Meu coração
Ah coração, infeliz...
Mais um vez vamos
A sofrer do amor os danos
Por que teimo em ouvir o que diz?!
Ah coração, doente...
Por que gostas tanto de doer
Sabes que o fim do amar é sofrer
Te esqueces de outrora, não sente?
Ah coração, meu...
Vá, vá com cuidado,
Diziam que tu serias amado,
E te esqueces donde morreu?
Encetar
Dar-se ao gesto intensidade
Dar-se a dor do amor atendado
Dar-se o riso sem maldade
Quando se vê o ser apaixonado
Dar-se a vida o sentido
Faz-se a dor esquecimento
Se refaz o então partido
Dar-se á alma contentamento
Imprime, ser ao dar-se n'outro ser
E por pouco se ri, se o encontrar
Assim se vai, razão, e para tal mistério
Chamaram os Deuses de: Amar
Voou-me
Voou-me um pássaro da lembrança por entre a fresta
Da gaiola vida, que entortas no ventar, penitência
Desde então, a gaiola, para nada mais presta
E vive cheia de falta cantarolando tua ausência.
Voou-me um pássaro da lembrança amada
E agora foge, nem sequer me lembro o nome,
A canção amena, diariamente por ele cantada
Lembro apenas como búlicio, da memória some.
Por ser ausente, se esvai a Felicidade, me voa alada.
Voou-me um pássaro, que me faz agora sofredor
Deixará a gaiola, rapidamente sem marcas,
E ainda que as penas me sejam farpas,
Sinto falta, chamo o pássaro: Vem amor.
Lembranças
És lembrança, amena
Todos os dias, poisas
Por sobre um pensamento
No banco, no jardim das lembranças
Vários pássaros pairam,
Crianças, momentos brincam
Ao redor do lago, reluzente,
Do esquecimento...
Aos poucos, alguns,
O vão adentrando,
Se esvaindo, um a um.
As flores de riso,
Os pássaros, as crianças,
Os raios, do sol, despontados.
Cai a noite, chegam as estrelas,
E lá se vão, sobre o lago,
A lua se debruça e descansa,
Já não canta, não voa, os pássaros.
E no lago, mais uma gota se derrama,
De desgosto, dado a tristeza,
As águas não inundam,
Mas também não cessam.
Lá se vai, mais uma lembrança,
Cá ficas, Tu, mais um poema,
Que pinta, desesperança.
Inquietação
Dentro de um ser,
Um tanto arfo,
Por ser, caminheiro,
Habita uma alma,
Cheia de pena,
E graça.
A mesma,
que teima em ter,
Aquele,
Que não se faz farto,
Que não se dá costumeiro,
Habita n'alma a falta,
Que engrena,
Adentro, sob,
Aquele que não se enlaça.
Diz-me
-Por que não me amas?
Pergunta-me um a voz ausente.
Teu egoísmo é que te engana.
Diz-me isso, o que chamam de presente.
Antônio Logrado (heterônimo de Junior A.)
Passiflora
Falta-me tudo, o mundo
Nesta tediosa noite
Que se enreda, sobre as almas
Num martírio, sobre as águas
Mal respiro, m'é açoite
O pensar, naquela tarde
Onde fora, o caminho
Dos meus passos, o destino,
Longa são as cartas,
E em noites se perpassam os dias
Apenas para me recordar
Do quão sofredor
Me é a falta,
Em que falta,
Falta amor.
Antônio Logrado (heterônimo de Junior A.)
Os versos
Por vezes,
Espreito alguns versos
Que não são meus,
Cobiço-os,
e percebo, neles
Me são confessos
Mas deles não posso
E nem vou me avultar,
Por isso desejo eu
Não ter nome, nem letra
Queria ser apenas poema,
Para que em mim
Fosse ao perpassar do tempo
O preço, sem gorjeta.
É assim, sempre
É sempre assim,
As razões que fazem uma alma chorar,
Não se faz em sons,
Apenas num dia, num calar,
Que se perdura, e insiste
Em maltratar, o coração,
Que intentou, num acerto,
Que se deu, em medo,
Por causa do apego,
Então desconserto,
E que insiste,
Em machucar.
É sempre, e mais um instante de dor,
Se eterniza por entre a fala,
Que narra a estória de um sofredor,
Que no intento de amar no quarto do viver
Ficou apenas na sala, do fenecer,
E quão doce é o meu amar,
Entre o sofrer e fenecer,
Ambos que em minh'alma ténue se dão,
E sempre fica a mínguas, se fica só,
O coração...
É sempre, num sempre, que sente.
A alma, que sofre, e só o coração, sempre...
Cavidade
Quando por sobre o teu peito
Dou repouso ao meu inquieto
No teu flanco, os dedos meto
Perco o rumo, ao erro certo...
Quando em tua boca, entreaberta
Dou-te um beijo sem paciência
No teu gosto que me enceta
Faz-me homem sem dolência.
Quando, sussurras no meu foz
Faz-me homem, ao desejo vil
Da razão bendita, um ser algoz
Quando o fazes, lhe quero o sumo
E logo o faço-te, ao ser regaço
Dar-se o gozo, perco o prumo.