Poemas, frases e mensagens de HugoSousa

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de HugoSousa

Não Quero Ser Como Todos

 
são os dias compridos e nada de novo,
estou cansado da nulidade de então.
continuo sem fazer o que me cresce
continuo sem poder ter razão.

se nada faço perco a credibilidade
sou visto como assíduo inexperiente,
passo ao lado por querer estar parado
mas continuo a ser quem sou: inconsciente.

é o fazer comum que nos distingue,
se sou diferente sou visto como igual,
só faço o que quero se é o que sei fazer
mesmo que de mim pensem mal.

continuem então essa viagem de trabalhadores
eu sigo o meu caminho de pensador,
não se julguem mais do que eu pelo suor
que não existe na testa de um escritor.

pensar dói, aleija qualquer alma
que só queira suar por dentro,
não, não faz ter calos nas mãos
mas faz dores de cabeça com o tempo.

Hugo Sousa
 
Não Quero Ser Como Todos

Ensaio Para Dormir

 
naqueles dias invulgares
esboço desenhos
na tentativa
de perceber melhor
aquilo que sou e não sei

delirios vibrantes,
até amanha

o sono chegou e
vou fechar a porta,
a janela fica entreaberta
para que a noite entre
sem fazer barulho

Hugo Sousa
30 Março 2007
 
Ensaio Para Dormir

Dor

 
de um olhar no escuro
pode-se esperar um silêncio
proveniente da dor calada
com um sorriso disfarçada.
na malícia do ímpeto grito,
esconde-se por trás das cortinas
o mutismo da mágoa embarricada que
não deixou de existir:
foi dividido e agora
não só vive na ténue dor calada,
como também sangra no grito
do silêncio.

Hugo Sousa
30 Março 2007
 
Dor

Árvores de Sanguessugas I e II

 
Árvores de Sansguessugas I

merda de cabeça doente eu tenho, aliada ao coração devastado pelo passado, pelo tempo e pelo tempo desconfiado. nem tu padeces da cura, nem a tua presença duvidosa me faz crer nos dias alegres, repletos de certezas. não consigo perder a memória. perder a memória seria, talvez, encontrar-me a mim. não consigo desprender a memória, perder o passado. a tua presença é duvidosa, todas as presenças são duvidosas, sanguessugas prontas a chupar até ao tutano o coração e abandonar o corpo. fica o corpo caído no chão frio. levam o coração e deixam o corpo ou pulverizam minuciosamente os infinitos sentimentos e não deixam só o corpo, têm a resplandecente ousadia de abandonar também o coração.

nunca mais fui quem era. não consigo perder a memória e fico a saber, sem esquecer, que nunca mais fui quem era. de meigo animal surgiu uma serpente que invadiu o prédio: subiu as paredes amareladas e com a janela entreaberta habitou a casa. nunca mais fui quem era. as sanguessugas existem mesmo e a serpente que agora sou tem coração novo. não me vou reduzir a pele. vou ser corpo, pele e coração. as sanguessugas existem mesmo. os mundos subterrâneos com paredes feitas de terra e raízes e mundos, os buracos cavados prontos a receber-me como uma semente de papoila. cobrirem-me de terra e deixar a pessoa. com a chuva, surgir no mundo e crescer no sentido oposto da gravidade. misturo-me tanto na multidão sendo pessoa como me misturaria sendo flôr. ia parar às mãos de algúem, arrancar-me-iam o coração e o corpo mergulhado em água turva com cheiro a podre do podre que me mantenho. nem virado do avesso denoto vida, só reparo que a cor esbranquiçada dá lugar a um vermelho meio cor de vinho. as veias desprendem-se, o figado abre-se no chão e o coração fica suspenso, agarrado ao ponteiro do relógio de pulso parado. o tempo parado é o tempo eterno sem um horizonte á vista.

Hugo Sousa

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Árvores de Sansguessugas II

entre a Primavera e o Verão o tempo vive indeciso. na estrada vivia a dúvida do dia, ora clara com os raios de sol ou por vezes molhada com pingos de chuva. o suor na testa do Hugo é só o suor de quem aventura o corpo a sentir a rua. os passos inconstantes enganavam toda a matemática que tentasse definir uma formula padrão para o calculo distâncial entre cada patada sem sentido obrigatório. caminhava com sintomas de tonturas: desenhava ondas oscilatórias no eixo das ordenadas e de quando em vez, a mão tocava no muro lateral que o acompanhava.

"puta aquela que se move por baixo dos meus passos" - a terra quente e húmida como qualquer acto sexual, caminhos verdes e as pedras cinzentas.

a cabeça roda cento e oitenta graus, os olhos é como se fossem cegos. para fora do corpo só se avistava caminhos verdes e pedras cinzentas e mais ninguém. As sanguessugas, destruidoras de centros sentimentais existem, andam à espreita do latejar da bomba atómica dos corpos para a fazerem explodir, para a rebentarem com um beijo e dinamite.

desde sempre fui educado a saber perder mas, estou farto de não ganhar. encerraram as apostas.

Hugo Sousa
 
Árvores de Sanguessugas I e II

Amor Amor

 
a música começou calma, de uma forma branda
antes do primeiro sinal de voz

ele conhece-a,
ela conhece-o,
ele sentia-a,
ela começava a senti-lo,
ele queria namorar com ela,
ela soube e permitiu

ele namorava com ela,
ela gostava dele,
ele beijava-a com amor,
ela beijava-o com calor,
ele avançou no tempo,
ela caminhou com ele

ele pediu-lhe em casamento,
ela fez como no pedido de namoro,
ele ficou feliz,
ela sorriu,
ele casou com ela,
ela casou com alguém

ele alegrava-se todos os dias,
ela contentava-se com o seu alegrar,
ele continuava a amar,
ela com outro queria estar,
ele deixa de ser ele,
ela começa a ser ela

ele sai à rua,
ela na rua está,
ele decora a morada,
ela permanece lá,
ele encontra os dois,
ela encontra-o a ele

ele chora por dentro,
ela anseia a sua partida,
ele fecha os olhos,
ela fica assustada,
ele mete a mão ao bolso,
ela com o outro permanece calada,
ele tira a mão do bolso,
ela...

calou-se a voz ainda há pouco iniciada,
ficou no ar o som do baixo a lembrar
os tons negros de um funeral.

Hugo Sousa
 
Amor Amor

A Casa Vestia-se De Roupas

 
a casa vestia-se de roupas com cores estridentes. nas pernas usava umas calças repletas de fotografias carregadas de paisagens e pessoas de passagem. sobre o tronco, panos indefinidos pregados na parede assombrados por cada sonho e na cabeça, um telhado já velho, um chapéu calejado pelo trabalho do tempo.
enquanto ainda não é noite, vou aproveitar cada película do dia para não ser eu, descansar e ganhar forças: para não ser eu. vivo noites mais longas que os dias, morro mais na claridade e no movimento. a solidão e todo um cenário escuro são os ingredientes certos para me cozinhar, para ferver e explodir fechado na casa como uma panela.
o futuro desenha incapacidade na pele, aprisiona e tortura-me a alma com o medo. o medo sempre presente como um deus. o medo. o silêncio do eu para mim.

aquilo que vos falo
é o disfarce do silêncio,
a defesa para que nunca acabe,
a mentira do «está tudo bem».
o silêncio interior
a defender-se com uma capa
colorida de socialização.

Hugo Sousa
 
A Casa Vestia-se De Roupas

Ode Às Horas De Espera Na Noite Que Tudo Aniquila

 
pensamentos que nem eu consigo ajuda-los a pensar,
a espera conduz-me ao cansaço, leva-me ao vazio
saber que não sou nada - se fosse, a espera não existia -.

vaguear é o meu chão, o meu sitio e a nação dos pensamentos.

falo-me sozinho, sozinho escrevo-me,
- serei eternamente o meu único remetente -
pinto-me e masturbo-me, arranho-me e ainda
me puxo para dentro de mim, vergo-me perante
a inocência da vontade sexual.
sexo. sexo no silêncio. silêncio sexual.

silêncio.

as cortinas dos olhos permanecem com nódoas,
o futuro arde e queima os móveis e
ainda falta queimar as cortinas dos olhos.
jogos com peões e regras, alguns truques
e sexo. jogos de sexo com truques.

fode-me, ao ouvido.

só o bem te desejo dentro da cela,
vou ficar a guardar o teu respirar:
a mentira perdeu-se. fora do teu sonho,
minha doce menina, os dedos puxam a tinta
agarrada ao papel e a perfeição é desfeita.
divagação. estou a divagar muito depressa.

xxxiu, ouve o silêncio.

aqui está a luz quando as sombras da janela se levantam:
os braços param na escuridão, sobre a cabeça cai
o pó que flutua no ar escuro e o cabelo desamparado
na cama a abrir fendas como buracos sempre maiores.
quero espalhar um sangue novo nestes lençóis,
agarrar com força o corpo virgem ao calor e
à lingua de alguém. sexo.

ao ouvido, foder-te ao ouvido.

leva o teu tempo e o teu espaço, aqui,
tu aqui usas a minha mente, exploras e abusas
do meu sentimento sentido, usas o meu pensamento
e abusas da minha mente. tens sitios para ir,
sempre pareceste ter sitio para rir e degraus
largos o suficiente para te sentares e rires.
leio-te a mente, tu não percebes mas eu
consigo ler-te a mente. jogos com peões,
regras e alguns truques.

desejo jardins vazios. silêncio.

todas as caras que conheci são um picotado,
são bocados e pedaços do meu objectivo e
corridas por jardins vazios sem meta e
são o silêncio, o silêncio daquilo para que corro.

isto vive para outros homens, outros degraus ou
como disse: para outros homens. as mulheres.
mulheres vivem em degraus, pisam e sobem escadas.
vive para outros homens, para outros degraus.
diz-me se isto é verdade, isto precisa de ti.

queres conhecer o buraco?
preciso de alguém que queira merecer conhecer o buraco.

sim, podes ler amor se quiseres,
estas palavras podem ser amor à divagação.
divagar, divagação rápida: amo-te.
vai ficar tudo velho e assusta-me que
tudo venha a ganhar teias de aranha, somente idade no tempo
e pó como o que flutua no ar e cai sobre a cabeça.

outra vez e outra vez quando era um balão
e andava ao sopro do teu vento,
do ar impulsionado pela tua boca, pelos teus lábios:
e o teu sopro.
volta atrás, outra vez e outra vez e ainda sou criança,
brinco com bonecas e masturbo-me às escondidas.
volta atrás do atrás e não sou nada,
não me lembro de sentir a espera antes de nascer.
leva-me ao vazio saber que não sou nada
- se fosse, a espera não existia -.

caminhos de terra sempre vazios: desejo.

nem na morte há paz:
quantos são os escravos do dinheiro depois de morrer?
sou tantas pessoas e só quero relembrar
quantas pessoas já morreram e eu continuo a sê-las.
na memória brilham os picotados, os bocados e pedaços
da minha morte - o objectivo, a meta que não existe -
que viviam nas caras que conheci e já morreram.

fiz as cinzas que lá estavam antes da fogueira,
aqueci o corpo com dois cobertores e recordações.
com as unhas, matei pêlo a pêlo e vi
cada bocado de pele além da pele.

o olhar cruzou-se com todos os corpos.

do choro compelido, nasceu do choro compulsivo
o ódio, nasceu do ódio a espera,
nasceu da espera estas palavras.
não sou nada, resta-me o vazio
ao saber que não sou nada
- se fosse, a espera não existia -.

HUGO SOUSA
 
Ode Às Horas De Espera Na Noite Que Tudo Aniquila

No Verão

 
o cáustico sol aquece as pegadas frias na areia, desenhos abstractos desdenham a bruta súbida da maré. o silêncio quebrado pelo sopro repentino do vento que abana os cabelos dos presentes: semi-nús e descalços. o mar azul vincado com espasmos de branco abomina a areia pesada que o sustem. as pessoas divertem-se ou fingem divertir-se. as crianças divertem-se mesmo. os montes petrificados vão ficando mais velhos, vão ruindo e em metamorfoses intemporais aglomeram-se aos inatendíveis grãos arenosos. o sol continua a aquecer. as crianças continuam na plena diversão. os corpos começam a ganhar tons avermelhados, sobressai um vermelho ainda mais forte aquando mergulhados na água impetuosamente fria. o sol não chega para aquecer o mar e o mar é o suficiente para acalmar a dor dos corpos a arder. no verão e com o acompanhar do dia, a solidão da praia é uma nulidade. na noite, apenas vagueiam sombras imaginadas na vasta beira-mar a morrer pelas presenças interesseiras do dia. quem não tem medo do tempo? quem não se sente sozinho?

Hugo Sousa
 
No Verão

Doer É Quase Morrer

 
é preciso morrer para mais ser que pessoa. as cabanas dos sonhos, cercadas por água azul transparente, são dos sonhos. os sonhos são o caminho poeirento da morte. por chegar ao fim vou deixar de sentir. vou encerrar os olhos como se baixam os panos ao acabar o espectáculo. os bocados de carne separam-se do bocado maior de carne. o sangue é pouco e nem chega a ser suficiente para rastejar no chão. olhos abertos ou olhos fechados, tudo nubleado. nevoeiro cerrado para lá e para cá de mim. nevoeiro cego de olhos abertos e olhos fechados. logo agora que sentir já não sinto, fazia-me falta ver. ver só por ver, para não ficar petrificado entre as pedras de casa. ver só por ver sem sentir que já não sinto. e morrer. que falta faz morrer sem razão, já que não sinto. se não sinto é morrer sem razão. razão, sempre o objectivo de qualquer conversa com mais de uma palavra. até mesmo só com uma palavra. sim, não, sim são razões. de olhos abertos ou fechados são sempre razões, com nevoeiro ou sem ele. os dias acontecem com ou sem o meu nevoeiro de olhos abertos ou fechados. fechados! espaço fechado e apertado, a asfixiar os suspiros. o medo impresso no gatilho da pistola pronta a acabar com a vida. o medo na pistola. na vida. o medo e a pistola na vida. a vida no medo e quase na pistola. a vida no medo e o medo na vida da vida. suspiros apertados a asfixiar o espaço fechado. as mesmas coisas de maneiras diferentes. as mesmas gentes de maneiras diferentes. os corações iguais envolvidos nas diferenças. só me dói não doer mais para a vida no medo ser mais forte que o medo impresso no gatilho da pistola pronta a disparar. dois estrondos. comecei a ser mais que mais um.

Hugo Sousa
 
Doer É Quase Morrer

Companhia de Sensações I e II

 
Companhia de Sensações I

a Alegria vestia-se sozinha. calças de ganga gastas com algumas nódoas e um top cor berrante, ofuscante aquando o sol esbatido no peito, no ventre, no que a ninguém pertence. brilhava um sol ardente e com ele brilhavam todos os olhos, semicerrados e ofuscados pela tua cor berrante. no húmido rosto, a aparência inocente até parece verdadeira. mantida no tempo por frutos sasonais, alguns ricos em fibra outros ricos em gula e fetiches de me percorrer o corpo, de ajudar o Verão a queimar-me a pele exposta ao sol.

o vulcão acorda em mim adormecido, a lava branca não tem destino certo. a tua boca, a tua quente boca. os olhos sempre húmidos e a boca por vezes seca. troca de ofícios e de caprichos.

percepções - o céu pára a chuva cansada de cair. a minha namorada enriquece o coração enquanto dorme, salgada e sonha. o Desgaste, amigo de longa data - o mais antigo de todos - ainda está acordado. olha a rua no inicio da vida de mais um cigarro. daquele copo ainda a meio, dá vida a mais um cigarro. dá vida à morte e descansa o olhar num banco de jardim por baixo dos olhos fechados. o meu amigo Desgaste sempre viveu fiel à sua razão, nas vezes que foi chamado a intervir, jamais chegou atrasado. na outra ponta da casa, respousava a mais feminina das mulheres. a Loucura deixou a tremule realidade a quem ainda não adormecera, e entrou no mundo irreal depois de massacrar violentamente o sexo. repousava despida no colchão, com um lençol branco a cobrir-lhe algum corpo. é nestas horas da noite que Loucura prefere viver, mas hoje estava mais cansada que um cavalo de corrida.

a Embriaguez saiu marcava o relógio nove horas. a minha amiga Embriaguez é a minha mais recente amizade. nos passos solta dos ténis uma fragância a chulé com cheiro a álcool, nas palavras saía um sopro do álcool revoltado que se confundia com absinto ainda na garrafa e no sangue, o sangue era tão fluido e claro como a água. as contusões eram quase brancas. era familiar verter o sangue para um copo e servi-lo à refeição. era álcool do mais puro. quando entra em casa, costuma entoar aos gritos o nome da minha namorada: Solidão. Solidão é o nome da minha sonhadora namorada.

Hugo Sousa

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Companhia de Sensações II

o Medo está ausente. nestas noites mais pálidas, encarna a vontade de deambular pelas ruas, entre paredes e descampados. leva nos olhos uns óculos escuros para o disfarce. todos desejam esconder os medos, e o Medo tenta o disfarce. é conhecido na morta vizinhança como o estripador, é visto por todos os olhos como o penetra corpos. leva numa mão, subtilmente ligada ao pulso por uma corrente, a faca. na outra, protegida por uma gasta luva vermelha, transporta o peso do encontro da mão dele com a mão esquerda da Paixão. Paixão é nova. regista na pele vinte e dois anos e nos dedos sangue de corações.

percepções - o verde acastanhado das ervas entre os paralelos do parque de estacionamento tentam arrebitar. as pedras cinzentas posicionam-se geométricamente iguais. é sempre tudo tão igual. da janela do quarto andar, Desgasta manda a última beata, do último cigarro, em queda livre até ao murmúrio do eco silencioso de encontro com o chão. a Solidão sorri. o sonho é quase a perfeição em acontecimentos. na outra ponta, estalavam as molas do colchão de Loucura. o som beliscava a casa. eu sentado na cadeira da cozinha. Desgaste encostado à janela, da cozinha, já fechada. a chave cravou na fechadura. Embriaguez acabara de chegar.

- / - (falta o dialogo que não será publicado no site)

a casa estremeceu. não pelo barulho repentino, não do tom bruto das palavras. finalmente uma aprição de vida aconteceu.
da porta de entrada à cozinha são três passos para a esquerda. para a sala ocupada por uma decoração na penumbra bastavam dois passos em frente. Solidão surgiu, vinda da direita, com doze patadas suaves sobre o chão frio até Embriaguez.

- / - (falta o dialogo que não será publicado no site)

percepção - é erguida com as forças precisas para o derrube da muralha da China. um foguetão não causaria tal impacto, no arranque contra a terra, como o estrondo da cabeça contra a porta. e as sanguessugas? essas macabras bocas, piores que piolhos e putas.

Hugo Sousa

(Partes da peça teatro que estou a escrever)
 
Companhia de Sensações I e II

Eu: Recipiente

 
estou cheio,
farto e a transbordar
de ausência.
estou cheio
de não ter nada.

a posse: vazio: ar escuro.
nem a mim tenho,
pertenço a todos e
estou cheio, farto
de não ter nada.

Hugo Sousa
 
Eu: Recipiente

Mais Tarde

 
são as ideias que esfoliam a alma,
queimam o continuo pensamento
e fazem-me gostar de ti

estou cansado,
doridamente agastado.
não me faças idealizar
o mundo perfeito para nós

mais tarde, agora não.

Hugo Sousa
1 Abril 2007
 
Mais Tarde

Suicídio

 
a poesia, é suicídio?
depressão crescente no estado vigoroso
caminha para a morte sem perguntar porquê.

estas palavras, são suicídio?
recalcamento inconsciente vivo na tinta,
no papel e em todas as letras do alfabeto.

a tua presença, é suicídio?
se não fizesse da minha pele um arrepio,
esta pergunta deixava de fazer sentido.

repito: a poesia é suicídio?
desgosto de questões irritantes,
quanto mais de irritação a dobrar.
silêncio.

pensar nisto, é suicídio?
outra vez silêncio, no pensamento
não preciso de falar.

a vida passar ao lado, é suicídio?
silêncio imortal:
matei-me.

HUGO SOUSA
 
Suicídio

Árvores de Sanguessugas III e IV

 
Árvores de Sanguessugas III

quantas (muitas) são as traições em pensamento? soltaram-se do sonho para envergar, nos teus lábios, o desejo de me vazar o coração.

ela ou ele acende um cigarro de quem desmistifica o mais guardado dos segredos. tem asas a cobrirem o terror de não poder voar no bocejo do desejo. os sítios que agora conheço, por onde passo, são mistérios onde procuro vestígios de mim, a minha alma ardente, queima a madeira gasta pelos passos nalgumas cidades. - o coração de serpente ainda não vacilou, as sanguessugas permanecem adormecidas e eu sozinho -. escrever para recordar. não consigo perder a memória, paisagens do cume montanhoso, luzes abrilhantam as vidas das cidades escuras.

vou cortar o tendão que me liga o corpo aos passos, fantasma, das palavras.

quantas são as traições do pensamento na masturbação nocturna? fantasiaste sozinha, acompanhada por tantos outros homens.

a apresentação foi a primeira que cruzou as palavras e o corpo.
sugar-me o coração? nem as histórias que compõem as civilizações correntes me emocionam, tenho interiorizado um mau feitio que me dei a conhecer. acordo, adormeço, sonho ou morro, não me importo. trais-me em pensamento e eu morro e não me importo.

percepções - as minhas mãos húmidas, secas por dentro e de pele camaleão, vestem o medo de te desejar. muitas foram as demais vezes que estiveram estendidas. nem um muro para tocar. só existiam ausência e saudades para apertar, para alimentar as mãos. e os braços, quase tentáculos de polvo, com um esboçar frio no preenchimento. os pulsos dobram e vergam as mãos para um abismos, uma manhã de nevoeiro que não deixa ver as montanhas, tudo parece limitado e tão perto. as mãos vergadas a afogarem-se no abismo. um pé na boca para encaminhar os gemidos. um pé para encaminhar os gemidos.

Hugo Sousa

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Árvores de Sanguessugas IV

ser, então, é sentir com toda a pele, é ouvir com todos os orifícios e chorar com todas as forças. a ânsia de duas ou três palavras tuas preenchem o dia. a ausência de duas ou três palavras tuas completam o dia e a noite.
começo por imaginar palavras mortas, depois, aproximo-me da cama e deixo o corpo em queda livre de encontro ao colchão. soletro o tecto, as paredes, a sujidade nas paredes e o silêncio. puxo-me para dentro de mim e grito. ecos movimentam um corpomoto. as garras na ponta dos dedos rasgam a pele e chove. uma chuva silenciosa, sem pavimento. não foste esquecida e eu nunca quis ser uma opção à solidão. chegaram as duas ou três palavras e continua tudo na mesma. a vida é a cada respirar a presença da tua ausência. a traição perdeu a virgindade. parecem-me os ossos com febre. a traiçãodá-me febre e peso nos ossos. tenho as veias acidadas, um coração que já circula com bocados de mim. qualquer dia coagula e eu rebento como os corações, que sentem em excesso.

Hugo Sousa
 
Árvores de Sanguessugas III e IV

Espera Ansiosa

 
é com uma espera ansiosa que as horas vão passando. no estômago sinto uma mó capaz de triturar coisas da melhor e pior espécie. não vens. não dizes nada e eu com raiva. não sei bem se é raiva ou se é qualquer coisa que se sente quando esperamos e a espera não acaba. é qualquer coisa consequente a uma espera, porque preciso de atenção. e tu não vens. ganho vontade de te odiar. secalhar já te odeio mas, sei também que te amo. estas esperas assim devem ser de quem odeia ou então, são esperas ansiosas, de quem ama. as duas coisas. uma mais que a outra, qual delas a maior não sei. a maior é a espera em si, a espera com o ódio e o amor juntos. uma história num quarto, onde a espera assume o comando das palavras. em todas as mãos, em todos os dedos, a espera. cabeça pousada nas mãos e nos dedos. as mãos e os dedos a coçar e a sacudir os cabelos com desespero. na barriga, perto do estômago mas no lado de fora da pele, as mãos e os dedos amassam a carne na esperança de o apaziguar. a espera é uma guerra. o mundo numa guerra cá dentro, até nas entrenhas. o estômago parece-me que sobe à cabeça, os braços ficam-me moles e sem força. a ânsia da espera corre-me no corpo todo. e tu não vens. não dizes nada. amo-te. odeio a espera com ânsia. tu dás-me e fazes-me sentir as duas coisas. amo-te e odeio-te. a minha cabeça já é o estômago. as minhas mãos já não são o mártir da espera, são o transporte entre a realidade e o sangue. alguma coisa vincada na pele desesperada faz-me sangrar. e tu não vens. não dizes nada.

Hugo Sousa
 
Espera Ansiosa

Céu Turvo Na Minha Cabeça?

 
penso nas nuvens que se convulsam lá fora,
espreita-las poderia se à janela fosse e
via muito mais que só as nuvens.

agora não, talvez daqui a uns minutos
me possa mexer e da janela ver
as nuvens nervosas bem mais altas do que eu.

secalhar mais logo, quando menos cansaço sentir
e a janela me apeteça abrir,
não só para ver as nuvens mas
também os olhos brilhantes acompanhados por elas.

não neste momento, estou vigorosamente ocupado
a pensar que pensei ainda há poucos segundos
que não quero, agora, ver as nuvens
no céu para lá do olhar contra o tecto.

mesmo que desocupado estivesse,
à janela não ia, porque na sombra do pensamento
desenho a ideia que se existisse vontade
eu estaria a pensar em contradições e
não me levantava de qualquer modo.

sempre em contradição este turbilhão de ideias,
ainda é dia e o céu está limpo,
não percebo a criação destas paisagens,
destas possíveis acções e
deste limite nublado na minha cabeça.

o céu é o máximo infinito quando
não é substituído pelo mais simples pensamento.

Hugo Sousa
 
Céu Turvo Na Minha Cabeça?

Espaço Libertino

 
sempre fui um morto que escolheu viver mortificado. as razão podem não ser as mais plausíveis mas, na verdade, nunca quis usar no dedo a aliança que me unia verdadeiramente à vida. na falta de cor da noite, se me imunizar da luz proveninente dos candeeiros nocturnos, sinto a solidão mais forte. sinto a morte mais forte. sinto...sinto peixes a nadar na minha cabeça; sinto...sinto um latejar além do pensamento, que me amedronta; sinto...sinto que não sei mais o que sinto.
o chão perpendicular à minha elevação está ameno, no sofá torna-se previsível um fraquejar ao meu sentar. está tão farto quanto eu de pesos e movimentos plenos, apelativos ao comodismo. paredes erguidas formam esquinas por onde a espera já passou, mostram vaidosamente a desconhecida camada de tinta que, tão enganosamente nos dizem, a protege. se a protecção fosse resumida em tinta, pintar-me-ia da cor mais clara para ser confundido no dia. os quadros na parede tentam formalizar a simpatia. o espelho circunscrito por madeira reflecte as imagens de uma realidade. o que transfigurará quando nenhuns olhos o presenciam? as dúvidas tornam-se pele a soltar-se da pele no corpo escaldado, puxam-se pela ponta e vem o universo duvidoso atrás. o espelho. as cortinas trabalham no ofício de me esconder, de me camuflar do dia. como a tinta na parede mas de uma forma mais certa, as cortinas protegem-me da realidade exterior e longiqua à minha presença. a minha cruel presença, indefinida na importância do que é realidade. a minha presença morta por não se querer aliar à vida. a minha presença só respira a minha presença num espaço que vive comigo. a minha presença só conhece o silêncio, só conhece o silêncio e o pensamento silêncioso.

Hugo Sousa
 
Espaço Libertino

Gostamos De Cerejas, Arranca-me Os Olhos

 
charcos ressequidos, ligeiramente húmidos de ferrugem. com pedra fraca sobre pedra enfraquecida se controem casas. as ervas dão vida a ervas, água alimenta-lhes o crescimento. a faísca de dois pensamentos opostos. crepúsculo ascendente num fio, crescente, de escadas. loucos sem dar conta. só no cordão umbilical restou o verdadeiro sangue. Desconfugo é um gajo normal. dietéticas ilusões de verão nas mulheres. Desconfugo é um gajo normal.

Hugo Sousa
 
Gostamos De Cerejas, Arranca-me Os Olhos

Rebentar De Um Anjo Mal Explicado

 
no horizonte a linha, numa linha
reprocho o mar com o céu visionário
- a cor é quase incessantemente igual,
idêntico e prisioneiro deve ser o sabor -.
semeia o voo entre as ondas nodais
entre o dilacerar de um nimbo ameaçador,
vê como asas enlodadas rompem a superfície,
tocam o ar e fitam os olhares
desafiadores das gaivotas conterrâneas.
seguidamente, solta-se, vindo numa bolha de água,
a cabeça promíscua de anjo com pingas de sangue
como que de um nascimento se trata-se.

outra onda a chegar e a crescer,
no corpo, o nó a apertar toda uma mulher-anjo
que num sufoco requintado,
abana as asas enrugadas e
reclama a liberdade inexistente até então.
entrelaçada, puxam-lhe o restante corpo
ainda mergulhado no súbito mar pensado.
sobe e sobe e crescem-lhe os pés
e continua a subir e começa a voar
e fazes-me inveja e tudo o que resta.

não ligues
é só um "ai quem me dera"
que consome o desejo vertido
do recipiente onde guardo os sonhos.

Hugo Sousa
 
Rebentar De Um Anjo Mal Explicado

A Liberdade Do Medo Não Acaba

 
a liberdade do medo não acaba,
na justiça os sentimentos pouco importam.
porque mentem os teus lábios fechados?
é a tua ausência, o teu cheiro e as tuas lembranças que me matam.

ó eu que te lembra, te invoca e te pede em silêncio:
beija-me outra vez,
os guardas da minha percepção vão proteger a minha fraqueza:
têm palavras e ofensas e corações blindados,
beija-me agora antes que seja tarde.

Hugo Sousa
 
A Liberdade Do Medo Não Acaba