Ode Às Horas De Espera Na Noite Que Tudo Aniquila
pensamentos que nem eu consigo ajuda-los a pensar,
a espera conduz-me ao cansaço, leva-me ao vazio
saber que não sou nada - se fosse, a espera não existia -.
vaguear é o meu chão, o meu sitio e a nação dos pensamentos.
falo-me sozinho, sozinho escrevo-me,
- serei eternamente o meu único remetente -
pinto-me e masturbo-me, arranho-me e ainda
me puxo para dentro de mim, vergo-me perante
a inocência da vontade sexual.
sexo. sexo no silêncio. silêncio sexual.
silêncio.
as cortinas dos olhos permanecem com nódoas,
o futuro arde e queima os móveis e
ainda falta queimar as cortinas dos olhos.
jogos com peões e regras, alguns truques
e sexo. jogos de sexo com truques.
fode-me, ao ouvido.
só o bem te desejo dentro da cela,
vou ficar a guardar o teu respirar:
a mentira perdeu-se. fora do teu sonho,
minha doce menina, os dedos puxam a tinta
agarrada ao papel e a perfeição é desfeita.
divagação. estou a divagar muito depressa.
xxxiu, ouve o silêncio.
aqui está a luz quando as sombras da janela se levantam:
os braços param na escuridão, sobre a cabeça cai
o pó que flutua no ar escuro e o cabelo desamparado
na cama a abrir fendas como buracos sempre maiores.
quero espalhar um sangue novo nestes lençóis,
agarrar com força o corpo virgem ao calor e
à lingua de alguém. sexo.
ao ouvido, foder-te ao ouvido.
leva o teu tempo e o teu espaço, aqui,
tu aqui usas a minha mente, exploras e abusas
do meu sentimento sentido, usas o meu pensamento
e abusas da minha mente. tens sitios para ir,
sempre pareceste ter sitio para rir e degraus
largos o suficiente para te sentares e rires.
leio-te a mente, tu não percebes mas eu
consigo ler-te a mente. jogos com peões,
regras e alguns truques.
desejo jardins vazios. silêncio.
todas as caras que conheci são um picotado,
são bocados e pedaços do meu objectivo e
corridas por jardins vazios sem meta e
são o silêncio, o silêncio daquilo para que corro.
isto vive para outros homens, outros degraus ou
como disse: para outros homens. as mulheres.
mulheres vivem em degraus, pisam e sobem escadas.
vive para outros homens, para outros degraus.
diz-me se isto é verdade, isto precisa de ti.
queres conhecer o buraco?
preciso de alguém que queira merecer conhecer o buraco.
sim, podes ler amor se quiseres,
estas palavras podem ser amor à divagação.
divagar, divagação rápida: amo-te.
vai ficar tudo velho e assusta-me que
tudo venha a ganhar teias de aranha, somente idade no tempo
e pó como o que flutua no ar e cai sobre a cabeça.
outra vez e outra vez quando era um balão
e andava ao sopro do teu vento,
do ar impulsionado pela tua boca, pelos teus lábios:
e o teu sopro.
volta atrás, outra vez e outra vez e ainda sou criança,
brinco com bonecas e masturbo-me às escondidas.
volta atrás do atrás e não sou nada,
não me lembro de sentir a espera antes de nascer.
leva-me ao vazio saber que não sou nada
- se fosse, a espera não existia -.
caminhos de terra sempre vazios: desejo.
nem na morte há paz:
quantos são os escravos do dinheiro depois de morrer?
sou tantas pessoas e só quero relembrar
quantas pessoas já morreram e eu continuo a sê-las.
na memória brilham os picotados, os bocados e pedaços
da minha morte - o objectivo, a meta que não existe -
que viviam nas caras que conheci e já morreram.
fiz as cinzas que lá estavam antes da fogueira,
aqueci o corpo com dois cobertores e recordações.
com as unhas, matei pêlo a pêlo e vi
cada bocado de pele além da pele.
o olhar cruzou-se com todos os corpos.
do choro compelido, nasceu do choro compulsivo
o ódio, nasceu do ódio a espera,
nasceu da espera estas palavras.
não sou nada, resta-me o vazio
ao saber que não sou nada
- se fosse, a espera não existia -.
HUGO SOUSA