Despi os ombros da seda macia
Despi os teus ombros da seda macia
que deslizou indiferente no chão frio da minha saudade,
em franjas gastas pela melancolia
que alimentava as palavras por dizer.
Em sussurros por receio de amar,
olhando por tanto olhar
calei a boca beijada sem paixão,
resgatei a magia de ternuras inventadas
num amor-perfeito já sem brilho,
onde os contornos de ti me explodiam nas mãos vazias
frias, geladas,
sem o fogo louco de um vulcão
que adormecido
esperava a lembrança
de ombros vestidos de macia seda
por mim arrecadada.
Dueto: Manuela Fonseca & Rosa Maria Anselmo
O 10ª MUNDO
O 10º Mundo
As searas não existiam
E o pão não cheirava a terra
A mãe-velha embalava os ossos
Mal embrulhados
Na carne negra, suja
Beijada de artrópodes.
A insuficiência
Espreitara o 10º mundo
E as crianças brotavam
Sob o signo maligno
Da Fome.
Era tarde…
A noite descera sobre a mãe-velha
E no chão agreste
Nu de sementes
Picavam-lhe os pés inchados
De lágrimas, dores
E revoltas!
Manuela Fonseca
Vou-me embora
Vou-me embora do teu peito
Onde as estrelas já não cintilam
Levo comigo a saudade
Desembrulhada, mal amada
Atiro-me à esperança
De outro sorriso
Tropeçando em bagagens de amor
Levantando coros ao meu passar
Sentei-me ao luar
Cansada de tanto andar
Espiando um adormecer
Vi o meu universo vazio
Onde um dia me banhei
Sem reparar nas horas estreladas...
Manuela Fonseca
A solidão é inteira
A solidão é inteira
De corpo e alma
Nada mais verdadeiro
E intenso
Do que o silêncio que dela vem
Vai-te!
Deixa-me banhar
Nesta tranquilidade
De não ser nada
Vai-te!
Vou ser sózinha
Naquele monte além
Lugar distinto de ninguém
Manuela Fonseca
Filhos da mãe!
Nasciam Homens
No perfil aquilino
De uma guerra esgueirada
Sem mentes esquecidas
Os Homens tornavam-se animais
De anjos trincados
Pelo sabor agridoce
De um Mundo ansiado
De coisas maiores
De certezas melhores
E de sangues menores
Alá!
Em nome de Alá
Matam-se os Homens
E escoam-se os sangues
Inocentes de Fomes!
Filhos da mãe!
Manuela Fonseca
Para ti, meu amor
Para ti, meu amor
Vai um coração dorido
De passados esquecidos
Rebolo-me no teu tracejar
Deixando-me cair
Na voz doce
Que me encanta o desconhecido
Para ti, meu amor
Vai um começo
De futuros presentes
Que flutuam no fundo de mim
Em laços que veêm de ti
Manuela Fonseca
O castigo
Senti na alma o castigo
De uma solidão interior
Atravessei o tempo
Nas dores comuns
De um silêncio rasgado
Que sempre arrisquei
Ao virar da esquina
Nessa viragem
Rasgada no silêncio
Encontrei-me no tempo
Surgiu o amor
Soltando as amarras
Da alma sofrida
No castigo da solidão
Dueto: Maria Antonieta Oliveira & Manuela Fonseca
Se um dia...
Se um dia
Eu estivesse na tua vida
Em reflexos
De espelhos
Não partidos
Nem sombreados!
Se um dia
Eu pudesse amar-te
Sem condições
Nas uniões
Das multidões
Sem sarcasmos!
Se um dia
Eu tropeçasse no castanho
Do teu olhar
Dentro do verde
Do meu mar
De ondas cavalgadas!
E, se um dia
Eu te afagar
Devagar
Num sorriso de estrada
Acende a tua alma
E demite-me de ser amada!
Manuela Fonseca
14 de Dezembro de 2007
Olá meus amigos,
Hoje, o meu filhote mais velho, fez 31 anos! É mais um ano... é certo. Mas é mais do que isso. É uma história que se faz a cada dia que passa, que se constrói, que nunca se completa... É o correr do tempo, implacável.
Foi num dia de frio, estava eu a estender roupa quando ele me deu o sinal. No dia seguinte, tinha o meu filho nos braços, tinha o meu maior tesouro no meu regaço e descobri que há gestos que nunca cansam, por mais que se repitam. Os meus beijos eram incansáveis.
E uma lágrima deslizou de...felicidade! Igual à de hoje!
Parabéns, meu amor!
Manuela Fonseca
És especial
ALGO DE INATINGÍVEL
As pessoas são solitárias porque constroem paredes em vez de pontes.
(Joseph F. Newton)
A Inês foi acabar os estudos em Coimbra, aos 19 anos. Opção que ela tomou com determinação, coisa que a mim me faltava aos 30. Acho que sempre me faltou por diversas razões que atravessaram a minha vida como espadas afiadas espetadas na alma. Essa mesma alma que me pedia palavras escritas germinadas em poemas inacabados onde o pensamento se escondia em dias cinzentos feitos de esperas numa tela que ia perdendo a cor. E eu acomodava-me na amizade preciosa da Inês, nos meus filhos ou sozinha, naquele canto acolhedor, onde me nasciam sílabas da solidão que me estrangulava as forças e a dignidade.
Algo de inatingível
Violou-te o corpo
Beijou-te as faces
Mordeu-te os seios
Penetrou-te os sentidos
Rasgou-te a carne
Dividiu-te a alma
Sacudiu-te o sangue…
Espantou-te o olhar
E fechou-te o sorriso!
O que é que restou de ti?
Faltavam duas semanas para o Eduardo chegar de um lugar que ficava, algures, do outro lado do mundo. Eu pensava que nunca teria a força nem a coragem para terminar com uma vida de tristeza ancorada na desilusão, onde a cada chegada eu permitia-me acreditar, uma vez mais, no impensável. Deitei-me no sofá enrolando uma madeixa de cabelo por entre os dedos, pensando até quando iria aguentar um casamento empoleirado em infidelidades, ciúmes, violência verbal e física, e sei lá o que mais. O Eduardo era aquele tipo de cavaleiro andante idealizado pela minha paixão adolescente e teimosa e, com certeza, o mais pusilânime quando o consegui ver apeado do cavalo.