Besame Mucho
Absorvo-te.
O deslizar das tuas
mãos pelo solfejo da
pele que
desenha horizontes
inatingíveis
na memória das
tardes,
soletradas de trás para
a frente
para ninguém entender
os desenhos
que te faço
sem entrelinhas
de vida
dispersa e incompreensível
quando fujo de tudo
à pressa sem olhar
para ficar só
com a imaginação
distante do olhar
que me basta.
Desassossego
de palavras
onde mulheres
se teimam em rever na
Lua
que não podem ser.
Something Cool
O lençol branco
cobre o ombro
morno de veludo
na tarde fria de verão
abrindo o olhar
que repousa
no rosto
meio adormecido.
Por entre carícias
no cabelo acalmam
as vozes o corpo
no restauro dos
dias longos
quando os gritos
são tudo o que
resta para não
cair na indiferença.
Importa o silêncio
do entendimento
da respiração
quando o corpo
se desliga em dois
descolado pela força
de um cansaço
que demora a chegar.
Revejo-me no amor
que repito contigo.
Quando te quero,
o mundo vai acabar
e temos de amar-nos
mil horas seguidas.
Porque está escrito
no calendário que
viveremos felizes
até ao fim
e tenho de viver
uma vida numa tarde
de verão, fria,
contigo,
numa varanda
sobre o mar.
As pernas dobradas
ao meu colo
no sofá de veludo
coberto com
manuscritos
onde pintas
os nossos sonhos
de palavras
coloridas.
Casa de banho,
sofá, televisão,
computador,
o livro de poesia,
o gato Gastão.
O cinzeiro que não usamos,
a mesa, a cozinha,
um chuveiro e pouco mais.
Café só para mim,
frio, sem açúcar.
LapTop para anotar
a inquietação, regressos
e partidas
desesperos e despedidas.
Esquecer a internet,
visitar a exposição,
fotografar um edifício
coberto com um manto
branco de luz
e lembrar o lençol
que reveste o teu
corpo quando se
desliga em dois.
na sinfonia
de violinos
irrequietos
que paganinam
em
acordes de prata.
Os títulos seguem os títulos das músicas utilizadas para ilustrar o binómio palavras/fotografia no contexto original
Crystal Silence
Rosto sobre rosto
respira o calendário
e a lua cheia
envolta nas marcas
do desassossego
pintado a fresco
sob as confissões
desejadas sem receio
no cruzar de pernas
indiferença e relógios
de parede
ritmos e balanços
gritos certos
músicas e mãos
também certas
na cama errada.
Luz inquieta e finita
voz e palavras
cheiros e cabelos
soltos e húmidos
memória e
mãos a deslizar
pelas costas
transformadas em rampa
do arrepio
corpo acima
na noite sem sono
de movimentos de ancas
anunciados, guardados
esperados ou desesperados
sem remédio.
anéis da loucura
sem certeza e a
paz no abandono
das mortes que partilho
para descansar o medo.
Jazz Series
Chick Corea
What That One Does
Respiro em círculo
os lábios a um milímetro
da pele, solta
branca, sem frio.
Falas ou respiras?
Quando dizes:
gostei tanto de te ouvir
que acho que escrevi
para a tua voz
Repetes no escuro
envolvida num passo de dança
desconhecido
até porque é noite e
não te vejo, apenas te sinto
a esvoaçar como sempre
sobre o meu corpo
no espaço iluminado
por velas imaginárias
na realidade dos
olhos vendados
com veludo de
sentir mais.
Para sempre enquanto dure
Tão forte, tão intenso
diz-me de uma forma
que só eu ouço
vai ser eterno
enquanto EU durar.
Paro
tenho de te olhar
para as palavras
para saber que falas
com a língua entre dentes
sem mentiras nem
falsos ícones alados
mal sonhados e incompletos
o teu rosto, fonte de todas
as certezas
falta de jeito para esperar
os dedos que amachucam
a pele, sem querer
repetindo em silêncio
promete que eu dou
Wim Mertens
Apanha o cabelo
Apanha o teu cabelo
Quero ver-te mergulhar
De frente, experiente,
No meu corpo vibrante.
Cereja és, vermelha, doce
E suculenta da paixão que
Extraio do teu corpo
Em pequenos movimentos
De língua, penetrante.
Ocupa a minha imaginação que
Não tem principio nem fim
E percorre no sentido inverso
O caminho do meu corpo
Sem nada para contar.
Os meus gestos
Foram inventados
Para te sentir
Os meus lábios
Movem-se só
Para te descobrir.
Segue o trajecto
Do meu corpo que
Desliza ameno num
Só movimento sobre
O teu, semeando
O calor que nos
Há-de fazer partir.
Destapo-te dos sonhos
Que realizas às escuras
Só para te encontrar.
E arranco de um
só movimento
Os lençóis de esperança
Que te fazem querer
Ficar e não ter de partir.
Smoke Gets Into Your Eyes
Entretenho-me
(às vezes)
a carimbar
fotos que não uso
e passam-me ao largo
os trejeitos do teu corpo,
inquieto, com os aromas
da primavera e o chilrear
dos mil pássaros que
desperdiçam o seu voo
em bandos, sempre iguais,
perfurando os ares
espessos numa agitação
de braços sem dedos,
silenciosos e descritivos.
De passagem,
ficam os ruídos que
fazemos ao tentar
segurar as miragens,
migalhas com que
alimentamos movimentos
das ancas e
palavras com que
elegemos democraticamente
a cor dos
cortinados novos,
ao vento, como
palavras soltas pelo ar,
num vai e vem
de pedaços doces,
chocolate, prazer e
contradição, flores e
cheiros, aromas.
Alfazema, açucena e jasmim,
mil brisas sem direcção,
suor ou imaginação
dias a fio.
Piano & Jazz
Thelonious Monk
Unforgetable
I
Ouve bem o que te escrevo
porque ando há tanto tempo
a juntar palavras para te dar
Como se nelas houvesse algo
de precioso ou que não pudesses
perder de novo, ainda mais.
Mas tu perdes todas as palavras
mesmo as que te caiem no
peito soltas e sem maldade
repetidas nessa exaustão que as
torna vulgares à vista dos
amores divididos,
Só porque não são ouvidas
sentidas, estimadas, tratadas,
consideradas, amadas....
Mas palavras - já to disse -
não tiram o sono aos sentimentos
que iluminamos em silêncio
quando fazemos amor.
Porque nos teus actos de amante
do desespero, sobra uma luz
que não brilha desviada por
estremecimentos de corpos
divididos e amachucados onde
já não está o teu reflexo, outrora
cheio de uma sombra de mim.
Não lamento amor.
Não te deixo tão pouco secar
as palavras que tenho para
dividir contigo no sussurro
que planeamos em segredo.
Antes que se peguem à tinta
das atitudes arrebatadas
que deixam marcas indeléveis
e frias de paixão irrepetível
e para sempre perdida em
gestos de amizade intencionais.
Não quero dar-te apenas palavras
Quero também o silêncio do
roçar de pele e das respirações
misturadas, inesperadas, originais
como são os actos de amor que
dividimos constantemente.
Será que tenho de continuar
a adiar palavras que nunca te direi?
E vaguear pelas noites aproximando
o desespero de não te ter,
com a certeza de te perder?
II
Invade-me a vontade de permanecer
nos olhares das mulheres que
vomitam, de olhos amarelos e
ideias fixas, abandonadas
pelo amor que não sei-dar.
A minha caneta secou e escrevo
com os contornos da imaginação
coisas lentas, sombreadas
olhares de maldade que disfarço
quando não estou sozinho.
Pétalas das rosas e agulhas do
pinheiro, o ciclo do carbono.
Percurso, luzes e notas soltas
caminhos onde aguardo o sorriso
com covinhas, de ver chegar
sem controlar a velocidade
do carro automático.
O lixo que varro da minha cabeça
a rede que não sou,a noite que
espero deitado nas horas
vazias das tuas ausências,
pernas finas, rabo grande,
peito lindo, desassossego,
mãos feitas para te agitar
os seios, imaginação e as
mesmas notas soltas de
branquear as emoções e
mentiras passadas com pontapés
de palavras, atiradas no vazio
dos corpos na
horizontal.
III
Vertical.
Agora sou vertical
não minto.
Minto, para uma mulher
com cheiro, porque adoro
cheiros e me perco nos caminhos
da tua acidez de palavras e movimentos.
Escuto o teu corpo em silêncio
e mexo-me para não o perturbar,
desligo o sentir quando estás perto
para não ver a luz que o mar solta
quando escurece, noctilucas
que me seguem na corrente de
música, estigmas, percurso
energias e tu, quando atiras os
olhares e abres a cortina das emoções
sob o meu corpo ansioso
para adormecer no nosso cansaço.
Ciclo das palavras, sementes, cheiros
que se cumprem em cada fonte de água
no deserto sem duvidas, onde vives.
Ora, eu sou uma dúvida, que gasta
as tuas energias, não sabes onde estou e
gastas-te a segurar-me
para que não pule no vazio
onde mãos de unhas pintadas me puxam
para os lábios onde mato a sede
quando estou só.
World Music
Nat King Cole & Natalie Cole
My Wonder Moon
Corre, sem noite no olhar
pelos sentidos fora
reparando nos beijos
que se perdem no dilúvio
das (des)ilusões
quase inéditas, palpitantes
eternas, secundadas
por pontapés nas pedras
fotografadas em câmara
muito lenta, desassossegada
pelo barulho dos rios
onde molho os pés descalços
cansados de caminhar.
Visões de pequenos
escravos, sem pátria
escavando inadvertidamente
com seus passos em falso
covinhas no teu rosto
para deixar o
sorriso de depois
surgir mesmo devagar
antes de adormecer
todos os segredos
por detrás dos
costumes praticados
recusados, com fervor
à hora de ponta.
Quando se abre a
porta de saída por
onde acabaste de
entrar, cansada
de bater as asas
ao tentar fugir da chama
com que te atraio
em Junho, ao luar.
Choca o calor
desse farol infinito
que anuncia a primavera
por descobrir.
Mas, afinal o mar
não existe, nem
por baixo os peixes
de cor prata rasam
o fundo a caminho
da superfície.
Sabiamente
são sempre de
cores inesperadas
e nunca nadam
no sentido inverso nem
perto dos ventos
da manhã onde
as montanhas risonhas
que encolhem a olhos
vistos, além onde
se sobe para destrinçar
ao longe as desilusões
experimentais
que tocamos com
a ponta dos dedos
em forma de p-e-n-a
para ter a certeza
que encolhem quando
nos aproximamos
agitando os sonhos
que não vejo
porque estou no meio
do desassossego
que não quero
só para mim.
Hands On Approach
Dichotomy
Como caiem todas as coisas
que são atiradas sem olhar
para trás do campo de visão
sonhos, casas e corpos?
Sujei uma série de palavras
mal intencionadas, sem ter
onde pousar, com duas ou três
sementes de lama
que se hão-de transformar
em belas verdades
quando crescerem, mais tarde
sentadas nos joelhos
de um velho pensador
de silêncios de bailarinas
mãos soltas , atitude e pas de deux
que, à sombra desse alpendre
de uma casa longe
da imaginação de muitas
letras antes, desmonta
tricots de intrigas
maledicências de pendurar
atrás da porta nos dias
de nevoeiro que cercam
os tais ventos
onde fixamos
sonhos para ficarem
levezinhos até podermos
fugir com eles.
Diz menina, se sabes
para onde correm os barcos
(do poema anterior?)
que se perdem da vista
antes de caírem, sem remédio
no precipício além do horizonte
de janelas abertas
e sem destino.
Onde os lençóis amachucados
são de lavar à mão
cobertos que estão
de vida e ansiedade, espiritual
inacabada, do sono
das noites cúmplices passadas
no silêncio com altos
e baixos de arrancar pela raiz
ao encostar os ombros
sem tocar o corpo
dançando nos olhares em redor
irrequietos e mudos, que
esperam elogios sacados
de surpresa a pessoas
estranhas que contemplam
o meu interior à procura
da música de Debussy.
Agora vou, tenho de preencher
a solidão dos cabelos que não se
alisam sozinhos mesmo que
as memórias feitas
peçam com muito cuidado.
Michel Camilo
Sentidos Proibidos
Ouço o som leve
que a tua mão
matinal
soletra
ao pousar no
meu corpo,
descansado,
inerte,
enquanto absorves
as gotículas
que sobram do
festejo do amor.
O teu olhar diz-me
quando insistes em
usar a palavra
mentira e desvio
os olhos para não
ver a fuga que
desenhas em cada
minuto do silêncio
que empurras
para mim.
Não discuto mais
essa definição
para a qual gosto
de inventar camuflagens
de edredons que
possam disfarçar desejos
e encobri-los
dos olhos desse mundo,
que vigia todos
os que passeiam de
mão dada por
caminhos de sentido
proibido.
Não descanso,
enquanto as palavras
se tornam
desnecessárias,
afundadas,
em lamentos de
frases vigiadas.
A estranheza
tempera com nervosismo
a tua voz e
reflecte-se na cor
da musica que
os teus passos
trauteiam discretos,
pelos caminhos onde
nos encontramos
às escondidas.
E vou cortando em
fragmentos de segundo
os pedaços do tempo
que demoro a fixar
o recorte do teu rosto.