Aventura no Metro
O ritual repete-se diariamente, o mesmo trajecto, a mesma viagem, só mudam os odores. As caras também se repetem, quase sempre as mesmas. Raramente se vê alguém sorrir. As caras fechadas, impenetráveis, são uma constante a que já estou habituado, ou não fosse este um país de gente que se julga superior aos outros. Sigo viagem sentado à janela, lendo como habitualmente. As minhas companhias perfeitas são, o jornal diário, os meus livros e o mp4.
Reparo em duas senhoras, uma sentada ao meu lado e a outra em frente. Os odores à minha volta mudam de repente, uma mistura de peixe cru, fora de prazo, e suor de quinze dias pairam no ar. Falam do dia-a-dia em voz alta e fazendo gestos com os braços, com as mãos, pernas, cabeça e tudo o mais... como é típico em Portugal. Sou obrigado a ouvir mesmo não querendo, tal é o volume do som e da conversa. Ainda pensei pedir-lhes educadamente: " Por favor minhas senhoras, não se importam de baixar o volume? E já agora podiam evitar o gesticular dos braços? É que o odor que vos sai dos sovacos cola-se às minhas narinas. Ah…E por favor, fechem as pernas por causa das moscas! Muito agradecido". Mas não sou capaz. Fico calado a olhar para as guelras de um carapau amanhado pendurado no avental de uma das senhoras.
Olho lá para fora, não consigo concentrar-me no livro.
A conversa das Marias continua. Dizem mal de gente que não está presente, (mais uma nobre característica dos portugueses) , e assim tomo conhecimento da vida de mais de uma dúzia de pessoas, que moram no meu quarteirão.
- Sabias que a filha da Chica abortou?
- Meu Deus, não me digas!!!
- É verdade mulher, até eu fiquei parva!
"Pronto... Vai começar a discussão sobre o aborto, só me faltava esta", pensei. As moralistas continuam a acusar quem aborta, e blá blá blá…Nesse preciso momento, uma delas, olha-me de esguelha como se estivesse à espera de um comentário meu para poder cair–me em cima, de certeza, e não tardou:
- Desculpe, o senhor não acha mal que se aborte assim de qualquer maneira, só porque sim?
Respondo-lhe:
- Eu não acho nada minha senhora. Desde que não abortem para cima de mim, está tudo bem!
Faz-se um breve silêncio, olham uma para a outra. Felizmente a seguinte paragem é a minha. Peço licença, e saio apressado ao mesmo tempo que um sujeito, sentado num banco lateral, sorri e diz:
- Boa!
Sinceramente, acho que desta vez me livrei de "boa"!
(Toze Ribeiro)
Todas as Noites...
- Todas as noites, à mesma hora, na mesma estação. Eu sentado na ponta do banco junto à paragem, e tu na outra ponta. Não nos conhecemos. Não nos falamos. Casualmente trocamos o olhar, um olhar muito breve, apenas para para nos certificarmos de que o outro está ali, sentado, na ponta do banco junto à paragem, à mesma hora de todas as noites. Dirás: “preciso de te saber ali” eu direi: “precisamos de nos saber ali”. Aguardamos o mesmo Metro. Procuras sempre a primeira carruagem, sentas-te na segunda fila do lado esquerdo junto à janela. Já reparaste que procuro sempre a primeira carruagem, e que me sento sempre na segunda fila do lado direito junto à janela ? Acredito que sim. Gosto de pensar que sim. Ambos os bancos sempre livres, como se estivessem reservados para nós, engraçado. Seguimos viagem. Sabias que de tanto te olhar aprendi o teu rosto ? Terás aprendido o meu ?
- A tua estação chega sempre mais cedo, eu prossigo mais 12 paragens até chegar ao meu destino, mas isso tu não sabes ! Sempre que sais deves ficar a pensar qual será a minha estação. Um dia se te deixares ir até ao fim da linha, ficarás a saber.
- Sentado na ponta do banco junto à paragem, à mesma hora de todas as noites, na mesma estação, e tu, há dez noites que não apareces, sim, são dez. Eu a procurar-te na outra ponta do banco, e a não te ver, eu à espera do (nosso) Metro, sozinho, eu a entrar na (nossa) primeira carruagem, a sentar-me no sítio de sempre, a olhar para o teu banco desocupado onde todas as noites aprendi um pouco do teu rosto, eu a olhar a estação em que sais sempre, e tu sem sair porque não estás, e eu a dizer-te sem que ouças (como sempre) “Até amanhã” e eu, mais 12 paragens.
- Amanhã e sempre, procurar-te-ei na ponta do banco junto à paragem, até que o Metro chegue...
Toze Ribeiro
Tão pouco...
mas se tudo
é isto
então
é tão pouco
e o resto
que falta
nem chega
para se chamar
esperança
O Rochedo
Escuto e observo em silêncio...
As ondas que se quebram, mil vezes !
É admirável a paciência infinita do rochedo...
(Toze Ribeiro)
Que importa ?
Que importa que faça sol ou não
Que importa que as horas passem
Que importa que eu acorde...sem ser a teu lado
Que importa se a chuva cai
Que importa se já não és minha
Que importa se já nada sinto
Que importa se já nem lágrimas tenho
Que importa que já não me ames
Que importa se sem forças fique
Que importa que a dor não passe
Que importa que a mágoa me mate
Que importa o que eu vivi ?
Que importa o que eu passei ?
Seguimos caminhos diferentes
levámos um pouco, um do outro
Sei que te importa... que eu esteja bem
Eu só me importo... de não te ter
(Toze Ribeiro)
Sempre/Nada/Tudo/Mesmo
-----------Sempre...
------------------os mesmos rostos
---------------------------os mesmos nãos !
---------Sempre eu aqui
--------------------Sempre tu aí...
------------------------------nem sempre os mesmos ais
--os mesmos gestos
----------Sempre Tudo
---Sempre o mesmo Nada...
-----------------------------o mesmo dizer
----------------Sempre o mesmo sentir...
-------------------------------Passos que não meus,
----------sempre os mesmos
-----a pisar-me !
----------------------Sempre a mesma estrada
-----------------------------------o mesmo caminho...
----deixar------- pensar----------- seguir
ir ir ir...
-----------------Sempre os mesmos dias
----------------o mesmo ninguém
...sempre eu
-------------------------Parar...
-------------Gritar- -------------------Não
-----------Inventar uma partida
----------------------------...para regressar !
-----Ninguém sabe de nada , nada, nada...
-----------Sempre Nada...
-------------------------------Tudo...
------------------------------------Mesmo...
(Toze Ribeiro)
Perdemo-nos...
Porque é que eu não disse nada ?
Porque é que ela não disse nada ?
Porque é que não dissemos nada !?
(Perdemo-nos...sem nunca nos termos tido)
Toze Ribeiro
O Medo
Todos temos Medo.
Tudo nos mete Medo.
Crescemos e vivemos na sociedade do Medo.
Os políticos metem-nos Medo com as promessas.
Os patrões metem-nos Medo, com os despedimentos.
Os Amantes metem-nos Medo com as chantagens.
Temos Medo porque nos estranhamos a nós próprios.
Temos Medo porque estranhamos os outros.
Ter Medo é uma defesa inconsciente !
Espero... (Sophia e eu)
"Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda."
(Sophia de Mello Breyner)
Haja o que houver...
eu espero por ti.
Mas volta depressa !
Os dias lá se vão...
Não sei contar os quantos,
que ainda hão-de vir.
E passam com eles,
os minutos em marcha lenta...
dolorosamente lenta.
Espero por ti
Espero de ti uma...
fantástica vinda !
(Toze Ribeiro)
Momento
A noite ainda não é noite
o dia já não é dia
do outro lado do horizonte
um repouso que se anuncia.
Retenho a memória viva
deste instante presente...
nesta suave melancolia
que já é passado...Nostalgia.
Toda a tranquilidade do Mundo...como fundo.
Gaivota sentinela
de vigília à água escura...
na serenidade do azul
um bailado singular
cheio de harmonia !
Um momento de vida, luz, e calma...
Estas nuvens, que me sobrevoam
são poemas aéreos...
sonhos que todos nós temos,
a ecoar na imensidão!
Amem o momento,
Silenciosamente...
(Toze Ribeiro)