Poemas, frases e mensagens de heberaguiar

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de heberaguiar

Carta a minha consciência

 
Queria poder começar chamando-a de querida, mas não sei se és mesmo querida. Se é, quando é, a amo, mas são poucas as vezes que a amo: odeio-a quase sempre. Que digam o que quiserem os que esta lerem. Pode parecer ridículo proferir-lhe essas declarações, afinal, onde já se viu alguém escrever carta para sua própria consciência? Ah, sim! Mas você não é qualquer consciência: é a minha tão cara consciência!

Você é a maior e a pior perseguição possível de se encontrar. Comigo não foi diferente. Quero me livrar de você, mas como isso é possível? Morrendo? Morrer não quero, embora tenha vivido todos esses anos, e a única certeza que tenho é a de minha morte. A maior pergunta nessa certeza é se quando de minha morte vou continuar com você falando-me aos ouvidos “faça isto, faça aquilo”. Será você uma consciência eterna? Deus queira que não seja eterna e que nossa relação acabe-se aqui mesmo. Basta nossa parceria nessa vida.

Quando nasci meu primeiro choro foi culpa sua. Foi então que percebi que já não estava naquele lugar tão confortável e agradável. Tive consciência de que estava em outro mundo. Era essa a primeira liçãozinha dos milhares que me daria depois, e das quais agradeço poucas. Desculpe-me por demonstrar tanto ódio e pouco amor ao seu auxílio nesses tantos anos. É que na verdade tenho tido a impressão de que minha vida seria melhor sem seus palpites. Não me refiro àqueles momentos que você me tirou das maiores dificuldades; sem sua ajuda eu estaria numa situação mais complicada hoje fazendo, vai saber o quê e onde, mas com certeza não estaria gozando a vida como a gozo.

Ah, seus conselhos! Segui-os tão à risca e hoje percebo que poderia ter feito diferente. Não ouvi minha opinião nunca. Sempre fora sua opinião. E sempre que não queria sua opinião nem a minha, e me dirigia a outra pessoa em busca de outra opinião, a última coisa que ouvia depois dos conselhos era: “siga o que sua consciência mandar”. Veja bem, sua ingrata! Foi isso que fiz. Você enfeitiçou todo mundo para que sempre mandassem eu ouvi-la? Por que fez isso? Como fez isso?

Você sempre se saiu como a certinha da história. É impossível encontrar algum erro de sua parte. Já eu, nunca tive mérito em meus atos. Todos os méritos sempre são dirigidos a você, pois sempre dizem que eu agi com consciência. Se sigo seus conselhos e o resultado final não é dos melhores, logo me dizem que agi sem consciência: você nunca tem culpa de nada, por isso chega de ser bonzinho e levar toda a culpa.

De uma coisa tenho certeza: Você é a consciência mais sem consciência que é possível existir. Como pode uma consciência ingrata como você não ter consciência de que me perturba e me deixa com a consciência tão pesada diante de suas perturbações?

Quero lhe pedir que acabemos nossos laços e que procuremos um jeito de fazer isso de modo que nos separemos o mais rápido possível. Quero viver somente com minhas opiniões. Preciso de liberdade para decidir por onde caminhar e o que seguir sem ter de contar com seu auxílio. Não preciso de consciência nenhuma que me dê ordens, dizer o que devo e o que não devo fazer. Quero viver sem consciência de que vivo, talvez assim sofra menos, porque essa consciência é dura.

Espero que essa carta faça você refletir sobre todos esses pontos e perceba o que está fazendo comigo. Não me arrependo do que lhe relato aqui nem nunca me arrependerei. Mas quero que você, ao ler minha angústia, se doa. Que doa sua consciência, consciência! Quero que se arda, se queime. Você não conseguirá fazer com que eu reveja minhas decisões como fez com Raskólhnikov de Dostoievski. Serei mais firme que ele. Portanto, deixe-me em paz e não mais me siga.

Fique bem... Longe de mim.

Do seu desgosto eterno:

José Heber de Souza Aguiar
 
Carta a minha consciência

Pego-me posto, de repente

 
pego-me posto, de repente
nesta tão antiga e velha jaula
onde esta minha alma
vive tão presa, assim

sofro encolhido nesta masmorra
minha vida fora lançada à sorte
põe-se mais perto do outono minha morte
e nenhuma fruta vermelha aportou em mim

ah, viver aqui e não viver aí
onde meu passo é raso e não, nunca
(vive) o ser que mesmo sem saber não se pergunta
se é um anjo antigo, um deus morto, um querubim

à toa chuto meu chão, meu pisar, meu fel
mas nem eu me encontro quando me procuro;
sou aquela vespa posta atrás do verde muro
que impede que eu veja um triste fim?
 
Pego-me posto, de repente

Frustração

 
na solidão de teu seio
a razão do teu insulto:
“afaste-se diabo, tonto, feio
besta morta, alma tosca, vulto”

na ilusão de teu sonho
o teu amor astuto:
“abraça-me amante, lambe-me o seio
anjo tenro, amor eterno onde exulto”

na comunhão com teu receio
(ao que lhe digo) o ódio mútuo:
“abranda-me a alma, partida ao meio
por seu pobre amor sem fruto”
 
Frustração

Se

 
se ser é ter
não sou
 
Se

Prometeico

 
queria poder apertar-te ao meu peito
para sentires o calor que me esquenta o corpo
à noite quando declino meu corpo
em minha lúgubre cama e deito

de tristeza e solidão é que sou feito
minha fragilidade intranqüila expressa-se na cama
quando penso sem parar em ti, e, na própria cama
durmo e sonho com teu meigo jeito

meus sonhos são curtos e meu mundo estreito
acordo e penso que és a mais pura santa
vejo só em ti a pureza de uma santa
e peço a Deus perdão por meu infame desrespeito

nas noites melancólicas torno-me vulgar sujeito
perco-me na impureza de meu corpo num teu pensamento
fujo da minha moral, do meu pudor e do pensamento
que guardo de mim: sou, então, constantemente desfeito

como um limitado, não compreendo o efeito
de minha mudança como da água ao vinho
para esquecer o que sou deleito-me no vinho
só no dia seguinte é que outra vez me aceito

escondo o ser sensível que há em mim, sempre me enfeito
pois ser fraco, frágil, mostrar como sou
expressar-me nessa vida não posso, e o que sou
fica na ingenuidade de quem me tem por perfeito

viver entre a vagina e a cruz é o que rejeito
de um dilema moral é que sou constituído
e assim vivo, tão mal constituído
sobrevivendo a esse sofrimento prometeico
 
Prometeico

Eu conheço a hora

 
eu conheço a hora
do teu sono
eu conheço a orgia
do teu sonho
eu conheço a eira do teu giro
eu conheço a beira
do teu mundo
 
Eu conheço a hora