutas não eram olhadas como mulheres respeitáveis,mas como fornecedoras de um serviço reribuído monetáriamente.um espécie de “mal necessário” que era olhado ora com tolerância,pelos detentores desta visão do mundo machista ,ora com hipócrita recriminação pelos (muitas vezes falsos) moralistas.prostituição era também e ainda é,sintoma de dificuldades e miséria social.associada ao consumo de droga,à fome e à sobrevivência desesperada de muitos seres humanos.hoje em dia existe também a de luxo,em que pessoas se vendem para satisfazer necessidades consumistas consideradas prioritárias,reflexo de uma mentalidade igualmente bastante actual.enfim,a realidade inclui diversas nuances,algumas delas bastante desiguais,como desigual é este mundo em que vivemos.
De qualquer modo,e continuando o meu raciocínio anterior,gradualmente as mentalidades foram mudando e as mulheres foram assumindo o seu direito à vivência de uma sexualidade menos restritiva o que veio de certa forma mudar as regras do jogo.os homens aceitando na sua companheira comportamentos mais livres e vivendo isso como parte natural do seu relacionamento com elas, já não teriam,supostamente, de recorrer à prostituição para obtenção de prazer.
mas eis que o que sucede actualmente é algo bem mais complexo do que tudo isto.independentemente de ser remunerado ou não, a obtenção do prazer apenas pelo prazer,excluíndo a obrigatoriedade de relações mais íntimas ao nível emocional ou relacional passou a ser uma justificação para continuar a existir uma espécie de sub-mundo igualmente oculto ou semi-oculto, onde essas transações acontecem.nem sempre a remuneração é necessária ou acontece porque existem homens e mulheres a comungar desta nova visão das coisas que é de algum modo o reflexo de uma sociedadade imediatista,egoísta e impaciente que procura sexo e prazer sem os “inconvenientes” de outras “complicações” de cariz emocional e que rejeita qualquer tipo de compromisso ou obrigação para com o outro.
ainda enleivado de um teor machista persistente continuam-se a ouvir discursos que denominam como “putas” estas mulheres também,embora a parte monetária esteja arredada do sistema e quando o que elas fazem é exactamente o mesmo que eles fazem:procuram prazer,sexo ,no sentido mais restrito do termo.
quanto às outras (as que recebem dinheiro)continuam ainda também a existir. talvez porque assim seja para alguns homens mais clara a situação ou porque é ,ainda assim,mais simples. a mulher é ainda mais “coisificada” e mais preparada para dar prazer,sem quaisquer tipo de restrições ou limites morais e não há a “chatice” de se ter que conviver com ela noutras situações sociais o que pode causar constrangimentos e desconforto a alguns homens.mas também há as que são usadas precisamente para serem acompanhantes em eventos sociais,suprindo assim uma outra necessidade momentânea,sempre sem necessidade do estabelecimento de laços mais profundos entre os envolvidos.note-se que esta mentalidade é partilhada por algumas mulheres que agem de igual modo em relação aos homens,evidenciando o mesmíssimo tipo de comportamento.compram-nos,usam-nos,procuram apenas obter prazer,ou usar para um determinado fim. há ainda a questão dos fetiches que com umas e com outras e com uns e com outros se procuram vivenciar e o próprio acto de pagar pode ser parte de um desses fetiches.o fenómeno do swing , das experiências sádico-masoquistas,do sexo com vários parceiros etc.,encaixa perfeitamente nesta busca desenfreada pelo prazer,alheada de outros circunstancialismos humanos.
e no entanto...parece haver sobretudo uma profunda solidão que se procura manter a todo o custo,(ou da qual se pretende fugir algo artificialmente?)pela incapacidade ou falta de vontade de se estabelecer laços e de se relacionar a um nível mais profundo e global.o ser humano tem cada vez mais dificuldades em lidar com os outros e consigo mesmo ao nível emocional...mas talvez seja a minha percepção apenas.estarei a ver mal as coisas?há quem me confunda com uma moralista,com uma feminista,com uma romântica,como uma bota-de -elástico ou até com uma ingénua.digo não a tudo isso.sou um ser humano que pretendo olhar para as coisas de uma forma livre,consciente que estou de todas as visões condicionadas por esquemas mentais rígidos e assentes em teorias condicionadoras da análise dos temas em questão.sou um ser humano e gostaria de ver seres humanos a viver vidas mais felizes.procuro entender.
certo é que , não criticando ou condenando no sentido moralista do termo, apenas reflicto sobre tudo isto como observadora e participante que sou,algo atenta,do comportamento humano.volto a repetir.sinto uma enorme estranheza e alguma tristeza em relação ao modo como se vive a sexualidade em pleno século XXI.porque numa época em que cada vez mais temos consciência que o Homem é um ser que deve ser visto de forma holística,em que sabemos que físico /emocional /mental/espiritual não são elementos que trabalham separadamente,em que compreendemos que o equilibrio, depende da conjugação harmoniosa de todas estas dimensões,continuamos ,ao mesmo tempo, a separar artificialmente as coisas por compartimentos estanques no que respeita aos nossos comportamentos sociais e no que respeita à sexualidade,muito especificamente,quando esta é uma dimensão importante que deveria contribuir decisivamente para o sentimento de bem estar global do ser humano. O que observo infelizmente hoje em dia, é mais um sentimento de vazio generalizado,derivado da procura rápida do prazer e da preguiça e egoísmo que observo no estabelecimento de relações mais “inteiras”,que incluam todo o ser e não apenas as suas necessidades básicas mais imediatas ou a busca de fantasias ,fugas e compensações de algo que não é senão uma cada vez maior frustração ,insatisfação profunda e permanente solidão.
a minha também persiste.a solidão.mas talvez por me sentir como ave rara,no meio de tanto circo montado e discurso “bárbaro”.
talvez eu seja uma estrangeira no meu próprio mundo.e não pertença a nenhum país.